Da decadência ao renascimento, livro conta a história da Rua do Lavradio
Lívia de Almeida (matéria publicada originalmente na Veja Rio de 28/11/07)
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Nos idos de 1771, o vice-rei português decidiu abrir uma via que iria atravessar um charco entre os Arcos da Lapa e o emergente Largo do Rocio (atual Praça Tiradentes). Batizada com o nome do governante, o marquês de Lavradio, a nova rua foi ocupada por chácaras e solares, residências de gente abastada. A partir de então, a história da Rua do Lavradio, do luxo à decadência, da boemia ao abandono, da lama ao renascimento como pólo da vida cultural da cidade, tem sido recheada de lendas, personagens folclóricos e muitos altos e baixos. Com 700 metros de extensão entre as ruas do Riachuelo e a Visconde de Rio Branco, ela demonstrou nos últimos dez anos sua vitalidade graças ao esforço dos comerciantes da área, especialmente antiquários. Em 1996 eles criaram, aos sábados, uma feira de antiguidades que inevitavelmente acabava em roda de samba. A partir daí a rua renovou-se, ganhou melhoramentos urbanos e iluminação, virando atração turística.
"Em 1997, havia onze bares. Hoje são 23, para todos os tipos de público", diz o secretário municipal de Urbanismo, Augusto Ivan Pinheiro, que desde os anos 80 batalha pela preservação e revitalização do Centro. Ele calcula que as atividades culturais atraiam para a área cerca de 30.000 visitantes por mês. "Ressurgiu das cinzas como uma fênix", descreve o empresário Plínio Fróes, dono das casas noturnas mais badaladas do pedaço, como o Rio Scenarium, a cachaçaria Mangue Seco e o bar Santo Scenarium. A história da Rua do Lavradio, do luxo ao lixo, e sua volta por cima são contadas com primor no livro Rua do Lavradio (Andréa Jakobson Editora, 240 págs., R$ 95,00), que será lançado na terça (27) no Rio Scenarium, com organização de Augusto Ivan e Eliane Canedo. "Tínhamos muita vontade de registrar a transformação de uma rua completamente degradada em uma história de sucesso", explica Fróes, idealizador do projeto.
As imagens registradas pelo fotógrafo Renan Cepeda celebram os detalhes da arquitetura eclética dos sobrados que sobreviveram, construções da segunda metade do século XIX. Do lado par, pouca coisa sobrou em conseqüência das desapropriações da época do desmonte do Morro de Santo Antônio, nos anos 30, um processo demoradíssimo que deu origem aos terrenos onde foram construídos os arranha-céus da Petrobras e do BNDES e, mais recentemente, um espigão pós-moderno do arquiteto Paulo Casé. O livro traz histórias saborosas do passado. No fim do século XIX, sabe-se que a rua tinha virado uma espécie de extensão da Praça Tiradentes e chegou a ter seis teatros. Na decadência, depois da reforma urbana do prefeito Pereira Passos, muitos sobrados foram convertidos em cortiços. Madame Satã, por exemplo, o famoso malandro valente, transformista, viveu no sobrado sugestivamente numerado como 171. Não se conseguiu descobrir, no entanto, onde ficava o infame Le Chat Noir, descrito em 1912 por João do Rio, outro morador da rua, como "um cabaré com todo o sabor do vício parisiense, tudo quanto há de mais rive-gauche". São segredos que os anjinhos sapecas das fachadas não contam para ninguém.
A tradicional Feira Rio Antigo, na Rua do Lavradio, ocorre no primeiro sábado de cada mês. Mais informações no site da Riotur.