ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

9.11.17

AQWA CORPORATE, UM PRESENTE ARQUITETÔNICO PARA O RIO DE JANEIRO



Surfando a onda da revitalização da Zona Portuária, o Casa Cor deste ano realiza-se no recém-inaugurado AQWA Corporate, arranha-céu espelhado e inclinado, empreendimento da Tishman Speyer, primeiro edifício brasileiro assinado por Norman Foster, vencedor de um prêmio Pritzker, o Nobel da arquitetura, como você pode ler em matéria de O Globo. Em sintonia com o espírito do edifício, os arquitetos expõem ambientes funcionais, clean, executivos, em sua maioria. A vista do edifício também é espetacular: Baía da Guanabara, Morro da Providência, Pão de Açúcar, Corcovado. Segundo a matéria de O Globo, “o empreendimento ‘verde’ tem certificação LEED. A inclinação de 20o do prédio faz com que a luz solar não incida diretamente nas janelas, o que ameniza o calor e melhora a acústica. O ambiente panorâmico quase dispensa a luz artificial durante o dia. O prédio possui uma estação que coleta a água da chuva para irrigar jardins e ser utilizada em banheiros, além de outros recursos sustentáveis.” No alto um terraço (sky lobby para os íntimos) oferece vista de mirante. No térreo ficarão lojas e cafés. O Casa Cor, além de mostrar as novidades em termos de decoração e planejamento de ambientes, oferece uma oportunidade de conhecer esse arrojado edifício. Depois que os escritórios estiverem funcionando normalmente, só quem for visitar um deles poderá entrar no prédio. A hora é esta!!!

Panorama: Pão de Açúcar, Morro da Providência, Corcovado e Cidade do Samba à direita

Pão de Açúcar

Pão de Açúcar

Mosaico: Corcovado

Autorretrato

Porcelana

Luminárias

Vista para a Baía da Guanabara

Vista para a Baía da Guanabara

Cais do Porto. Fotos do editor do blog.

5.11.17

CHEGADA DA PRINCESA LEOPOLDINA NO RIO DE JANEIRO

Desembarque da Princesa Leopoldina, gravura de Debret. Observe que o pavilhão onde ela desembarcou da galeota (porque os navios ficavam ao largo e os passageiros e cargas eram trazidos ao cais por embarcações menores) fica onde hoje é a Orla Conde. Atrás vemos o mosteiro de São Bento e as torres de sua igreja.

Depois de ter se casado por procuração em Viena em 13 de maio de 1817 com o príncipe D. Pedro, a Princesa Leopoldina (Maria Leopoldine Josepha Caroline, em português Maria Leopoldina Josefa Carolina, da casa de Habsburgo-Lorena) chegou ao Rio de Janeiro em 5 de novembro daquele mesmo ano, exatamente dois séculos atrás. O Padre Perereca, em suas Memórias, assim descreve o fato:

Eram quase duas horas da tarde quando Suas Majestades, e Altezas chegaram ao elegante Pavilhão do Arsenal Real; e ao desembarcar da galeota a Sereníssima Senhora Princesa Real D. Maria Leopoldina Josefa Carolina [sic] pela mão do seu Augusto Esposo, o Sereníssimo Senhor Príncipe Real D. Pedro de Alcântara, deram as fortalezas, e embarcações de guerra uma salva real, todas ao mesmo tempo; e o ar retumbou com os altos brados de repetidos vivas, que deram os numerosíssimos espectadores, que do mar, e da terra presenciavam o desembarque de tão egrégia Princesa: e os sinos de S. Bento, seguidos dos demais sinos das igrejas todas desta cidade, com alegres, e harmoniosos repiques anunciavam ser aquele o feliz momento, em que a augusta filha do César austríaco pisava o solo do Brasil, e ia entrar como em triunfo na mais afortunada cidade do Novo Mundo, por tantos motivos já tão ditosa, e agora ainda mais pela posse de tão preciosa, e inestimável joia, que com os seus brilhantes reflexos vinha realçar a beleza dos luzentes diamantes, que ornam a Real Coroa Portuguesa.

