Desde 2005, o melhor blog sobre o Rio de Janeiro, seus encantos, história, literatura, arquitetura e arte. A partir de 2019, mostrando também São Paulo, para onde o editor do blog se mudou.
ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)
VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
“São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)
30.12.10
20.12.10
GENTILEZA GERA GENTILEZA
Texto de Clotilde Tavares originalmente publicado no blog Umas & Outras. Fotos tiradas pelo editor do blog nas imediações da Rodoviária Novo Rio.
Seu verdadeiro nome era José Datrino, nascido em 1917. Antes de tornar-se “Profeta”, Datrino possuía uma empresa de transporte de cargas e residia, com sua família, no bairro de Guadalupe, Rio de Janeiro. Possuía muitos bens, uma casa, três terrenos, três caminhões, mas a partir de sua “revelação”, deixou tudo para a família e ganhou um nova identidade: o Profeta Gentileza que, aos poucos, tornou-se uma figura popular na cidade. Gentileza andava por vários bairros do Rio, Niterói e Baixada Fluminense e também andou pelo Brasil, pregando o amor pela natureza, a paz e… a gentileza. A partir dos anos 80, começou a inscrever mensagens nas pilastras do Viaduto do Caju, no Rio de Janeiro, formando um verdadeiro “livro” de concreto, que foi recentemente restaurado e está em processo de tombamento pela Prefeitura do Rio. O Profeta Gentileza morreu em 1996, aos 79 anos, mas o seu trabalho, pela mensagem que encerra, está sendo reconhecido por muitos setores da arte e da cultura, entre os quais a cantora Marisa Monte, que compôs e gravou uma música em sua homenagem.
Pois bem, caro leitor: o Profeta Gentileza andou por aqui [em Natal] no início da década de 1980. Lembro bem de tê-lo visto “pregando” na Praça João Maria e de ter ficado impressionada pela sua figura teatral, muito alta e muito magra, de barba e cabelos longos e grisalhos, com uma bata branca que ia até os pés e o estandarte colorido, ornamentado com flores, cataventos de papel e dísticos, que portava com distinção e firmeza. O profeta, quando andou por aqui, morava ou se hospedava no bairro de Nova Descoberta e vez por outra o via descendo a rua da Saudade, onde eu morava naquela época.
Um fato engraçado é que Ana Morena, minha filha mais nova, nessa época com uns 4 ou 5 anos de idade, estava sempre querendo fugir de casa para ir brincar na rua. Temerosa de que algo lhe acontecesse, tentei amedrontá-la: “Olhe que vem o Velho e lhe carrega, lhe bota dentro de um saco e leva para bem longe!” Incontinenti, ela respondeu: “Você mesmo disse que não existe nem Papão, nem Papa-Figo, nem Velho, que são coisas que os adultos inventam para assustar as crianças!” Fiquei assim meio sem saída, vendo confrontados meus modernos conceitos de “educação sem medo” com a necessidade de impor um limites à minha atrevida pirralha.
Nesse dilema, olho para o alto da rua e quem vejo? O Profeta Gentileza, que descia a rua da Saudade em direção à Salgado Filho. “Olhe, lá vem vindo o Velho!”, falei e apontei para ele, de estandarte e com o camisolão branco que o deixava ainda mais alto e magro. Quando Ana Morena viu aquela aparição disparou apavorada para dentro de casa e não saiu mais.
O belo e suave Profeta Gentileza, que nunca quis assustar ou fazer mal a ninguém, terminou, sem querer, encarnando o perigoso “Velho”, personagem amedrontador que deve ter povoado os pesadelos da minha filhinha durante muito tempo.
Mas isso é apenas uma pequena e engraçada história. O que fica, para nós todos, como legado desta figura sem paralelo no dia-a-dia das nossas cruéis e violentas cidades é a mensagem “Gentileza gera Gentileza”, herança amável e preciosa que precisa ser exercitada e multiplicada por todos nós.
