CRÔNICA PUBLICADA ORIGINALMENTE NA REVISTA MANCHETE DE 28 DE NOVEMBRO DE 1953
Circulo um pouco pela cidade [cidade no sentido de Centro da cidade], de manhã, resolvo umas coisas mais ou menos cacetes. E de repente, na Esplanada do Castelo, reparo nesta coisa simples: estou feliz.
Não me acontece nada de especial; minha felicidade é gratuita, deriva destas coisas simples: o céu está azul, o sol está louro, eu estou andando na rua. Meu sapato é confortável, minha roupa está limpa, meu corpo está bem.
Passa uma menina com uma fita nos cabelos; em um terreno livre há um grupo de mecânicos que aproveitam a hora do almoço para um bate-bola. A bola vem para o meu lado; devolvo-a com um chute, e meu chute é certo, e é saudado com um “oba!” por um dos homens de macacão, que pega a bola com a cabeça. Estou definitivamente feliz. Meus problemas de dinheiro, minhas tristezas, minhas aflições, nada tem importância. Posso amar a quem não me liga, fazer o que me desgosta, não fazer o que queria – mas neste momento sou apenas um animal feliz; o dia está lindo e eu estou andando com prazer de andar. Sou um animal feliz. E meu chute foi bonito.
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Passa um navio branco, muito grande, bojudo |
Passa um navio branco, muito grande, bojudo; vem do sul. Com certeza vai entrar na baía. Vai entrar todo de branco, abrindo asas de branca espuma, desenrolando no ar, como um penacho feliz, um rolo de fumaça branca. O convés está cheio de gente que olha as praias, o casario, as montanhas. Sede felizes! Este é o desejo íntimo que nos dá, dizer a esses forasteiros que pela primeira vez entram em nossa baía, entre as montanhas azuis; dizer alto: aqui é o Rio de Janeiro, é a nossa bela cidade; é para vós que ela hoje brilha ao sol; sede felizes!
E ter inveja dos que chegam pela primeira vez, vindos do mar, ao Rio de Janeiro.
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debruçados sobre as fotografias em cores |
Porque em nossa infância, no interior, não se dizia: Rio. Foi de repente que surgiu essa moda, as pessoas que vinham e voltavam dizia apenas com intimidade – Rio.
Mas nós, debruçados sobre as fotografias em cores e os presentes que nos levavam, nós dizíamos, com ar de sonho e um tom de respeito: Rio de Janeiro.