ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

12.6.07

PARQUE LAGE

UMA HISTÓRIA DE AMOR

O Parque Lage abriga uma história de amor.



Antiga cavalariça

A área foi adquirida, em meados do século XIX, pelo comendador Antonio Martins Lage Junior, cujo neto, Henrique Lage, apaixonado pela cantora lírica italiana Gabriela Bezanzoni, mandou construir um palacete, com esplêndidos jardins, presenteando-o à amada, em 1922.


Piscina do solar

O projeto foi do arquiteto italiano Mario Vodrel, que importou azulejos, ladrilhos e mármores da Itália. A pintura ficou a cargo do pintor paulista Salvador Payols Sabaté, que cobriu de ouro as estrelas que decoram a parede e o teto do quarto de dormir de Bezanzoni.


Corcovado visto do solar

A mansão está situada numa floresta de 522 hectares, em plena Rua Jardim Botânico [Rua Jardim Botânico, 414 - Tel.: (0xx21) 2538-1879], onde existem várias trilhas; a mais famosa é a que faz o percurso entre o Parque Lage e o Corcovado.


Jardim defronte ao solar

Lá, hoje, funciona a Escola de Artes Visuais do Governo do Estado do Rio de Janeiro, que serviu de cenário para a obra-prima de Gláuber Rocha, o filme "Terra em Transe".


O solar


Solar e Corcovado


Escultura em bronze de um pintor


Jardim


Jardim e solar


Torre do Castelinho


Coreto

Texto extraído do interessante livro Onde morou, de Alda Rosa Travassos, Elizabeth de Mattos Dias e Gilda Boruchovitch. O livro, volume 2 da coletânea Retratos Cariocas, editada pela Fundação Biblioteca Nacional, mostra onde moraram figuras ilustres do Rio de Janeiro.
Fotos de Ivo & Mi.

7.6.07

E FOI UM SONHO! UM SIMPLES SONHO!

TEXTO DE SÉRGIO ANTUNES DE FREITAS

O Solar dos Abacaxis, imponente casarão neoclássico erguido em 1843, não distava muito do chalé de Machado (endereço atual: Rua Cosme Velho, 857)

Casarão que foi a sede da fazenda de café onde morou o Visconde de Taíde. Vizinho do chalé de Machado, na sua capelinha, Machado casou-se com Carolina (endereço atual: Rua Cosme Velho, 218)

O livro, Várias Histórias de Machado de Assis, ganhei do meu compadre.

Deitado em rede macia e desbotada, na varanda de uma Brasília de 2005, o livro aberto caiu sobre o meu peito. Adormeci e fui remetido a um sobrado no Bairro do Cosme Velho, no Rio de Janeiro de 1890.

Enfiei-me por um corredor e subi uma escada. “A luz era pouca, os degraus comidos dos pés, o corrimão era pegajoso”.

“A noite caíra de todo”.

Encontrei Machado sentado em uma cadeira de balanço de palhinha e madeira envernizada.

Olhou para o lado, ” ... tlic do lampião de gás da rua, que acabavam de acender, e viu o clarão dele nas janelas da casa fronteira.”

Ainda não havia notado a minha presença. “... foi pegar a jarra em cima do aparador e deixou-a no mesmo lugar; depois caminhou até a porta, deteve-se e voltou, ao que parece, sem planos. Sentou-se outra vez... A cabeça inclinava-se um pouco do lado da porta, deixando ver os olhos fechados, os cabelos revoltos e um grande ar de riso e de beatitude.”

Foi quando me anunciei, para sua surpresa discreta. Olhei em volta, procurando uma pena e tinteiro que me propiciasse um autógrafo, mas não era o seu escritório. Disfarçadamente, fiz algumas perguntas evasivas sobre a sua vida, o momento político, a desejada evolução industrial e o espírito bom do brasileiro simples.

“E referiu muita cousa, observações relativas aos costumes do interior, dificuldades da vida, atraso, concordando, porém, nos bons sentimentos da população e nas aspirações de progresso. Infelizmente, o governo não correspondia às necessidades da pátria; parecia até interessado em mantê-la atrás das outras nações americanas. Mas era indispensável que nos persuadíssemos de que os princípios são tudo e os homens nada. Não se fazem os povos para os governos, mas os governos para os povos...”


