ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

27.8.19

PASSEIO PÚBLICO



Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional IPHAN em 1938, o Passeio Público é o primeiro jardim público do Rio de Janeiro, mandado construir pelo vice-rei D. Luiz de Vasconcelos, em 1783. Projetado por Mestre Valentim, importante artista do período colonial brasileiro, o jardim apresentava ruas retas que se cruzavam ortogonalmente e outras formando diagonais, e ostentava elementos decorativos também criados pelo artista, que ainda hoje estão presentes. Entre eles, o tombamento federal destaca o Portão Principal, o Chafariz dos Jacarés (Fonte dos Amores) e os Obeliscos (Pirâmides).

Uma grande reforma foi executada no Passeio Público em 1861, pelo botânico e paisagista francês Auguste Glaziou. Nela foram conservados os elementos arquitetônicos e artísticos originais, mas foi alterado o partido do jardim, adotando-se aleias curvas e sinuosas, lagos e pontes, à feição do paisagismo romântico (informação de um letreiro existente no Passeio Público).


Portão de acesso em bronze com feição rococó

Medalhão de D. Maria I, rainha de Portugal, mais tarde aqui no Brasil cognominada a Louca, e do rei consorte de Portugal, seu marido Pedro III

... ide passear algumas horas no Passeio Público...

Quando estiverdes de bom humor e numa excelente disposição de espírito, aproveitai uma dessas belas tardes de verão como tem feito nos últimos dias, e ide passear algumas horas no Passeio Público, onde ao menos gozareis a sombra das árvores e um ar puro e fresco, e estareis livres da poeira e do incômodo rodar dos ônibus e das carroças. 

José de Alencar em crônica de 29 de outubro de 1854

Chafariz dos Jacarés


Uma das obras primas do Mestre Valentim, a Fonte dos Amores foi projetada em 1783, quando a cidade do Rio de Janeiro era marcada pela sujeira e pela insalubridade. A falta de água potável foi amenizada a partir da construção, pelo vice-rei, de fontes e chafarizes por toda a cidade.

No projeto de Valentim, como se pode observar, a Fonte foi colocada em local de destaque dentro do jardim. Ao entrar no Passeio, o visitante avistava imediatamente a Fonte dos Amores.

A Fonte possui duas faces. Na que está voltada para o jardim, encontra-se o Chafariz dos Jacarés. As esculturas, fundidas em bronze na antiga Casa do Trem, despejam [na verdade, despejavam; a fonte atualmente está seca] pela boca a água que cai no tanque semicircular que rodeia a cascata. A outra face da Fonte dos Amores tem o Chafariz do Menino. Para observá-lo melhor é necessário subir até o terraço.

Mesmo com toda a transformação realizada por Glaziou, em 1861, foram mantidas do original do Mestre Valentim a Fonte dos Amores e as pirâmides. 

Informação de um letreiro do Passeio Público.

Chafariz dos Jacarés (detalhe)

Chafariz do Menino: "Sou útil inda brincando".

Entrava então no Passeio Público, e tudo me parecia dizer a mesma coisa. — Por que não serás ministro, Cubas? — Cubas, por que não serás ministro de Estado? Ao ouvi-lo, uma deliciosa sensação me refrescava todo o sistema. Entrei, fui sentar-me num banco, a cavar comigo aquela ideia. 

Machado de Assis, Memórias póstumas de Brás Cubas


Duas pirâmides em granito de Mestre Valentim (1806)

