Crônica de Antônio Maria
Estatueta de Zé Andrade exposta na Modern Sound
Bar Garota de Ipanema (esquina das ruas Vinicius de Moraes e Prudente de Morais), onde Tom Jobim e Vinícius de Moraes se inspiraram para compor a música Garota de Ipanema
Cá está o poeta Vinicius de Moraes. Bebe, silenciosamente, um copo de cerveja, enquanto desenha.
— Vai falando, Poesia — digo-lhe, de vista baixa...
— Eu não — responde ele, de vista mais baixa ainda.
Vou desenhando e pensando. O que haverá com Poesia? Alguém judiou dele. Para ele estar assim...
Terá sido mulher? Sempre que o vi, estava feliz. Opulento, até. Na face, o seu saudável “rosa-colonial”. Hoje, até pálido ele está. Poucos sabem a extensão da maldade, quando se faz sofrer aos poetas. Aos poetas, não se pode negar nada. Tirar, muito menos. Principalmente a este, que é um franciscano. Vocês não sabiam? Vinicius de Moraes é franciscano, apenas está dispensado de usar o hábito porque todos o dispensam de fazer sacrifícios. O Itamarati, por exemplo, o dispensou de ir lá. Quando o ministro Hermes Lima precisa de alguma orientação, manda Lolô Bernardes telefonar e Vinicius instrui, pelo telefone. Na Casa de Rio Branco não se faz nada sem ouvir Vinicius de Moraes. Daí a mágoa de Pomona Politis, que se considera uma continuação e, às vezes, o próprio Barão do Rio Branco.
Mas, o que há com Poesia para estar ali sentado, sem um som, sequer o da respiração? Esse poeta arfava muito. Antigamente, a dois metros dele, era possível ouvir-se-lhe a arfância. E nunca foi de sentar muito tempo, a não ser se tivesse alguém no colo. No mínimo, uma criança. Também, não se pode dizer que tenha sido um poeta vertical; isto é, em pé. Na horizontal, com simples acenos, abalou montanhas, causou muita febre terçã, afundou navios e derrubou aeronaves. O Zepelin, não o bar, mas o Graf Zepelin pegou fogo por quê?
E hoje, cá está o poeta, de vista baixa, bebendo sua cervejinha, calado, de repente, como ele mesmo vaticinou, “não mais que de repente”. Poesia, que é da moça, que dizia à lua: “Minha carne é cor-de-rosa; não é verde como a tua.” Que é da mulher, que passou, com sete esperanças na boca fresca. Que é da outra, cujos cabelos rescendiam à flor da murta. E tu disseste, Poesia, gloriando a todas elas: “Tende piedade, Senhor, de todas as mulheres!”
Não queria ver o poeta assim, em minha casa. A cabeça pendida, o peito silencioso, a mão trêmula, erguendo o copo de cerveja... cerveja que sabe às amargas ingratidões. Quero-o, como antes, contando o abalo que causou em Ava Gardner, em Rosana Schiafino, na Soraya, na própria Edith Piaf, quando essas senhoras o viram pela primeira vez. Ava Gardner, coitada, ainda era virgem e ficou de tal maneira perturbada que se casou com Mickey Rooney.
Uma vez, no Louvre, diante da Gioconda, eu lhe disse, muito a sério:
— Vamos sair daqui, Poesia, que essa mulher vai se descontrair e cair na gargalhada.
— Vai falando, Poesia — digo-lhe, de vista baixa...
— Eu não — responde ele, de vista mais baixa ainda.
Vou desenhando e pensando. O que haverá com Poesia? Alguém judiou dele. Para ele estar assim...
Terá sido mulher? Sempre que o vi, estava feliz. Opulento, até. Na face, o seu saudável “rosa-colonial”. Hoje, até pálido ele está. Poucos sabem a extensão da maldade, quando se faz sofrer aos poetas. Aos poetas, não se pode negar nada. Tirar, muito menos. Principalmente a este, que é um franciscano. Vocês não sabiam? Vinicius de Moraes é franciscano, apenas está dispensado de usar o hábito porque todos o dispensam de fazer sacrifícios. O Itamarati, por exemplo, o dispensou de ir lá. Quando o ministro Hermes Lima precisa de alguma orientação, manda Lolô Bernardes telefonar e Vinicius instrui, pelo telefone. Na Casa de Rio Branco não se faz nada sem ouvir Vinicius de Moraes. Daí a mágoa de Pomona Politis, que se considera uma continuação e, às vezes, o próprio Barão do Rio Branco.
Mas, o que há com Poesia para estar ali sentado, sem um som, sequer o da respiração? Esse poeta arfava muito. Antigamente, a dois metros dele, era possível ouvir-se-lhe a arfância. E nunca foi de sentar muito tempo, a não ser se tivesse alguém no colo. No mínimo, uma criança. Também, não se pode dizer que tenha sido um poeta vertical; isto é, em pé. Na horizontal, com simples acenos, abalou montanhas, causou muita febre terçã, afundou navios e derrubou aeronaves. O Zepelin, não o bar, mas o Graf Zepelin pegou fogo por quê?
E hoje, cá está o poeta, de vista baixa, bebendo sua cervejinha, calado, de repente, como ele mesmo vaticinou, “não mais que de repente”. Poesia, que é da moça, que dizia à lua: “Minha carne é cor-de-rosa; não é verde como a tua.” Que é da mulher, que passou, com sete esperanças na boca fresca. Que é da outra, cujos cabelos rescendiam à flor da murta. E tu disseste, Poesia, gloriando a todas elas: “Tende piedade, Senhor, de todas as mulheres!”
Não queria ver o poeta assim, em minha casa. A cabeça pendida, o peito silencioso, a mão trêmula, erguendo o copo de cerveja... cerveja que sabe às amargas ingratidões. Quero-o, como antes, contando o abalo que causou em Ava Gardner, em Rosana Schiafino, na Soraya, na própria Edith Piaf, quando essas senhoras o viram pela primeira vez. Ava Gardner, coitada, ainda era virgem e ficou de tal maneira perturbada que se casou com Mickey Rooney.
Uma vez, no Louvre, diante da Gioconda, eu lhe disse, muito a sério:
— Vamos sair daqui, Poesia, que essa mulher vai se descontrair e cair na gargalhada.
Bar Vinicius, em frente ao Garota de Ipanema
Toca do Vinicius, na rua Vinicius de Moraes
Crônica extraída da antologia Seja feliz e faça os outros felizes organizada por Joaquim Ferreira dos Santos e publicada pela Civilização Brasileira. Clique no marcador "Vinicius de Moraes" abaixo para ver outras aparições de Vinicius no blog.