TEXTO PUBLICADO ORIGINALMENTE UM ANO ATRÁS (1/3/18) NO ENTÃO RECÉM-RESSUSCITADO JORNAL DO BRASIL
Nossos antepassados lusitanos chegaram ao Brasil – todos nós sabemos – em 1500, em Porto Seguro, na Bahia. Em virtude da grande extensão da costa e da pilhagem realizada pelos europeus de olho nas novas terras, adivinhadas ricas e generosas, somente em 1531 Martim Afonso de Sá por aqui passou deixando o porto, na suposta foz do Rio de Janeiro, bem abrigado pelo generoso desenho da Guanabara.
Ansiosos pela conquista de novos territórios, os franceses invadiram o Rio em 1555 e aqui se instalaram militarmente, entrincheirados na hoje conhecida Ilha do Governador – então Paranapecu.
A vinda de Mem de Sá, trazendo o braço guerreiro de seu sobrinho Estácio e à frente de exércitos organizados e armados, apoiados pelos guerreiros de Arariboia, foi decisiva para a reconquista. A fundação propriamente (data que hoje se comemora) foi no dia 1º de março de 1565, ao pé do morro Cara de Cão, juntinho ao nosso querido Pão de Açúcar. Perito na arte militar, Estácio decidiu deixar o local e instalar estrategicamente suas tropas no alto do morro do Castelo, elevação histórica que abrigou o forte lusitano, a Igreja de São Sebastião (nosso padroeiro) e o Colégio dos Jesuítas, marcos infelizmente desaparecidos quando em 1920-22 o morro foi arrasado.
Os franceses foram finalmente expulsos e, com relativa tranquilidade, os donos da terra desceram para a várzea iniciando a ocupação gradativa do território. E o Rio expandiu-se, apesar dos descuidos de seus habitantes e alguns predadores, venceu os pântanos que o cercavam, impondo novos traçados aos muitos cursos d’água e ganhando território para a população que pouco a pouco deixava o reino lusitano para trás. Historiadores poderão dizer quando foi que os cariocas – com a graça dos santos e dos deuses vindos da Europa, da África, e aqui mesclados aos caboclos indígenas – passaram a dar o colorido às festas e aos costumes, bem emoldurados por uma natureza luminosa.
Ao longo das sucessivas escaladas históricas para a Independência, passando dos vice-reis à corte Joanina nas mãos de um monarca bonachão e sagaz, D. João, das tiradas autoritárias de um Pedro I ao seu professoral filho que entregou mansamente a coroa aos republicanos, o Rio avançou (de certa forma à frente do Brasil) e o reflexo disto foi o despontar urbano com o prefeito Francisco Pereira Passos ao abrir a Avenida Central no início de 1900.
Planos urbanos como os de Agache, de Dodosworth e, mais recente, o de Doxiadis no rápido momento em que a cidade do Rio de Janeiro tornou-se um estado da federação, transfiguraram a metrópole, que nos dias de hoje, depois de ter voltado à condição de município, tenta reencontrar a sua aura de “Maravilhosa”. Já no século XX, muitos foram os arquitetos e urbanistas que a amavam e se propuseram a engrandecê-la: Afonso Reydi e Roberto Burle Marx, projetando e deixando florir o chamado Parque do Aterro do Flamengo, Luís Paulo Conde e tantos outros, arquitetos e urbanistas, sociólogos e antropólogos, deixam transparecer a preocupação com seus destinos de urbe tropical.
Que a data que se comemora – gravada neste retorno auspicioso do nosso JB – inspire uma retomada decisiva.
Quando os guerreiros lusitanos venceram os invasores, o mar de Uruçumirim (hoje, uma nesga no Flamengo na foz do rio Carioca) tornou-se vermelho com o sangue dos combatentes. Respeitando tal sacrifício, vamos, cariocas de hoje, lutar não mais de forma sanguinolenta, mas com o coração e a cabeça para reconstituir a cidade que decididamente ainda é MARAVILHOSA!
HELIO BRASIL – arquiteto – março de 2018.