[Mestre] Valentim pertenceu à Irmandade de Nossa Senhora da Conceição, composta de homens pardos como ele, tendo a ela se filiado em 1766. Desde então, até 1813, produziu valioso acervo de obras que o tornaram notável entre os demais artistas do Rio de Janeiro colonial. Embelezou a cidade com dois importantes marcos: para o largo do Paço (atual praça Quinze), a mais importante praça da cidade, produziu o belíssimo chafariz; na área do aterro da antiga lagoa do Boqueirão projetou e realizou o primeiro jardim público da cidade, o atual Passeio Público, inaugurado em 1783. Aliás a obra do Passeio representou a primeira intervenção do poder público na cidade, que partia de um ponto de vista global e objetivava retirar o largo do Paço de sua posição de único marco espacial no gênero. Foi sem dúvida uma proposta ousada, que partiu do vice-rei d. Luis de Vasconcelos e Souza. Exigiu obra complexa e cara de aterramento da lagoa e desbastamento de parte do morro do Desterro (atual morro de Santa Teresa). O projeto não se resumia ao Parque, mas compreendia um todo integrado e inovador, ao qual a baía de Guanabara se incorporava ao mesmo tempo como paisagem descortinada por quem no Passeio estivesse plantado, ou como ponto de vista de quem chegava à cidade pelo mar. Em seu lado oposto e extremo, no vértice formado pela atual rua Evaristo da Veiga, ficava o chafariz das Marrecas, que fornecia água potável acessível ao consumo da população. Unindo o parque ao chafariz corria uma rua larga, reta, direcionadora do olhar daquela pessoa que se dirigia ao grande jardim, preparando-a ao deleite de um passeio pelas alamedas floridas que convergiam para o eixo principal e terminava no terraço descortinando a bela visão da baía de Guanabara. Nos extremos desse terraço erguiam-se dois pavilhões hexagonais em que se exibia a arte muralista de painéis com conchas e penas, obras de Francisco dos Santos Xavier (Xavier das Conchas) e de Francisco Xavier Cardoso Caldeira (Xavier dos Pássaros) muito apreciadas pela população da cidade. No interior do Parque não faltavam elementos de adorno, presentes em famosos passeios públicos de outras cidades da Europa, como fontes e estátuas. A rua que unia o Passeio Publico ao chafariz, atual Marrecas, principal via de acesso ao Parque, foi batizada com o poético nome de "Belas Noites", numa clara alusão ao espetáculo visual que oferecia aos transeuntes nas noites de luar. Foi a primeira rua aberta sem o objetivo utilitário de circulação e oferta de lotes para novas construções. Ao contrario, nasceu para desempenhar uma função estético-espacial e expressar, deliberadamente, o mais sofisticado nível do viver urbano com arte.

Com esse conjunto inovador, a cidade passou a oferecer a todos a oportunidade do deleite urbano, e possibilitou a seus usuários a chance de demonstrarem o grau de civilidade que possuíam, bem como os gestos e as maneiras de uma educação requintada. A cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro poderia, a partir dessa grande intervenção, colocar-se ao lado da cidade de Lisboa e outras do Reino.

Nireu Cavalcanti, O Rio de Janeiro Setecentista, pp. 312-13


Da esquerda para a direita: Verão, outono, inverno, primavera, esculturas em ferro fundido de Mathurin Moreau (Fundições Val d'Osne) de 1860.

Em cima, da esquerda para a direita: bustos de Raimundo Correia, Chiquinha Gonzaga, Alberto Nepomuceno, Pedro Américo; em baixo: Vítor Meireles, Castro Alves e Mestre Valentim.

O espetáculo dessa natureza opulenta...

FAZEI de conta que vos achais agora comigo no aprazível terraço do Passeio Público do Rio de Janeiro. O dia foi calmoso. Em compensação, porém, a tarde é bela e fresca. O sol derrama sobre a terra seus últimos raios. Anuncia-se a hora do crepúsculo. A viração festeja docemente as verdes folhas das árvores que sussurram com um leve ruído. Imaginai tudo isto. Embalar-vos-eis com uma ficção que já tem sido e será mil vezes uma verdade. Sentemo-nos nestes bancos de mármore e de azulejos. Voltemos as costas para o mar. O espetáculo dessa natureza opulenta, grandiosa, sublime, absorve-nos-ia em uma contemplação insaciável. Cerremos por algum tempo os olhos à majestade das obras de Deus. A hora do crepúsculo é suave, melancólica e propícia aos sonhos do futuro e às recordações do passado. Deixemos o futuro a Deus no Céu e aos poetas na Terra.