Leopoldina, Arquiduquesa d'Áustria, Princesa Real do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves em gravura de Jean François Badoureau

Noticiou a Gazeta do Rio de Janeiro do sábado, 8 de novembro de 1817:


Primeira página da Gazeta do Rio de Janeiro de 8/11/1817

Quarta-feira 5 do corrente pela manhã recebendo-se a mui grata notícia de se avistarem as naus e fragata, que compunham a esquadra, que conduzia Sua Alteza Real a Sereníssima Senhora Princesa Real do Reino Unido de Portugal, do Brasil e dos Algarves, encheram-se logo de alvoroço os ânimos de todos os portugueses, e os montes sobranceiros a essa cidade começaram desde logo a cobrir-se de imenso povo, que com os olhos pregados no horizonte, aguardava impaciente a chegada da afortunada nau, que trazia o complemento dos mais ardentes desejos. [...]  É impossível descrever o alvoroço, com que o povo corria pelas ruas como transportado, e o imenso concurso [=afluência], que juncava o Arsenal Real da Marinha. Com efeito era ele digno de toda a atenção, e foram precisas longas páginas para referir a elegância, que ostentava.

Leopoldina a cavalo, fotografia de autor e data desconhecidos. Todas as imagens desta postagem foram obtidas na Biblioteca Nacional Digital.

Os textos a seguir foram extraídos dos "textos de parede" da exposição Leopoldina, princesa da Independência, das artes e das ciências exibida pelo Museu de Arte do Rio de 12/07/2016 a 26/03/2017.  Para ter acesso aos textos completos clique aqui.

O casamento

O marquês de Marialva, emissário da corte de dom João VI para tratar do casamento, apresentou à princesa a imagem de um Brasil paradisíaco, que Leopoldina descreveu para a irmã Luísa, em 4 de outubro de 1816, como

país magnífico e ameno, terra abençoada que tem habitantes honestos e bondosos; além disso louva-se toda família, têm muito bom senso e nobres qualidades... mas esteja convicta que o meu maior empenho será corresponder à confiança que toda família e meu futuro esposo em mim depositam através de meu amor por ele e do meu comportamento

O casamento foi realizado por procuração em Viena, no dia 13 de maio de 1817, data de aniversário de dom João VI. O noivo, que não estava presente, foi representado em cerimônia pelo arquiduque Carlos, tio paterno de Leopoldina. No Rio de Janeiro, também foi festejada a notícia do ajustado enlace. Mas dom Pedro I e a arquiduquesa da Áustria só se viram pela primeira vez cinco meses depois – a bordo do barco que a trouxera. Dona Leopoldina desembarcou no Rio de Janeiro em 5 de novembro. No dia seguinte, as definitivas cerimônias de matrimônio se pronunciavam na Capela Real [atual Igreja de N.S. do Carmo da Antiga Sé, na Praça XV] e enchiam de vida eventos por toda a cidade.

Simplício de Sá, Pedro I e a Imperatriz Leopoldina, óleo sobre tela, Fundação Romão Duarte

A viagem

A viagem de Leopoldina ao Brasil foi difícil e demorada. A arquiduquesa partiu de Viena em direção a Florença em 2 de junho de 1817, onde esperava definições da corte portuguesa para prosseguir com a travessia que a levaria ao marido, dom Pedro. Ainda era recente o restabelecimento da ordem monárquica, destituída em Recife por revoltosos de ideias liberais no episódio conhecido como Insurreição Pernambucana.

Dona Leopoldina embarcou em Livorno, na Itália, na esquadra portuguesa composta das naus D. João VI e São Sebastião. Era a primeira vez que via o mar. Com uma bagagem de princesa e numerosa comitiva, enfrentou 86 dias de travessia nas águas do Atlântico. Quarenta caixas da altura de um homem contendo o enxoval, livros, suas coleções e presentes para a futura família somavam-se a algumas damas da corte, uma camareira-mor, um mordomo-mor, seis damas, quatro pajens, seis nobres húngaros, seis guardas austríacos, seis camaristas, um esmoler-mor, um capelão, um secretário particular, um médico, um mineralogista e seu professor de pintura.