Ao lado de onde Machado morou de 1883 a 1908, ergue-se agora o Edifício Machado de Assis (endereço atual: Rua Cosme Velho, 174)

Do conjunto de chalés da Condessa de São Mamede administrados pelo irmão de Carolina, um deles ocupado por Machado, sobrevive este, verdadeira relíquia (ao que me consta, não tombada) à Rua Cosme Velho, 120

Aproveitei para puxar o assunto da literatura brasileira. Ele já desconfiava que eu não era daquele tempo, pelas vestes, pelas palavras, pelo olhar, e fez questão de responder com tal desconfiança. Também percebeu que havia interesses relativos ao seu ofício. Cedeu ao aconselhamento, já que eu deveria parecer um iniciante.

“O que se deve exigir do escritor, antes de tudo, é certo sentimento que o torne homem do seu tempo e do seu país, ainda quando trate de assuntos remotos no tempo e no espaço.”

Rodopiei em volta de seu comportamento esquisito, pensando que poderia advir algum ataque epilético, caso não suportasse a situação transcendental e absurda. Preocupei-me em tirar de perto de seus braços uma lamparina e um cortador de páginas, para que não se ferisse, caso estrebuchasse. O ambiente não me era estranho, já que conheci lugares semelhantes em museus, filmes de época, páginas de livros.

Ouvi o barulho de um tílburi, de cascos de cavalos, o grito seco do cocheiro, estimulando a velocidade do animal. Senti a brisa e o cheiro de um mar distante. Imaginei, tão próximas de mim, praias cariocas nativas, sem violência, sem poluição, paraísos com marcas noturnas de pés de índios, de negros e de mamelucos.

Olhei para o escritor, que estudava cada movimento de meu corpo e perguntou, nervoso, autoritário, à queima-roupa: - O que veio fazer aqui?

Respondi-lhe, com sinceridade: - Nada, além de produzir um texto que vincule tempos passados em dois séculos, com outro no meio. Que mostre a possibilidade de idéias serem mantidas vivas ao longo de tempos maiores que vidas.

Também para demonstrar que seu trabalho é admirado lá pelo terceiro milênio, algo que certamente nunca ou pouco lhe passou pela cachola.

O escuro, ajeitando os seus óculos, olhou para os meus olhos, sorriu de modo forçado, apontou a sua bengala em minha direção, como se fosse uma arma, e ameaçou: - “Malandro, cabeça de vento, estúpido, maluco,” vá se aproveitar da literatura de sua mãe!


No seu trajeto diário, de bonde puxado por burros, para o Ministério da Agricultura, Comércio e Obras Públicas, onde trabalhava (não dá pra viver de literatura!), Machado passava pelas Casas Casadas, seis casas residenciais geminadas em estilo neoclássico com influência eclética, construídas em 1874 (endereço atual: Rua das Laranjeiras, esquina com Rua Leite Leal)

Se não estivesse absorto demais nas “suas próprias reflexões, ruminando idéias, pensando em temas de romances ou de contos” (R. Magalhães Júnior, Vida e obra de Machado de Assis, vol. 3, p. 64), Machado via também este casarão de 1878, que abrigou a primeira sede do Instituto Pasteur da América do Sul e hoje abriga o CCAA (endereço atual: Rua das Laranjeiras, 308)

Pouco mais à frente, a chácara do conde Modesto Leal, “um dos mais belos casarões do bairro e um exemplar raro do século XIX” (endereço atual: Rua das Laranjeiras, 304)

Quase chegando na Rua Guanabara, atual Pinheiro Machado (onde ficava o palácio da Princesa Isabel e seu marido, atual Palácio Guanabara), Machado contemplava o Instituto Nacional de Educação de Surdos, fundado em 1857 por determinação de D. Pedro II (endereço atual: Rua das Laranjeiras, 232 - se você passa todos os dias por Laranjeiras e nunca notou estes tesouros arquitetônicos, está precisando ler um pouco mais de Machado!!!)

Fotos tiradas no Cosme Velho e Laranjeiras pelo editor do blog. Várias informações das legendas das fotos foram obtidas no guia Cosme Velho & Laranjeiras, da coleção Bairros do Rio, editada pela Casa da Palavra. Texto gentilmente enviado por Sérgio Antunes de Freitas.