Joaquim Manuel de Macedo, Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro, “Passeio Público”


Fonte do Tritão, em bronze, réplica de 2004 da fonte original de Nicolina Vaz de Assis furtada em 1993

O Passeio Público é um parque aprazível, embora de reduzidas dimensões. Contudo, é atravessado por belas alamedas sombreadas de tamarindos, cajueiros, goiabeiras e mangueiras. Crescem nestas últimas parasitas floridas de vermelho e lilás. Cercas de bambu, caprichosamente trançadas, delimitam canteiros repletos de arbustos variados tais como: rosas-de-jericó, flores-de-cera, ervilhas-de-cheiro, pés de camélia, cardamomo, cana-índica e ainda de numerosas espécies de flores europeias, tudo bem tratado. Bancos de pedra convidam a sentarmo-nos defronte a um belo chafariz dágua cristalina e refrescante, tendo ao fundo um terraço murado de pedra no qual as ondas vêm bater e de onde se goza a brisa do mar e de uma vista encantadora sobre a baía. O parque andou muito tempo abandonado e só recentemente, graças aos esforços do grande botânico, frei Leandro, a quem sua direção foi entregue, como a do Jardim Botânico, está sendo recuperado e diariamente embelezado. É pena que lugar tão aprazível esteja na extremidade da cidade; daí ser tão pouco frequentado!

Ernst Ebel, O Rio de Janeiro e seus arredores em 1824


18.8.19

FUNDAÇÃO EMA KLABIN

TEXTOS OBTIDOS NO SITE DA FUNDAÇÃO EMA KLABIN. FOTOS DO EDITOR DO BLOG.


EMA GORDON KLABIN

Nascida no Rio de Janeiro em 1907, Ema Gordon Klabin era filha de Hessel Klabin e Fany Gordon Klabin, imigrantes lituanos vindos para o Brasil na última década do séc. XIX. Seu pai, naturalizado brasileiro em 1923, foi um empresário que se distinguiu no desenvolvimento da indústria do papel e da celulose no país.

Foi educada no Brasil e na Europa (Alemanha e Suíça), onde residiu durante a Primeira Guerra Mundial. Além da atividade empresarial, assumida em 1946, com a morte de seu pai, Ema dedicou-se a inúmeras atividades filantrópicas e assistenciais, dentre as quais se destaca o papel desempenhado na construção do Hospital Israelita Albert Einstein em São Paulo.

Apreciadora de música e de arte, Ema Klabin teve uma significativa atuação na vida cultural da cidade, com participação nos conselhos de instituições culturais, além de promover artistas, participar de leilões beneficentes em prol das entidades que apoiava e realizar concertos em sua própria casa com artistas de renome.

A partir do final dos anos 1940, passou a adquirir importantes obras de arte em galerias europeias e americanas, além de comprar diversas peças de outros colecionadores brasileiros e de diplomatas estrangeiros de passagem pelo Brasil. Além das obras de arte que ornamentavam a antiga residência paterna, Ema formou, no pós-guerra, um importante conjunto de telas de pintura européia, além de alguns itens de mobiliário europeu antigo.

Logo começou a acalentar o sonho de construir uma residência onde pudesse conviver com o belo acervo que ia se formando e onde pudesse receber seus familiares, amigos e artistas em ambiente refinado. A casa, feita sob medida para abrigar sua coleção, foi inaugurada no final de 1960.

Já no final de sua vida, e não tendo herdeiros diretos, Ema Klabin preocupou-se com o destino de sua coleção e, como sua irmã Eva fizera no Rio de Janeiro, criou a Fundação Ema Klabin para que sua casa se tornasse um museu aberto à visitação pública.

Casa vista do jardim projetado por Burle Marx

FUNDAÇÃO EMA KLABIN (Rua Portugal, 43 - Jardim Europa - São Paulo)

Oficialmente registrada em 1978, a Fundação Cultural Ema Gordon Klabin é uma instituição sem fins lucrativos, declarada de utilidade pública federal, que tem por objetivos a promoção e divulgação de atividades de caráter cultural, artístico e científico, além da transformação da residência de Ema Gordon Klabin em museu aberto à visitação pública.

Os trabalhos de catalogação do acervo foram iniciados em 1997, três anos após o falecimento de Ema Klabin, e possibilitaram uma compreensão profunda das peças e sua história. Para divulgar o seu acervo, além da visitação pública, a Fundação Cultural Ema Gordon Klabin tem cedido obras para inúmeras exposições no Brasil e na Europa.