Partiu definitivamente rumo ao Brasil em 15 de agosto. As diferenças de hábitos e costumes, notadas já no período em que esteve embarcada, prenunciavam as dificuldades que teria de enfrentar no Rio de Janeiro. A primeira vez que pisou em território português, contudo, não foi em terra Brasilis, mas na Ilha de Madeira, em 11 de setembro de 1817.


Hippolyte Taunay, Desembarque de S. A. a Princesa Real do Reino Unido, Portugal, Brasil e Algarves na cidade do Rio de Janeiro no Arsenal Real da Marinha

1.11.17

A PROCISSÃO DOS OSSOS, de VIEIRA FAZENDA

TEXTO EXTRAÍDO DA OBRA ANTIQUALHAS E MEMÓRIAS DO RIO DE JANEIRO DE VIEIRA FAZENDA (VOLUME 1)

Procissão dos Encapuzados, desenho de Manuel de Araújo Porto-Alegre (fonte: Biblioteca Nacional Digital)

Começavam, de véspera, os preparativos para a anual comemoração dos mortos, ordenada pela Igreja Católica.

No dia 1 de novembro, depois do meio-dia, dobravam lugubremente a finados todos os templos e capelas desta cidade. E era tal o efeito aterrador desse triste badalar de sinos, que em 1850, por ocasião da primeira epidemia de febre amarela, a polícia o proibiu. Ao entardecer abriam-se de par em par as portas da velha igreja da Misericórdia para, terminadas às Vésperas, deixar passar longo, imponente e significativo cortejo: era a Irmandade, que revestida de seus amplos e negros balandraus [=veste com capuz e mangas largas], ia, em nome de Cristo e da Caridade, disputar à voragem dos urubus e dos cães os restos mortais dos justiçados pela implacável e muitas vezes falível justiça dos homens. 

Resumindo as singelas expressões do Capítulo XXXVII do Compromisso Do modo com que se hão de ir buscar as ossadas dos que padeceram por justiça, tentaremos descrever a chamada procissão dos ossos [o autor refere-se a um capítulo do Compromisso da Irmandade da Misericórdia no qual se baseia para sua descrição da macabra procissão].

Abria o préstito o irmão oficial da vara com um homem do azul (empregado subalterno) tangendo a campainha.

Em seguida ia a Bandeira da Misericórdia conduzida por um irmão nobre entre dois tocheiros [=castiçal para tocha] levados por um irmão nobre e outro oficial. Após desfilava a Irmandade posta em procissão sem distinção alguma, nem precedência de lugar; e pelo meio ia o mordomo da vara, nobre, governando entre a irmandade, e em lugar conveniente ia a primeira tumba carregada pelos homens ordinários com quatro tocheiros às ilhargas [=ao lado], levados pelos homens que com eles andam nos enterramentos.

Diante dessa tumba caminhava o mordomo dos presos, oficial, levando a competente vara. Seguia-se a segunda tumba conduzida da mesma maneira que a outra, indo diante o mordomo nobre dos presos com a sua vara. No couce [=retaguarda] da procissão caminhavam os capelães da casa com suas sobrepelizes, e no remate deles o crucifixo, levado pelo escrivão da mesa acompanhado por 8 tocheiros. Atrás do crucifixo ia o provedor.

Chegado o préstito à forca, eram recolhidos os ossos nas tumbas, e a procissão voltava na mesma ordem, passando, porém, o provedor para diante do crucifixo, e indo após os capelães encomendando os defuntos, e em último lugar as duas tumbas com os dois mordomos dos presos.

Dentro da igreja eram as tumbas depositadas e, sentados os irmãos, havia pregação, sendo no dia seguinte enterrados os ossos no cemitério da Misericórdia, junto ao Morro do Castelo, na parte posterior do hoje Hospital Velho. Quando o dia de Todos os Santos caía em sábado, a procissão era feita no domingo.

