ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

18.2.08

HOMENAGEM À LAPA




UM POUQUINHO DA HISTÓRIA DA LAPA

É a mais antiga e a mais tradicional área de boemia da cidade. Tornou-se famosa, no início do século XX, por sua atmosfera de transgressão aos costumes e por seus "malandros", uma mistura curiosa de marginalidade, pobreza e samba.

Permaneceu isolada e despovoada até o século XVIII, principalmente porque abrigava a Lagoa do Boqueirão, local do atual Passeio Público, que a tornava a região mais insalubre da cidade. Mesmo assim, escassamente povoada, era o principal acesso para a Zona Sul do Rio de Janeiro, caminho para o Engenho D’El Rei, às margens da Lagoa Rodrigo de Freitas e, também, mais tarde, para a Igreja de Nossa Senhora da Glória do Outeiro. Esse caminho passava pelas margens da Lagoa do Boqueirão e pela Praia das Areias de Espanha, um pequeno areal entre a lagoa e os morros do Desterro, atual Santa Teresa, e das Mangueiras, arrasado. Foi a origem das Ruas do Passeio, da Lapa e Visconde de Maranguape. A região permitia também o acesso à região dos atuais bairros do Catumbi, Rio Comprido, São Cristóvão e Engenho Velho, na Zona Norte, através da atual Rua do Riachuelo, então Mata Cavalos, por ser um grande lameiro, conseqüência das enxurradas que desciam dos morros.

O aterro da Lagoa do Boqueirão, no século XVIII, determinou o início da ocupação mais intensa da área. Como parte deste processo, Gomes Freire de Andrade promoveu a construção dos Arcos da Lapa, imponente construção em pedra e argamassa, em estilo romano, a obra mais monumental do Rio de Janeiro durante a época colonial.

Em 1751, junto à Praia das Areais de Espanha, foi construída a Igreja de Nossa Senhora da Lapa do Desterro (foto acima) e, a seu lado, um seminário. As construções ficavam de costas para o mar e o largo em frente recebeu denominações diferentes, em função das instituições. [...] Mais tarde, passou a ser o Largo da Lapa, por causa da igreja.

Extraído do Guia Michelin do Rio de Janeiro (primeira edição)





O carioca às vezes se cansa do abandono a que é relegado pelo poder público e sai de seus cuidados para reinventar a si próprio ou à cidade. Foi assim que, de dez anos para cá, sem um centavo oficial, ele salvou a Lapa da morte a que ela fora condenada pelo desprezo de várias gerações de administradores e transformou-a no que é hoje: o bairro mais vivo e vibrante do Rio.

Às 10 da noite, às 2 da madrugada ou, pelo que escuto dizer, às 6 da matina, o movimento é igual: a avenida Mem de Sá e as ruas do Lavradio e do Riachuelo duras de gente, com tudo funcionando - bares, restaurantes, gafieiras, casas de shows, templos de sinuca. Seu público tem gente de todas as origens, classes sociais, cores e sexos. É de novo a Copacabana dos anos 50, exceto que com chope, jeans e shortinhos em vez de uísque, gravata e decotes, samba no lugar do fox e Teresa Cristina no de Dolores Duran.

Trecho da crônica "A Última do Carioca", de Ruy Castro




TRECHOS DA HISTÓRICA ENTREVISTA DE
MADAME SATÃ AO PASQUIM No. 95 em maio de 1971

O painel acima, na rua lateral à Sala Cecília Meireles, mostra, da esquerda para a direita, João do Rio, Rosinha, Villa Lobos, Noel Rosa, Manuel Bandeira, Madame Satã (no alto), Portinari, Di Cavalcanti.

Sérgio Cabral — Eu sempre ouvi falar, desde garotinho, quando eu ia passear na Lapa e falavam comigo: cuidado que o Madame Satã vai te pegar.

SATÃ — Conversa fiada, eu não era tão tarado assim.

Millôr — A Lapa foi durante muito tempo um centro de boemia. Você conheceu gente famosa, além dos marginais?

SATÃ — Fui amicíssimo do Chico Alves, fiz muitas serenatas com ele, Noel Rosa, Orlando Silva, Vicente Celestino.

Chico Júnior — Quem é que te deu esse apelido de Madame Satã?

SATÃ — Esse apelido de Madame Satã ganhei em 1938, no Bloco Caçador de Veados (...).

Sérgio — Mas você era caçado ou caçador?

SATÃ — Eu era caçador.

Chico — Mas conta a história do apelido.

