Parece ter sido o italiano Luiz Bassini o introdutor do comércio de gelo e de sorvetes na cidade do Rio de Janeiro. O que se sabe exatamente é que em 1835 ele já desse negócio se ocupava. Em companhia de N. Denis, montou à Rua Direita o “Café do Círculo do Comércio” que até possuía uma sala especial para senhoras. Além de um bom sorvete, nele poderia o carioca saborear refrescos de toda espécie, chá, mate e café gelados.
O gelo recebido por Bassini era o gelo natural que se importava dos Estados Unidos. Vinha em lascas, no fundo de embarcações, envolto, cuidadosamente, em camadas espessas de serradura de madeira. Aqui desembarcado, era ele remetido para os depósitos que pelo tempo se encontravam para as bandas de Santa Luzia, sendo logo posta em covas fundas feitas na terra, mantidas as precauções observadas desde o momento em que era retirado das geleiras de origem. As perdas da matéria, não eram, como talvez se acredite, muito grandes. Perdiam-se do gelo, apenas, 30 ou 40 por cento no fim de quatro ou cinco meses. Os americanos chegavam a enviá-lo, em seus navios, até para o Oriente. O gelo que pela primeira vez chegou à Índia era de procedência americana.
A glória e a fama da loja de gelo e de sorvetes de Bassini, a bem-dizer, só terminaram com a inauguração do célebre “Hotel do Norte”, na mesma rua, mais próximo à Igreja do Carmo, ns. 7 e 9. Fundara-o outro italiano, Antônio Franzione que, pouco depois de inaugurada a casa, na fachada da mesma suspendia vistosa tabuleta onde fez pintar este letreiro: Antônio Franzione, sorveteiro de S. S. M. M. I. I.
O estabelecimento era modelar para a época, quiçá luxuoso. O Imperador D. Pedro II, não raro, pelos dias calmosos, em companhia da Imperatriz, em sala especial, nele ia tomar o seu sorvete. As pitangueiras de Copacabana, em campo enorme que ia do Leme ao Ipanema, forneciam o ácido fruto que refrigerava a abrasada garganta carioca. O caju, o cajá, a carambola, a manga, o abacaxi e a laranja, não conseguiam disputar a preferência que davam, todos, à pitanga, de exótico sabor, hoje quase desaparecida do comércio de frutas carioca. Era esse delicioso refrigerante tomado em alongadas taças de cristal, iguais às usadas então para beber os vinhos espumantes. Como, porém, era preparado esse sorvete, há mais de um século? Com a velha sorveteira feita em folha de Flandres, cilíndrica, que era metida em um balde ou em uma tina entre blocos de gelo, rodada de um lado para outro lado, durante certo tempo, à mão. E as caldas? As caldas ainda eram geralmente feitas de acordo com as que encontramos no livro de José Bulhões, impresso em Lisboa no ano de 1788. "A arte nova e curiosa para conserveiros, confeitos, copeiros e mais pessoas que se ocupam em fazer doces e outras receitas que pertencem à mesma arte", livro copiado aos que, no gênero, apareciam em França, na Inglaterra e na Itália. Desse manual impresso por Bulhões extratamos a curiosa e exótica receita para um sorvete que se chamou "papinha" — "calda de papinha para gelar, em sorvete". Ei-la: "Esbrugue-se uma mão cheia de pevides de melão, outra de melancia, e com quatro, ou cinco amêndoas doces, se pisará tudo muito bem, depois de estar pisado, se lhe deita o açúcar, e passado por pano ralo se aumenta o que houver com água, até fazer três quartilhos, que se gelarão com mais brevidade que as outras caldas."
O "Hotel do Norte" de Franzione, sorveteria de fama, à Rua Direita, fez-se, pouco depois da sua inauguração, o ponto de encontro mais elegante dos "leões da moda” da cidade. A primeira "terrasse" do café que teve o Rio de Janeiro aí surgiu. Com a passagem da firma para os cuidados comerciais da Viúva Carceler e Filhos essa "terrasse" foi a nota mais distinta e mais comentada da rua carioca. Nela se sentaram figuras como Mauá, Sales Torres Homem, Pereira da Silva, José de Alencar, Maciel Monteiro, Zacarias de Góis, Cotegipe, Sousa Leão, Barões do Catete e de Penedo, Viscondes de Camaragibe. de Jequitinhonha, do Rio Branco; Nabuco de Araújo, Suaçuna, Marquês do Paraná...
Era toda a fina-flor da sociedade nossa, pela época.
Desde os tempos de Antônio Franzione que o estabelecimento se incumbia de organizar banquetes e merendas (lanches) a domicílio, fornecendo iguarias das mais finas, vinhos os mais caros, tudo isso servido em baixelas de luxo — pratos de porcelana esmaltada, pratas, cristais de maior preço maior distinção. Era a copeiragem feita por hábeis criados que vestiam uniformes de seda, à século XVIII.
Numa carta que fomos encontrar nos "Reservados" da Biblioteca de Lisboa, carta de Antônio Dias da Guarda a seu irmão, datada do Rio de Janeiro (25 de março de 1869) arrancamos estas interessantes linhas: "Assim na festa em casa do Silveira babamos de gozo e nos enchemos a valer, que a terra é de fartura e nada deixa desejar a outras terras. O mais interessante, porém, foi ver, na hora da mesa, com comida de fora, em magnífica coberta, entre os servidores dela, dois negros suando debaixo de cabeleiras artificiais, brancas, vestidos à Luís XV, distribuindo guardanapos em dois pratarrazes de porcelana do Japão."
Não será difícil deduzir-se, por estas linhas, que as iguarias, baixelas e até os criados de serviço eram os de Antônio Franzione que só passou o estabelecimento de luxo à viúva Carceler pelo ano de 1861.
“Hotel do Norte” e "Confeitaria Carceler”, pontos chiques das elegâncias do Rio de Janeiro pelo meado do século XIX, valem, porém, uma evocação em nota especial.