— Vai dar merda!
Foi a única coisa que falou durante toda a reunião. Falou, não. Murmurou.
Como estava do lado, apenas eu ouvi. Fingi que nada tinha acontecido, qualquer reação minha poderia chamar a atenção para ele.
E toma falação. Nova estrutura da empresa, contratações de peso e demissões de toda maneira - justas e injustas.
Os que já estavam na companhia há algum tempo sentiram-se preteridos e desprestigiados. Mas ela continuou, ainda tinha muito a informar.
A estabilidade funcional na área de vendas seria determinada pela produtividade mês-a-mês. Metas atingidas, garantia de emprego.
Como teste de compreensão e agressividade de marketing, estabeleceu que cada um dos 18 vendedores, que a empresa chamava de "operadores de mercado" -- também gostavam de presepadas -- teria de vender dois automóveis por dia, nesta primeira semana. Que dessem o seu jeito. Que apelassem pra família. Que recorressem a amigos. Que procurassem por antigos clientes.
Fodam-se! Agora é política de resultados. Temos compromisso sério com a empresa!
Muito prazer em conhecê-los, bom-dia para todos e mãos à obra.
Naquele dia sobrou café na copa. Ninguém deu a costumeira passadinha antes de ir à luta.
Juvenal pegou seu cansado automóvel e, sem marcar visita, resolveu arriscar aquele velho e fiel cliente no outro lado da cidade. Nutria a esperança de, por ali, começar a escalada para a garantia de seu emprego.
Enquanto dirigia, ensaiava o discurso de venda. Procurava uma maneira de mesclar abordagem comercial com entremeios de amenidades, para que o papo ficasse menos pesado.
Tinha que dar o máximo de si. Oportunidade única de mostrar à nova chefe que ele era um dos melhores.
O sinal fechado aumentava-lhe o tempo de reflexão.
Porra, outro ambulante. Agora tem de tudo nos sinais.
Olhou com desinteresse, preparado para a negativa automática.
Que surpresa!
O cromado do revólver foi suficiente para que entendesse tudo.
Levantou a cabeça devagar e pediu calma ao meliante.
— Calma é o caralho! Abre logo esta porra e pula pra lá. Perdeu, meu camarada.
Explicou que aquele era o seu único bem. Mais ainda: seu instrumento de trabalho. Seu sustento.
— Porra, maluco. Tô ficando bolado.
Dois tiros e nada mais.
Sentiu que o mundo se afastava.
Onde estão minhas mãos? Cadê minhas pernas? Por que este silêncio?
E, num último momento de regozijo, achando que esboçava um sorriso, pensou: "Que bom! Estou liberado da meta desta semana."
Alberto Carraz é professor de língua portuguesa. Teve oportunidade de, por alguns anos, viver fora do Brasil. Por isso, dá muito valor a tudo que o país oferece. Com ressalvas, é claro.