SATÃ — Bem, havia o baile de carnaval e o concurso. Então eu me exibi com a fantasia de Madame Satã no Teatro República e ganhei o primeiro lugar.

(...)

Fortuna— Qual é a sua concepção da Lapa de hoje?

SATÃ — Olha, enquanto eu for vivo a Lapa não morrerá.




CANÇÃO DE CRIANÇA
Adriana Montenegro


Sete anjos me beijaram
esta noite, na Lapa.
Sete vezes sete bocas
sibilantes
tocaram minh’alma
em sete repartiram
o pão da minha fome.

Sete rostos descarnados
e um pão.
Sete e sete setecentos
tantas vezes sete vezes
(não sei que reza
ou multiplicação)
um tiro
o chão.

Sete anjos, sorrindo
me pediram um trocado
e partiram, dependurados
nos bondes de sua agonia
de última viagem.

Do livro Pássara (Editora Aeroplano, 2004)





TRÊS POEMAS DA LAPA
Alexei Bueno

LAPA


Nesta casa antiga,
Sob estas volutas,
Como ri com as putas
Entre uma e outra briga.

Como virei copos
E extingui charutos,
Discuti com brutos,
Vaiei misantropos.

Urinei nas pias,
Vomitei nas portas,
Com passadas tortas
Vi nascer os dias.

Velha, velha casa,
Como ainda és a mesma.
(Não tens dentro a lesma
Que nos funda e abrasa.)

          19-9-2004

LÁZARO


Cobrimos o mendigo que dormia
Com jornais, os jornais do extinto dia.

De fora só ficaram os sapatos
Cambaios, já roídos pelos ratos.

Acendemos então, junto, uma vela
E arengamos na luz branca e amarela.

Um círculo de povo já envolvia
Nosso pranto, e o pinguço nem tremia.

Volveu por fim do reino dos defuntos.
Debandada! E ele riu. Ríamos juntos.

          21-9-2004

TROTTOIR

Os homens vão e vêm na íris das putas
     E nenhum pára.
Nenhum ouve suas vozes dissolutas
     Nem as encara.

São inúteis as frases mais argutas
     Ou sobre a cara
A tinta, o pó. E a vida, quantas lutas,
     Como está cara!

Ao longe os filhos, os filhos das putas
Com ladrões, ou pinguços, ou recrutas,
     Na noite avara

Dormem cingindo palhaços birutas,
Bonecas louras relesmente hirsutas
     Que a lua aclara.

          12-11-2004






LAPA DE BANDEIRA
Vinicius de Moraes
                  A Manuel Bandeira


Existia, e ainda existe
Um certo beco na Lapa
Onde assistia, não assiste
Um poeta no fundo triste
No alto de um apartamento
Como no alto de uma escarpa.

Em dias de minha vida
Em que me levava o vento
Como uma nave ferida
No cimo da escarpa erguida
Eu via uma luz discreta
Acender serenamente.

Era a ilha da amizade
Era o espírito do poeta
A buscar pela cidade
Minha louca mocidade.
Como uma nave ferida
Perambulando patética.

E eu ia e ascensionava
A grande espiral erguida
Onde o poeta me aguardava
E onde tudo me guardava
Contra a angústia do vazio
Que embaixo me consumia.

Um simples apartamento
Num pobre beco sombrio
Na Lapa, junto ao convento…
Porém, no meu pensamento
Era o farol da poesia
Brilhando serenamente.

(do livro Roteiro lírico e sentimental da cidade do Rio de Janeiro, editado pela Companhia das Letras.)

Jorge Selarón (1947-2013)


Aqueduto da Carioca (Arcos da Lapa)

Construído em alvenaria, o aqueduto, que levou cerca de meio século para ser concluído, apresenta duas fileiras superposas de arcos plenos. Trata-se de construção monumental, mas de aspecto simples, e caráter eminentemente funcional, que conduzia as águas do rio Carioca aos tanques e chafarizes que abasteciam a cidade. Em 1896 foi convertido em via para os bondes de Santa Teresa, quando se acrescentou um parapeito de alvenaria com pequenos arcos ogivais. Na década de 1960, foi demolido o casario apoiado em longo trecho do aqueduto, recuperando dessa forma o destaque do monumento na paisagem da cidade. Na mesma época, fecharam-se os arcos ogivais com vistas ao resgate da imagem colonial do monumento.

Extraído do livro Guia da arquitetura colonial, neoclássica e romântica no Rio de Janeiro.





Fotos do editor do blog. Esta é uma ampliação de uma postagem de 2005, uma das primeiras deste blog.