Centro |
Janeiro de 2023. Aos 78, já faz quase 12 anos que deixei de comparecer diuturnamente ao BNDES. Há tempos não
tenho ido ao Centro. A pandemia transformou aquele outrora pujante espaço quase
que em uma Cidade Fantasma. Pagamentos e pendências diversas de toda a família
(sempre sobra para mim...) me fizeram rumar para a região neste começo de ano. As
filas são grandes, sendo essas as únicas ocasiões em que vale a pena ser idoso...
sou atendido com prioridade, mas alegam que tenho muitas guias, e eles só podem
imprimir uma única. Certa vez meu saudoso genitor me mandou comprar uma
passagem; voltei com a resposta de que estavam esgotadas. Aprendi então, ainda
criança, que essas conversas nada mais são que a senha para informar que sim,
poderei ser atendido mediante um certo agrado... então voltei lá no guichê e
como por milagre a passagem apareceu. Dessa vez não foi diferente, e ao final
entreguei discretamente um papelzinho dobrado, contendo o tal agrado.
fotografadas por Augusto Malta |
Uma vez cumpridas as missões, meus
passos se perdem pelas ruas outrora elegantes da Belle Époque descritas por
João do Rio e fotografadas por Augusto Malta. A chuvinha miúda, sem pressa de
parar, escorre das nuvens que escurecem a tarde triste. Carioca, Ouvidor, Avenida
Central, Uruguaiana, algumas dão até medo de tão vazias, mais parecendo uma
Cidade Fantasma, tantas são as lojas fechadas, como se fosse um domingo. Em
passado recente chegava a ser difícil esgueirar-se em meio à multidão. Antigas
lembranças do tempo em que levado pela mão da saudosa Mamãe, junto com o
irmãozinho menor, percorria o Centro pontilhado de lojas tradicionais, como a
Perfumaria Kanitz, Casa José Silva, Principe, Clark, Sloper, Mundo dos
Brinquedos, Colombo, Casa Cavé, Manon, endereços elegantes dos quais poucos restaram.
antigo prédio de belas linhas neoclássicas no qual estudei |
Quase que por instinto caminho em
direção ao Largo da Cruz de São Francisco, onde ainda altaneiro se ergue o
antigo prédio de belas linhas neoclássicas no qual estudei. Eterna
Polytechnica, no meu tempo a saudosa Escola Nacional de Engenharia da
Universidade do Brasil, hoje Escola Politécnica da UFRJ, na Cidade
Universitária da Ilha do Fundão. Prédio onde Dom Joao VI mandou instalar a
Academia Real em 1811. Ainda é a mesma edificação, pouco mudou. Aqui se
formaram tantas turmas, entre elas a minha, Turma Povo Brasileiro, de 1968.
Alma Mater da Engenharia Nacional, capim e plantas vicejam há anos pelos pisos
e paredes. Na tardinha chuvosa do verão quasi-inverno de janeiro, o prédio é o
retrato do Centro da Cidade, pouco cuidado, vazio, escuro e triste. Cidade
Fantasma. Prédio Fantasma. Anos 60. Que contraste com aquela tarde luminosa,
quando no meio da multidão de candidatos localizei meu nome na lista dos
aprovados no vestibular, as folhas datilografadas afixadas no quadro de avisos
do pátio interno! O prédio cheio de vida, alegria, esperança.”
sigo depressa em direção à Central, pegar o trem até Madureira |
Passadas tantas décadas, de pé naquele
mesmo pátio, cerrando os olhos pensativo, vejo-me garoto, vibrando com a
aprovação. Com a agilidade dos meus 18 anos, desço correndo as escadas e sigo
depressa em direção à Central, pegar o trem até Madureira e de lá caminhar até
o Campinho. Logo chego em casa para dar a boa notícia aos meus saudosos
genitores. Não tínhamos telefone, celular nem pensar... Eles me abraçam,
emocionados, imigrantes acolhidos aqui nesta terra abençoada, antevendo um
futuro melhor para o filho, diferente das agruras na Polônia sofrida e gelada,
onde o “numerus clausus” barrava
sonhos. Logo desperto das minhas divagações e me entristeço com o prédio
coberto por antigas pichações. As instalações resistem, resta saber até quando.
densa linha de cumulusnimbus |
Mais uma breve caminhada, e já estou
adentrando o BNDES, pela Av. Paraguai. De novo vêm as lembranças, no silêncio e
solidão do prédio que o trabalho à distância mantém quase vazio. Era um final
de tarde em pleno verão. Da minha mesa à janela podia ver ao longe a densa
linha de cumulusnimbus e ouvir as trovoadas distantes que prenunciavam o
aguaceiro. Logo o dia escureceu, faiscaram os relâmpagos, de repente tudo
ficava iluminado. A chuvarada logo passou, o sol voltando e permitindo a visão
do casario, das montanhas distantes. Foi uma bênção ter passado tantos anos
trabalhando naquela supermesa à beira da janela. E pensar que ainda nos pagavam
para estar ali, pensando o progresso do Brasil.
eterna saudade |
Seis décadas já se passaram... Nem todos a quem acompanhei nas fantásticas jornadas politécnicas e benedenses ainda estão aqui neste Vale de Lágrimas. Uns partiram cedo, logo nos primórdios, outros prematuramente, nos deixando a eterna saudade de tempos felizes.
Valeu a pena?
Como ensinou o piedoso cristão-novo
Fernando Pessoa:
“Tudo vale a pena... se a alma não é pequena"
Casa Cavé |