7.12.10
HOMENAGEM A NOEL ROSA
Conversa de Botequim
Noel Rosa & Vadico, com Moreira da Silva
Seu garçom
Faça o favor de me trazer depressa
Uma boa média que não seja requentada
Um pão bem quente com manteiga à beça
Um guardanapo
Um copo d'água bem gelada
Feche a porta da direita com muito cuidado
Que não estou disposto a ficar exposto ao sol
Vá perguntar ao seu freguês do lado
Qual foi o resultado do futebol
Se você ficar limpando a mesa
Não me levanto nem pago a despesa
Vá pedir ao seu patrão
Uma caneta, um tinteiro, um envelope e um cartão
Não se esqueça de me dar palito
E um cigarro pra espantar mosquito
Vá dizer ao charuteiro
Que me empreste uma revista, um cinzeiro e um isqueiro
Telefone ao menos uma vez
Para 344333
E ordene ao Seu Osório
Que me mande um guarda-chuva aqui pro nosso escritório
Seu garçom me empreste algum dinheiro
Que eu deixei o meu com o bicheiro
Vá dizer ao seu gerente
Que pendure essa despesa no cabide ali em frente
Estátua de Noel Rosa no botequim com o garçom em Vila Isabel & calouros da UERJ.
Mas o grande parceiro de Noel foi Osvaldo Gogliano, o Vadico. Conheceram-se em 1932 no estúdio da Odeon, apresentados por Eduardo Souto. E logo frutificou o encontro do Poeta da Vila com o compositor paulista. Vadico tocou uma melodia que compusera e Noel escreveu Feitio de oração. [...] Várias frases desse samba tornaram-se quase uma definição da música popular brasileira: "Batuque é um privilégio / Ninguém aprende samba no colégio./ Sambar é chorar de alegria/ É sorrir de nostalgia / Dentro da melodia./ / O samba, na realidade, / Não vem do morro nem lá da cidade / E quem suportar uma paixão/ Sentirá que o samba, então, / Nasce do coração”.
A segunda música de Vadico e Noel foi uma segunda obra-prima: "Quem nasce lá na Vila / Nem sequer vacila/ Ao abraçar o samba,/ Que faz dançar os galhos do arvoredo / E faz a lua nascer mais cedo". Esse Feitiço da Vila, verdadeiro hino de Vila Isabel, acabou inserido no que se chamou "polêmica Noel x Wilson Batista".
A parceria com Vadico ainda produziu oito sambas, entre os melhores de Noel: Mais um samba popular, Pra que mentir, Conversa de botequim, Só pode ser você, Tarzan, o filho do alfaiate, Cem mil réis, Provei e Quantos beijos, todos demonstrando perfeito entrosamento entre letra e musica.
O fato de, em geral, ser impossível distinguir os sambas de parceria dos sambas unicamente de Noel mostra que o autor da letra influenciava o parceiro músico. Noel não era apenas um excelente letrista: era um compositor popular completo. (Texto extraído do encarte do disco Noel Rosa da Nova História da Música Popular Brasileira, Abril Cultural, 1976).
A segunda música de Vadico e Noel foi uma segunda obra-prima: "Quem nasce lá na Vila / Nem sequer vacila/ Ao abraçar o samba,/ Que faz dançar os galhos do arvoredo / E faz a lua nascer mais cedo". Esse Feitiço da Vila, verdadeiro hino de Vila Isabel, acabou inserido no que se chamou "polêmica Noel x Wilson Batista".
A parceria com Vadico ainda produziu oito sambas, entre os melhores de Noel: Mais um samba popular, Pra que mentir, Conversa de botequim, Só pode ser você, Tarzan, o filho do alfaiate, Cem mil réis, Provei e Quantos beijos, todos demonstrando perfeito entrosamento entre letra e musica.
