Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN em 1938, o Passeio Público é o primeiro jardim público do Rio de Janeiro, mandado construir pelo vice-rei D. Luiz de Vasconcelos, em 1783. Projetado por Mestre Valentim, importante artista do período colonial brasileiro, o jardim apresentava ruas retas que se cruzavam ortogonalmente e outras formando diagonais, e ostentava elementos decorativos também criados pelo artista, que ainda hoje estão presentes. Entre eles, o tombamento federal destaca o Portão Principal, o Chafariz dos Jacarés (Fonte dos Amores) e os Obeliscos (Pirâmides).
Uma grande reforma foi executada no Passeio Público em 1861, pelo botânico e paisagista francês Auguste Glaziou. Nela foram conservados os elementos arquitetônicos e artísticos originais, mas foi alterado o partido do jardim, adotando-se aleias curvas e sinuosas, lagos e pontes, à feição do paisagismo romântico (informação de um letreiro existente no Passeio Público).
Portão de acesso em bronze com feição rococó |
Medalhão de D. Maria I, rainha de Portugal, mais tarde aqui no Brasil cognominada a Louca, e do rei consorte de Portugal, seu marido Pedro III |
... ide passear algumas horas no Passeio Público... |
Quando estiverdes de bom humor e numa excelente disposição de espírito, aproveitai uma dessas belas tardes de verão como tem feito nos últimos dias, e ide passear algumas horas no Passeio Público, onde ao menos gozareis a sombra das árvores e um ar puro e fresco, e estareis livres da poeira e do incômodo rodar dos ônibus e das carroças.
José de Alencar em crônica de 29 de outubro de 1854
Chafariz dos Jacarés |
Uma das obras primas do Mestre Valentim, a Fonte dos Amores foi projetada em 1783, quando a cidade do Rio de Janeiro era marcada pela sujeira e pela insalubridade. A falta de água potável foi amenizada a partir da construção, pelo vice-rei, de fontes e chafarizes por toda a cidade.
No projeto de Valentim, como se pode observar, a Fonte foi colocada em local de destaque dentro do jardim. Ao entrar no Passeio, o visitante avistava imediatamente a Fonte dos Amores.
A Fonte possui duas faces. Na que está voltada para o jardim, encontra-se o Chafariz dos Jacarés. As esculturas, fundidas em bronze na antiga Casa do Trem, despejam [na verdade, despejavam; a fonte atualmente está seca] pela boca a água que cai no tanque semicircular que rodeia a cascata. A outra face da Fonte dos Amores tem o Chafariz do Menino. Para observá-lo melhor é necessário subir até o terraço.
Mesmo com toda a transformação realizada por Glaziou, em 1861, foram mantidas do original do Mestre Valentim a Fonte dos Amores e as pirâmides.
Informação de um letreiro do Passeio Público.
Chafariz dos Jacarés (detalhe) |
Chafariz do Menino: "Sou útil inda brincando". |
Entrava então no Passeio Público, e tudo me parecia dizer a mesma coisa. — Por que não serás ministro, Cubas? — Cubas, por que não serás ministro de Estado? Ao ouvi-lo, uma deliciosa sensação me refrescava todo o sistema. Entrei, fui sentar-me num banco, a cavar comigo aquela ideia.
Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas
Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas
Duas pirâmides em granito de Mestre Valentim (1806) |
[Mestre] Valentim pertenceu à Irmandade de Nossa Senhora da Conceição, composta de homens pardos como ele, tendo a ela se filiado em 1766. Desde então, até 1813, produziu valioso acervo de obras que o tornaram notável entre os demais artistas do Rio de Janeiro colonial. Embelezou a cidade com dois importantes marcos: para o largo do Paço (atual praça Quinze), a mais importante praça da cidade, produziu o belíssimo chafariz; na área do aterro da antiga lagoa do Boqueirão projetou e realizou o primeiro jardim público da cidade, o atual Passeio Público, inaugurado em 1783. Aliás a obra do Passeio representou a primeira intervenção do poder público na cidade, que partia de um ponto de vista global e objetivava retirar o largo do Paço de sua posição de único marco espacial no gênero. Foi sem dúvida uma proposta ousada, que partiu do vice-rei d. Luis de Vasconcelos e Souza. Exigiu obra complexa e cara de aterramento da lagoa e desbastamento de parte do morro do Desterro (atual morro de Santa Teresa). O projeto não se resumia ao Parque, mas compreendia um todo integrado e inovador, ao qual a baía de Guanabara se incorporava ao mesmo tempo como paisagem descortinada por