4.6.07

TREM DE SUBÚRBIO

TEXTO DE VICTOR JOSÉ FERREIRA


O trem que viaja no coração da gente é, quase sempre, aquele que transitou pela nossa infância. A velha Maria-Fumaça, o Maquinista, a pequena estação com seus Agentes uniformizados, o Guarda-Freios, o Chefe do Trem, o Manobrador e sua lanterna, são figuras míticas que nos ocupam pedaços da memória e dão toque poético ao mundo da Estrada de Ferro.

Dificilmente alguém se lembraria de incluir um trem de subúrbio, modernoso e eletrificado, entre os símbolos do lirismo ferroviário. Sua imagem é aquela do trem apinhado de gente, transportando desconfortavelmente a multidão que se desloca a cada dia nas grandes metrópoles, para garantir o pão amargo da sobrevivência.

Além da superfície das coisas, porém, existe sempre algo especial, que pode ser captado pela sensibilidade daqueles que se permitem ver com os olhos do coração.

Pude descobrir isso, em relação ao trem do subúrbio, em um momento especial.



Era sexta-feira, fim de tarde, momento em que o centro da cidade é sempre uma festa, os bares cheios, todo o mundo se confraternizando, a conversa alimentada com chope e descontração.

Estávamos eu e o amigo Ezequiel, ferroviários honorários, revendo-nos e matando a saudade de viagens que fizemos juntos, misturando trabalho e curtição. Lá pelas tantas juntou-se a nós outro amigo dele, arquiteto, poeta e boêmio, seu antigo companheiro de trabalho, à época em que andaram os dois pelo interior, construindo escolas e amando a vida.

Pouco tempo de conversa e o arquiteto-poeta-boêmio descobriu minha paixão pelo trem. Falei-lhe da ferrovia da infância, sua simbologia para o menino da cidadezinha do interior, todas as figuras que constituíram o mundo da Estrada de Ferro e se faziam personagens de meus sonhos, inclusive vocacionais.



Disse-me ele, então, que também tivera um caso de amor com o trem, declamando em voz alta, para olhares e ouvidos espantados dos vizinhos de bar, um poema em louvor do trem de subúrbio.

A poesia era sonora, bonita. Mais que tudo, porém, ela desvendava para a gente a magia que pode traduzir um trem de subúrbio. Falava do seu balançar cadenciado, a inclinação da entrada veloz nas curvas, o cantar das rodas na fricção com os trilhos. Dizia do seu deslocamento diário pela paisagem dos subúrbios, sua gente humilde, “casas simples, com cadeiras na calçada e na fachada escrito em cima que é um lar”. Lembrava a primeira viagem de cada dia, ainda quase madrugada, e o retorno a cada noite, o preparo para novo amanhecer.



Mas o poema recordava, acima de tudo, a generosa porção de humanidade contida em cada trem de subúrbio. São homens e mulheres que se deslocam diariamente para o seu trabalho; crianças que ganham seus trocados vendendo balas e amendoins; jornaleiros apregoando manchetes sensacionalistas, a tragédia de cada dia garantindo as grandes tiragens; as lavadeiras com suas trouxas pesadas, a roupa suja da granfinagem da Zona Sul se limpando nos tanques humildes da Zona Norte; o cego recebendo as moedas de gente quase tão pobre quanto ele; o sanfoneiro cantador tentando, com o som proletário, garantir também seu desjejum, o casal de namorados, trocando carinhos; o batedor de carteiras, à caça de um “balão apagado”, de um distraído qualquer; marmitas em sacolas humildes, os bóias-frias urbanos carregando o almoço preparado na véspera ou pela madrugada; enfim, uma multidão de ofendidos, humilhados e oprimidos que, com seu suor e seu trabalho, garantem o bem-estar da minoria privilegiada da burguesia que talvez nunca precise andar naquele trem.

Trem de subúrbio é isso, dizia-nos o poema. É gente, é povo, é vida.

Os aplausos e os brindes homenagearam o declamador e eu descobri, naquele instante, que o trem de subúrbio pode ser, também, incluído entre os personagens poéticos do universo mágico da ferrovia.



Crônica extraída de Victor José Ferreira, O trilho e a flor, Nau Editora, 1986. Fotos do editor do blog.