O imóvel sede da Fundação localiza-se à rua Portugal em São Paulo. O terreno, de quase 4.000 metros quadrados, faz parte do Jardim Europa, loteamento de alto padrão projetado pelo engenheiro-arquiteto Hipólito Pujol Jr. no final da década de 1920, nos mesmos moldes das cidades-jardim britânicas do contíguo Jardim América, projeto do urbanista inglês Barry Parker. Em sua proximidade estão outras duas instituições culturais: O MUBE – Museu Brasileiro da Escultura e o MIS, Museu da Imagem e do Som.

A construção, com cerca de 900 metros quadrados, foi cuidadosamente projetada e construída pelo engenheiro-arquiteto Alfredo Ernesto Becker, em meados dos anos 50, para abrigar a coleção reunida por Ema Klabin. A casa não possui um estilo definido, como era comum nas outras residências da época, unindo elementos clássicos, como os arcos plenos nas portas e janelas externas, com elementos modernos, notadamente nos materiais de acabamento utilizados. A decoração ficou a cargo de Terri Della Stuffa, também responsável pela distribuição e adaptação das peças pelos ambientes da casa.

Cama veneziana do séc. XVIII no quarto principal

Obras do modernismo brasileiro no quarto principal

Quarto de hóspedes com cama em estilo rococó português

Suntuoso banheiro revestido em placas de virtrolite, inspirado nos cenários hollywoodianos dos anos 1940. No espelho o editor do blog tirando a fotografia.

Tríade (Buda e atendentes) japenesa do período Kamakura (séc. XII)

Alessandro Allori, Retrato de Dama Florentina, séc XVI

O PROJETO FINAL (texto extraído do catálogo da exposição A CASA DA RUA PORTUGAL realizada de 23/8 a 30/11 de 2014)





Alfredo Ernesto Becker (1894-1963) nasceu em Porto Alegre e foi criado na Alemanha, onde realizou seus primeiros estudos. Após se formar pela Escola Politécnica de Zurique, em 1922, retornou ao Brasil e, depois de um breve período no Rio de Janeiro, estabeleceu seu escritório em São Paulo, em 1924. Por quase toda sua carreira, dedicou-se ao projeto e à construção de dezenas de residências de luxo nos novos bairros do Jardim América, Jardim Europa e Pacaembu.

Como era membro do corpo editorial da revista Acrópole, teve muitos projetos publicados, o que nos permite perceber que realizava seus projetos de forma pragmática, atendendo aos desejos de sua clientela e seguindo os estilos então na moda. Cuidava também da construção das casas e era conhecido pelo cuidado no detalhamento e na execução de seus projetos, que acompanhava de perto até à finalização.

Em 1937, durante viagem à Europa, encantou-se com o clássico modernizado que viu na Exposição de Artes e Técnicas da Vida Moderna, em Paris, bem como no estádio de Nuremberg, na Alemanha, e passou a adotar o estilo, que considerava “um ponto de partida para a sedimentação definitiva da arquitetura contemporânea”, em grandes casas que construiu na década seguinte, especialmente em torno da avenida Brasil. Foram justamente esses projetos que levaram Ema a conhecer seu trabalho e a contratá-lo, já que conseguiam unir o clássico ao moderno da forma que ela, naquela altura, desejava.

Os primeiros estudos que Becker realizou, no final de 1954, propunham uma casa de planta bem incomum, organizada em torno de um grande hall circular central, a partir do qual os ambientes se distribuíam em dois pavimentos. Chegaram a ser apresentadas cinco diferentes versões dessa solução, até que, em fevereiro de 1955, surgiu uma proposta completamente nova, na qual a casa tinha apenas um pavimento de planta quadrada, onde o hall foi substituído por um grande pátio aberto, circundado por uma galeria em forma de loggia. Curiosamente, não há nenhum desenho de fachadas ou elevações de todos esses estudos, indicando que já havia um certo consenso sobre o estilo a ser adotado.

