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Ponte Rio-Niterói vista da barca para Paquetá |
Até os idos de 1940 os arquitetos iniciavam sua formação na Escola
de Belas Artes onde aprendiam mais sobre artes e artifícios do
desenho do que os engenheiros, voltados para a forte matemática –
no antigo templo da engenharia, no Largo de São Francisco. Os
primeiros seriam os “sonhadores” entregues a divagações
estéticas. Os outros, homens “sérios” voltados para as
implacáveis verdades da matemática, da física, a mecânica
racional e outras ciências respeitáveis, adquirindo um “saber”
mais específico e objetivo. Para alguns engenheiros (naqueles
dias...) os arquitetos cuidavam da beleza, coisa adjetiva e de todo
inútil... Uma “perfumaria”. Daí o atrito inicial em que as duas
profissões – na verdade perfeitamente harmonizáveis e, a meu ver,
até complementares – disputavam hipotético mercado.
Para muitos engenheiros, arquitetos seriam “apenas” bons
desenhistas, “artistas”, jamais técnicos. Em resposta, para os
arquitetos, engenheiros só sabiam matemática, lidar com o cimento e
o ferro e nada entendiam de arte... Empate técnico? Felizmente havia
prorrogação, sem recorrer aos pênaltis...
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Ponte Sant'Angelo sobre o Rio Tibre em Roma |
Separados os cursos, definidos currículos e atribuições (praticamente as mesmas, diga-se) “brigas” e “picuinhas” cavavam o abismo entre as duas profissões. A história nos mostra que pelos séculos a disputa não era bem assim. Grandes arquitetos eram excelentes engenheiros (hábeis construtores) e vice-versa, não havendo o tal abismo que cavaram por imaturidade, incultura ou tolices políticas. Um cruel impeditivo, porém, foi imposto aos arquitetos: era-lhes vedado o projeto de pontes, tarefa de fato, por vezes de alta complexidade... Não insuperável.
Hoje, a legislação não é mais impeditiva, embora os engenheiros,
por força da tradição, ainda sejam os donos “do pedaço”. E
temos obras notáveis por eles produzidas. Como exemplo, temos a
polêmica ponte Rio-Niterói – batizada com um marechalato de má
lembrança – criticada mais por razões políticas, mas que se
harmonizou com o espelho da bela Guanabara. E jamais deixaremos de
falar das pontes arrojadas e belas de Eiffel(*) no século XIX e, na
atualidade, as do coleguinha Santiago Calatrava (**).
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Ponte Vecchio vista da Galeria degli Uffizi em Florença |
Resumindo: gostaria de ter projetado uma ponte...
Mas aqui, deixo a técnica de lado, pois estou em praia estranha e
convido o leitor a outras divagações.
Tento falar sobre meu fascínio pelas pontes. Das pontes romanas em
cimento pozolânico (um concreto natural usado pelos romanos, de
jazidas no sul da Itália) às projetadas em aço pelo citado Eiffel.
E ainda sob nossos olhos descuidados, desde o século XIX, o Estado
do Rio de Janeiro possui em suas linhas férreas – criminosamente
abandonadas – belas pontes, dando majestade às paisagens,
facilitando os caminhos.
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Ponte Pietra sobre o Rio Ádige em Verona |
Os professores Eduardo Corona e Carlos Lemos definem ponte como
“Sistema estrutural destinado a permitir a passagem de veículos,
animais e pedestres sobre rios, vales, estrada de ferro ou
caminhos...” e adiante, “Ponte suspensa ou Pênsil, é
aquela construída com um taboleiro, sustentado por hastes ou cordas
verticais...etc”
No “Aurélio” veremos que o vocábulo ponte tem
inúmeras significações, desde a trivial “Obra construída
para estabelecer comunicação entre dois pontos separados por um
curso de água ou qualquer depressão do terreno”,
passando pela anatomia geral até o sentido figurado, como
“Elemento de ligação entre pessoas ou coisas” e
ao prosaico “Prótese destinada a substituir a falta de um ou
mais dentes”.
E se disséssemos, com certa obviedade, que os nossos sonhos serão
pontes entre diferentes dimensões da vida?
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Pontes sobre o Rio Sena na Cidade Luz |
E então entro com cogitações outras: raramente cruzei a pé uma grande ponte. Em geral, o fiz a bordo de veículos, em rápida marcha, fosse a paisagem bela ou belíssima, como se impelido pela necessidade de não permanecer olhando abismos, rios, vales ou cordilheiras. Na prática turística, para-se à margem da ponte (certas pontes, claro) e faz-se a tradicional pesquisa com o olhar ou com a câmera. Não da ponte, mas do que ela vence ou oferece nos horizontes. Torna-se então a mera “passagem” que se abandona até com pressa. Vi algumas fotografias de pequenas pontes, onde haveria um pescador solitário ou um homem, mãos na amurada (estaria tentando aprisionar o presente?), olhando o rio que escapava de seus olhos em busca de um irmão ou de seu estuário.
O belo filme de Clint Eastwood, “As pontes de Madison”,
apresenta construções especiais, cobertas, envolvidas em
significados psicológicos. Passado, presente e futuro? Alguém, sob
a proteção de um teto, escolheria não chegar ao outro lado? Tudo
isto reforça meu sentimento de que a ponte é um “não lugar”,
uma experiência passageira que venceu abismos e que nos levará
sempre a novos caminhos. Procuraremos uma ponte que nos permita
vencer um obstáculo ou um período difícil. “Ponte” pode
designar um amigo que nos ajuda, uma empresa a que recorremos. Um
golpe do destino. Será uma rápida passagem para se chegar a ponto
seguro, mais à frente, sem retornar – porém - ao ponto de
partida.
A ponte nos deixou do “outro lado”, em “outra situação”, um
breve futuro logo feito passado, o mesmo mundo de sonhos onde
deixamos nossa “ponte”.
Devo perguntar: Que “ponte” estará cruzando nosso querido
Brasil?
(*) Gustave Eiffel (1832 – 1923) engenheiro e
arquiteto francês, bastante conhecido pelo projeto e construção do
grande marco mundial em Paris, a torre para a exposição das
indústrias, de 1889.
(**) Santiago Calatrava (19 - ) arquiteto espanhol
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Ponte sobre o Rio Limmat e velhas igrejas em Zurique |
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Ponte Rio-Niterói |
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Ponte sobre o Rio Kwanza em Angola |