Qual é a origem desta cerimônia religiosa, que de Portugal passou ao Brasil?

Os antigos juízes distinguiam duas espécies de mortes a atroz e a cruel; na primeira, o condenado depois de enforcado era decapitado, e a cabeça ficava exposta no patíbulo; outras vezes era o cadáver esquartejado, podendo também ser queimado e aos ventos lançadas as cinzas! Na segunda, o réu antes de morrer era atormentado, atenazado; podiam ser seus membros quebrados com massas de ferro, etc.

Da primeira temos exemplo com Tiradentes, da segunda com os Távoras! [ver "Processo dos Távoras" na Wikipedia]

Sempre, porém, nos intrigaram as duas fórmulas das sentenças de pena última: morte natural PARA SEMPRE e morte natural.

Deu-nos a chave do enigma uma nota das Ordenações Filipinas comentadas pelo erudito Cândido Mendes, que para explicar tais expressões encontrou fundamento em uma memória do bacharel João José Miguel Ferreira da Silva Amaral. Por aí podemos ter a significação da Procissão dos Ossos.

Os corpos dos condenados à morte natural para sempre ficavam suspensos da forca, e no dia 1 de novembro iam processionalmente os irmãos da Misericórdia buscá-los para os enterrar em lugar sagrado.

Eram passíveis dessa pena os grandes criminosos, contra os quais havia circunstâncias agravantes; os condenados ficaram expostos para exemplo e escarmento [=punição]. Disso nos dá prova o seguinte alvará de d. Manuel em data de 2 de novembro de 1498:

“Nós El-Rei fazemos saber a quantos este Nosso Alvará virem que a Nós praz havendo assim por serviço de Deus e Nosso que a Confraria que agora é feita em esta Cidade, possa tirar os justiçados da forca desta Cidade e ossadas deles, por dia de Todos os Santos de cada um ano e soterrá-los no Cemitério da dita Confraria, isto para sempre em cada ano etc.”

Os que deviam sofrer somente morte natural não tinham por patíbulo a forca de Santa Bárbara, mas o Pelourinho da Ribeira, e os restos deles podiam ser inumados no mesmo dia. Para esse mister, a Misericórdia de Lisboa havia requerido a construção de uma forca levadiça; mas o rei, por outro alvará de 2 de novembro de 1498, declarou: “que se não faça a dita forca levadiça, e os que assim houverem de padecer serão enforcados no Pelourinho.”

Pensamos fossem feitas, até certo ponto, no Brasil, as execuções da pena de morte por esses dois modos, e que entre nós houvesse anualmente a procissão dos ossos. Caiu ela em desuso, quando, com o progresso dos tempos, foram a pouco e pouco sendo abolidos os rigores e crueldades da antiga legislação, principalmente com o decreto do príncipe regente d. João, firmado em 12 de dezembro de 1801.

Já dissera o grande Alexandre de Gusmão: as leis são feitas mais para intimidar do que para punir. E em tempos anteriores um governador-geral pedia ao rei certa benevolência para os criminosos do Brasil: “esta terra não se deve, nem pode regular pelas leis e estilos do Reino; se Vossa Alteza não for muito fácil em perdoar, não terá gente no Brasil.”

Era assim que em santa e gloriosa missão a Misericórdia, fazendo a solene procissão dos ossos, dava prova eloquente de piedade cristã e procurava obrigar aos demais fiéis a se lembrarem dos defuntos – ainda que sejam tão desamparados como estes (os justiçados) parecem.

Não vem longe o dia de finados, e é justo lembrar mais essa feição simpática do sublime instituto, que, tênue arbusto no começo desta cidade, se tornou copada árvore, à cuja sombra, durante três séculos, se tem abrigado milhares e milhares de filhos do desamparo e do infortúnio.

Recordar tais antiqualhas é concorrer com pequeno contingente para a história econômica dos nossos usos e costumes, a qual está ainda por fazer.


15 de outubro de 1901.