Não se tem como saber de quem partiu a ideia de usar o Palácio de Sanssouci como modelo para o projeto seguinte, apresentado em março de 1955. Tanto Ema quanto Becker passaram a juventude na Alemanha, quando tiveram oportunidade de visitá-lo, e ambos estudaram a arte e arquitetura alemãs do período. É possível até que tenha surgido de uma conversa entre ambos, pois em um dos últimos desenhos anteriores foram feitas anotações indicando volumes circulares nas extremidades da fachada principal, em solução que já remetia ao palácio.

Projetado por Georg Wenzeslaus von Knobelsdorff, entre 1745 e 1747, para o rei Frederico II da Prússia, o palácio é um dos mais famosos exemplares da arquitetura rococó alemã. Concebido como residência de veraneio destinada a grandes festas e recepções, era um modelo perfeito para Ema, que também desejava uma casa de uso semelhante. Apesar de ser frequentemente comparado a Versailles ou ao Château de Marly, Sanssouci possui, ao mesmo tempo, uma escala monumental e dimensões reduzidas, com apenas dez aposentos principais.

Becker soube aproveitar o modelo com extrema habilidade, distribuindo toda a casa em torno de uma longa galeria semicircular, ligando, a partir do hall, os ambientes sociais aos íntimos, em solução também inspirada na planta de Sanssouci. A fachada voltada ao jardim repete fielmente as aberturas em arcos plenos, bem como a cobertura em rotunda sobre o hall.

Esse estudo evolui rapidamente para o anteprojeto, que conseguiu, finalmente, satisfazer todos os desejos de Ema. A casa proposta tinha ambientes amplos o suficiente para abrigar sua coleção, e o estilo das fachadas conseguia ser quase atemporal, ao aplicar materiais modernos e pouca ornamentação a um desenho clássico.


Pompeo Batoni, Retrato de Dama como Diana Caçadora, 1760

Talha do Mestre Valentim proveniente da Igreja de São Pedro dos Clérigos na sala de jantar

Jardim de inverno

Sala de jantar e jardim de inverno atrás

Relógio de piso francês estilo Luís XV na sala de música

Salão criado como um espaço de encontro e diversão

Escola Flamenca, Torre de Babel, séc. XVI

9.8.19

UMA SALA SEM LIVROS É COMO UMA CASA SEM JANELAS

ESTA POSTAGEM HOMENAGEIA LIVROS E BIBLIOTECAS. FOTOS TIRADAS NO REAL GABINETE PORTUGUÊS DE LEITURA (RIO DE JANEIRO), SEBO DO MESSIAS, CASA-MUSEU EMA KLABIN, RESIDÊNCIA DO ESCRITOR HELIO BRASIL E FACULDADE DE DIREITO DO LARGO DE SÃO FRANCISCO (SÃO PAULO)


Se a escola é um templo, a biblioteca é seu santuário. Numa sala de aula, ensina-se, aprende-se, discute-se; numa biblioteca, você está em calma. Você lê, sozinho; você escuta, sozinho. E de repente você descobre que não está sozinho, que está na presença dos mestres e dos discípulos dos séculos passados...

Elie Wiesel, Sinais do Êxodo


A house without books is like a room without windows. No man has a right to bring up his children without surrounding them with books, if he has the means to buy them. It is a wrong to his family. He cheats them! Children learn to read by being in the presence of books. The love of knowledge comes with reading and grows upon it.

Tradução: Uma casa sem livros é como uma sala sem janelas. Nenhum homem tem o direito de educar seus filhos sem cercá-los de livros, caso tenha os recursos para comprá-los. É  uma injustiça com sua família. Ele a engana! Crianças aprendem a ler na presença de livros. O amor ao conhecimento advém  da leitura e cresce com base nela.  (A frase inicial é um aforismo talmúdico, que por sua vez evoca a frase atribuída ao romano Cícero: "Uma sala sem livros é como um corpo sem alma".)

Horace Mann, Life and Works of Horace Mann Volume 3 (às vezes erroneamente atribuído ao alemão Heinrich Mann)


Bücher sind Schokolade für die Seele. Sie machen nicht dick. Man muss nach dem Lesen nicht die Zähne putzen. Sie sind leise. Man kann sie überall mitnehmen, und das ohne Reisepass. Bücher haben aber auch einen Nachteil: Selbst das dickste Buch hat eine letzte Seite, und man braucht wieder ein neues.