quem no Passeio estivesse plantado, ou como ponto de vista de quem chegava à cidade pelo mar. Em seu lado oposto e extremo, no vértice formado pela atual rua Evaristo da Veiga, ficava o chafariz das Marrecas, que fornecia água potável acessível ao consumo da população. Unindo o parque ao chafariz corria uma rua larga, reta, direcionadora do olhar daquela pessoa que se dirigia ao grande jardim, preparando-a ao deleite de um passeio pelas alamedas floridas que convergiam para o eixo principal e terminava no terraço descortinando a bela visão da baía de Guanabara. Nos extremos desse terraço erguiam-se dois pavilhões hexagonais em que se exibia a arte muralista de painéis com conchas e penas, obras de Francisco dos Santos Xavier (Xavier das Conchas) e de Francisco Xavier Cardoso Caldeira (Xavier dos Pássaros) muito apreciadas pela população da cidade. No interior do Parque não faltavam elementos de adorno, presentes em famosos passeios públicos de outras cidades da Europa, como fontes e estátuas. A rua que unia o Passeio Publico ao chafariz, atual Marrecas, principal via de acesso ao Parque, foi batizada com o poético nome de "Belas Noites", numa clara alusão ao espetáculo visual que oferecia aos transeuntes nas noites de luar. Foi a primeira rua aberta sem o objetivo utilitário de circulação e oferta de lotes para novas construções. Ao contrario, nasceu para desempenhar uma função estético-espacial e expressar, deliberadamente, o mais sofisticado nível do viver urbano com arte.
Com esse conjunto inovador, a cidade passou a oferecer a todos a oportunidade do deleite urbano, e possibilitou a seus usuários a chance de demonstrarem o grau de civilidade que possuíam, bem como os gestos e as maneiras de uma educação requintada. A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro poderia, a partir dessa grande intervenção, colocar-se ao lado da cidade de Lisboa e outras do Reino.
Nireu Cavalcanti, O Rio de Janeiro Setecentista, pp. 312-13
Da esquerda para a direita: Verão, outono, inverno, primavera, esculturas em ferro fundido de Mathurin Moreau (Fundições Val d'Osne) de 1860. |
Em cima, da esquerda para a direita: bustos de Raimundo Correia, Chiquinha Gonzaga, Alberto Nepomuceno, Pedro Américo; em baixo: Vítor Meireles, Castro Alves e Mestre Valentim. |
O espetáculo dessa natureza opulenta... |
FAZEI de conta que vos achais agora comigo no aprazível terraço do Passeio Público do Rio de Janeiro. O dia foi calmoso. Em compensação, porém, a tarde é bela e fresca. O sol derrama sobre a terra seus últimos raios. Anuncia-se a hora do crepúsculo. A viração festeja docemente as verdes folhas das árvores que sussurram com um leve ruído. Imaginai tudo isto. Embalar-vos-eis com uma ficção que já tem sido e será mil vezes uma verdade. Sentemo-nos nestes bancos de mármore e de azulejos. Voltemos as costas para o mar. O espetáculo dessa natureza opulenta, grandiosa, sublime, absorve-nos-ia em uma contemplação insaciável. Cerremos por algum tempo os olhos à majestade das obras de Deus. A hora do crepúsculo é suave, melancólica e propícia aos sonhos do futuro e às recordações do passado. Deixemos o futuro a Deus no Céu e aos poetas na Terra.
Fonte do Tritão, em bronze, réplica de 2004 da fonte original de Nicolina Vaz de Assis furtada em 1993 |
O Passeio Público é um parque aprazível, embora de reduzidas dimensões. Contudo, é atravessado por belas alamedas sombreadas de tamarindos, cajueiros, goiabeiras e mangueiras. Crescem nestas últimas parasitas floridas de vermelho e lilás. Cercas de bambu, caprichosamente trançadas, delimitam canteiros repletos de arbustos variados tais como: rosas-de-jericó, flores-de-cera, ervilhas-de-cheiro, pés de camélia, cardamomo, cana-índica e ainda de numerosas espécies de flores europeias, tudo bem tratado. Bancos de pedra convidam a sentarmo-nos defronte a um belo chafariz dágua cristalina e refrescante, tendo ao fundo um terraço murado de pedra no qual as ondas vêm bater e de onde se goza a brisa do mar e de uma vista encantadora sobre a baía. O parque andou muito tempo abandonado e só recentemente, graças aos esforços do grande botânico, frei Leandro, a quem sua direção foi entregue, como a do Jardim Botânico, está sendo recuperado e diariamente embelezado. É pena que lugar tão aprazível esteja na extremidade da cidade; daí ser tão pouco frequentado!
Ernst Ebel, O Rio de Janeiro e seus arredores em 1824