O fato de, em geral, ser impossível distinguir os sambas de parceria dos sambas unicamente de Noel mostra que o autor da letra influenciava o parceiro músico. Noel não era apenas um excelente letrista: era um compositor popular completo. (Texto extraído do encarte do disco Noel Rosa da Nova História da Música Popular Brasileira, Abril Cultural, 1976).
O Brasil de Noel Rosa era o Rio de Janeiro, a capital da República, o centro da vida política e cultural do qual ele raramente se afastou [...]. “Ninguém cantou o Rio melhor que ele”, reconheceu o carioca Antônio Carlos Jobim. E é o Rio de Janeiro que Noel canta quase sempre. Vila Isabel, decerto, mas sobretudo a Penha, à qual dedicou mais sambas do que ao seu bairro [...]. O Estácio vem em seguida, assim como Salgueiro, Mangueira, Osvaldo Cruz, Matriz, Meier, Cascadura, Pavuna, Gamboa, Copacabana e, claro, Lapa, todos mencionados de alguma forma em suas letras. A paixão pelos subúrbios, em contraste com a resistência aos bairros mais chiques, é declarada num samba pouco lembrado, mas admirável (“Voltaste, demonstrando claramente/Que o subúrbio é ambiente/De completa liberdade....”). E a cidade como um todo é saudada na marcha-título do filme Cidade-mulher (“Cidade notável, inimitável,/Maior e mais bela que outra qualquer/Cidade sensível, irresistível/Cidade do amor, cidade mulher”). (João Máximo, Noel Rosa, coleção Raízes da Música Popular Brasileira da Folha de São Paulo, recém-lançada nas bancas e imperdível).
Grafite de Noel Rosa num bar do Engenho de Dentro.
5.12.10
TREM DO SAMBA 2010
Trem e música: componentes tradicionais das comunidades negras nas Américas. Confirmando essa tradição, no início do século XX, e fugindo da perseguição imposta pela elite às práticas simbólicas negras, Paulo da Portela e seus companheiros de escola reuniam-se no trem (que foi transformado em "sede social"), na volta do trabalho, cantando e tocando samba.
Bem mais tarde, em 1991, Marquinhos de Oswaldo Cruz (cantor e compositor portelense) vai também utilizar o trem como um espaço para reunião de sambistas. Também fugindo da repressão às vozes e ritmos negros, Marquinhos e um grupo de sambistas refazem no trem a rota da diáspora dos descendentes de escravos expulsos do centro da cidade. Buscavam mostrar a cidade, a música que era produzida no subúrbio e, em especial, no desconhecido bairro de Oswaldo Cruz. Esse movimento tem sua primeira vitória quando Marquinhos de Oswaldo Cruz e Juarez Barroso conseguem indicar a Velha Guarda da Portela para recebimento da Medalha Pedro Ernesto.
Toda essa luta foi acompanhada de descrédito de muitos moradores que consideravam essas questões menos importantes . Para muitos, Marquinhos era um indivíduo alienado, que só falava de samba. Não entendiam que uma comunidade se mantém através da sua memória e que a memória do bairro de Oswaldo Cruz sempre esteve ligada a música tradicional.
Um vagão de trem continuou a ser utilizado ainda em 1992. No entanto, foi em 1996 que o "Pagode do Trem" passou a comemorar o Dia Nacional do Samba. Assim, Marquinhos inventa uma forma original de celebrar o dia 2 de dezembro, relembrando a trajetória do povo negro que com a reforma Pereira Passos, foi expulso dos lugares nobres da cidade para os subúrbios e morros.
Acreditamos então, que em sua 15a edição, o Trem do Samba conseguirá atingir seus objetivos de difundir o samba que é produzido nos subúrbios cariocas (Texto extraído do folheto do Trem do Samba 2010).
Estação Oswaldo Cruz |
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Botequim |
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Se todo mundo sambasse seria mais fácil viver... |
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