Tradução: Livros são chocolate para a alma. Não engordam.  Depois de ler você não precisa escovar os dentes. São silenciosos. Podemos levá-los a toda parte, e sem passaporte. Os livros têm, porém, um defeito: mesmo o livro mais grosso tem uma última página, e é preciso obter um novo.

Antonie Schneider, Lea und König Wuff (às vezes erroneamente atribuído a outros autores)


Com dois, três ou quatro sentidos em alerta, agrada-me mais, ver a bibliofilia – a autêntica, a do colecionador sensível e inteligente que compra os livros para serem lidos, estudados e consultados – como foi definida por José Mindlin: uma loucura mansa. Ressaltando que loucura aqui se aproxima muito mais do sentido erasmiano do termo – a loucura como oposta à mediocridade dos excessos de sensatez – do que do desequilíbrio que leva o cidadão ao hospício. Se todos somos loucos, como ironizava Erasmo, a exceção seria o sujeito incapaz de despropósitos, ou seja, a súmula da mediocridade. Por provocar a loucura é que, paradoxalmente, o contato dos livros é salutar. E a loucura mansa costuma levar ao que o mundo mais precisa: tolerância, simplicidade de espírito, respeito pelo semelhante.

Ubiratan Machado, "Descaminhos do Colecionador"

Escritor Helio Brasil em sua biblioteca

O livro é esse amigo que acompanha os seres humanos há séculos, possibilitando o crescimento interior. [...] Um de seus milagres consiste em tornar leve todo o peso terrestre feito de solidões, angústias e perdas. Sua amizade não trilha os caminhos do interesse, transpira sinceridade. Com ele aprendemos que só talento não basta para quem quiser se tornar um filosofo, cientista ou poeta, faz-se necessário o hábito da leitura. Esse amigo está pronto para dizer que, vivendo na sua companhia, a vida fica mais fácil. Matamos até a morte.

Cyro de Mattos, "Uma Amizade Antiga " (para ler a íntegra desta crônica, clique aqui)


O MELHOR AMIGO DO HOMEM, de IVO KORYTOWSKI

Qual o melhor amigo do homem?

Antes de tentar responder à pergunta, uma digressão: amiga virtual contou que, passando certo feriadão em Búzios, terminou livro da Lya Luft antes do planejado e, querendo comprar outro livro da autora pra preencher os dias que ainda ficaria lá (chovia, imagino), teve a surpresa de descobrir que Búzios não possui livraria. Tem bistrô, tem borracharia, tem loja de artesanato... mas nenhuma livraria (contou a amiga).

Voltando à pergunta inicial. Quanto ao maior inimigo do homem, ninguém pode negar: é o próprio homem. Homo lupus homini. Já o maior amigo é objeto de controvérsia. Dizem que o cachorro é o maior amigo do homem. Mas o cachorro exige quase tanta atenção quanto uma criança, faz cocô onde não deve, precisa ser levado pra passear e quando no cio... sai de baixo! Alguns, boca aberta e língua pendente, exalam um hálito pestilento que só o dono não sente...

“O bom livro é o melhor amigo”, lia-se nos marcadores de página de antigamente (hoje os marcadores trazem alguma propaganda). Ao contrário do cachorro, é o livro que nos leva pra passear, transpondo as fronteiras do espaço — do centro da Terra (Viagem ao centro da Terra) aos astros distantes (Viagem ao céu) — e do tempo (o livro é a máquina do tempo).

As pessoas costumam julgar as outras pelas posses: ano do carro, cartões de crédito recheando a carteira (a alegria dos assaltantes), grife da roupa, da bolsa, da caneta — as pessoas realmente reparam nesses detalhes. Já eu, julgo as pessoas pela biblioteca. Neste ponto, discordo em número, gênero e grau do poema do Pessoa que dizia que “livros são papéis pintados com tinta”.

Quando vou da primeira vez à casa de alguém, o que logo observo: se existem livros. Não me impressiona uma casa repleta de engenhocas — televisores de porrilhões de polegadas, aparelho de som com potência pra infernizar a vida de todo o quarteirão — se lá não habitam os escritores. Pra mim, casa sem livros, está faltando algo essencial — como se faltasse o reboco das paredes, o piso no banheiro. Confesso que daria muito mais valor a um humilde favelado em cujo barraco encontrasse estante com um ou outro livro de Machado, Lima Barreto, Paulo Coelho, do que a um ricaço em cuja mansão sobejassem pratarias e baixelas e móveis da época mas.. não se visse nenhum sinal de livro.

Dizem que o sexo é a melhor coisa da vida: sei lá, passar a noite devorando (o termo é este) um livro não fica muito atrás...

Última observação: assalta-se de tudo — da joalheria ao botequim. Até quem está rezando na igreja pode ter a bolsa furtada. Mas dos livros emana aura de sacralidade: alguém já ouviu falar de assalto a livraria?

Fui contar esta história pro gerente de vendas da minha Editora e ele foi logo derrubando o mito: “Nossa livraria lá da Tijuca já foi arrombada mais de uma vez. Donde você acha que vêm esses livros vendidos nas ruas?”


Texto extraído do meu ebook A arte da escrita: Trinta dicas para você aprender a escrever como os grandes mestres. A Dica 26 é: "Aprenda com os mestres: leia regularmente (e, se possível, convença-se de que o livro é o melhor amigo do homem)." Procure na Amazon. E não deixe de assistir aos meus vídeos no YouTube sobre literatura, como por exemplo este sobre Machado de Assis. Mas tem muitos outros (ver aqui). Inscreva-se no meu canal.




Agora uma declaração de amor de Alexei Bueno à sua vasta biblioteca, extraída de seu livro As Desaparições (G. Ermakoff, 2009):

ODE AMATÓRIA

Meus livros amados,
Como trepadeiras
Sobem, apinhados,
Paredes inteiras.

Alargam seus flancos
Por cômodos, quinas,
E erguem-se em barrancos
Fabricando esquinas.

Lombadas, brochuras
Me olham das estantes,
Marroquins, nervuras,
Discretos, berrantes,

E neles me espiam
Gregos e sumérios,
Almas que extasiam,
Monstros deletérios.

Quinze mil amantes,
Bem embaixo, em cima,
Livro, o agora e o antes,
Palavra sem rima.

Que vida haveria,
Reles, pouca, porca,
Sem tal companhia,
Taça que se emborca.

Fólios, incunábulos,
Línguas e cidades,
Semblantes, vocábulos,
Desastres, vaidades,

Bulas, manuscritos,
Toda a espécie humana
Em grilhões escritos
Numa caravana

Que cruza o deserto
Nosso, soledade,
O longínquo, o perto,
O agora, a saudade,

De mãos dadas, nisto,
Filho, pai e avô,
Juntos Jesus Cristo
E o Doutor Petiot.

Sarabanda estática,
Vertical loucura,
Viagens, numismática,
Budismo, pintura,

E os autores todos,
Vivíssimos, mortos,
Ancestrais rapsodos,
Místicos absortos,

E entre os que pisaram
Nas poentas paragens
Os que em almas aram,
Tipos, personagens,

Todos, todos juntos,
E os florões, e espelhos,
Colofões defuntos,
Frontispícios velhos...

Que teria eu sido
Sem tal ebriedade,
Meu portão fendido
Para a eternidade,

Para o imenso, a viagem
Da alegria humana,
Sem mais dor, voragem
Que nos unge e irmana?



E encerramos a postagem com este magnífico SONETO DA BIBLIOTECA, do poeta baiano Ruy Espinheira Filho, extraído do livro Uma história do paraíso & Outros poemas:


São todos estes livros. Vasta vida
pulsando forte aqui, era após era
de pensamento nítido, quimera,
certezas, corvos de ilusão perdida.

Sim, esta é a sala nunca anoitecida.
Nada adormece. Tudo freme e gera
luzes e trevas do santo e da fera
que é o homem, sempre, de alma dolorida.

São todos estes livros que se falam,
singrando o tempo, em alegria ou pranto,
de tudo o que se criou ou se perdeu.

E em seu silêncio eles jamais se calam
De Beleza e Verdade. E ornam de espanto
o sonho de uma sombra que sou eu.