ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

26.1.09

A KOMBI (homenagem a Pedro Nava)

Texto (de 2004) e fotos da Glória do editor do blog


E ela, a paisagem, como tudo, na Natureza, é graça.
Pedro Nava, Cera das almas (último livro de memórias, inacabado)

No prédio com portão maciço de ferro e vidro, fachada de mármore no térreo e amplas janelas envidraçadas no corpo abaulado, no estilo Art Déco tão típico da geração de prédios cariocas da década de 30 — entrada descaracterizada por grade de ferro recentemente instalada para espantar mendigos e ladrões — a placa indica (mas os transeuntes, apressados, não prestam atenção):

Pedro da Silva Nava
1903-1984
Médico, escritor e poeta
Mineiro de Juiz de Fora,
aqui residiu entre 1943 e 1984.
Sua obra destaca-se no panorama cultural brasileiro.


Pouco adiante, vestígios grafitados de antigo chafariz colonial, onde escravos, barris equilibrados à cabeça (imagino), vinham pegar água — bons tempos? Ambulantes oferecem quinquilharias: velhos vinis, revistas de mulher nua pra lá de amassadas (quantas punhetas já inspiraram!), software pirata, incensos, caquis de um vermelho que fere a vista (dois reais a caixa). Cãozinho, preso ao poste por corda, dormita.


Outro lado da rua, a amurada, de onde podemos imaginar Camilo olhando para o mar, até onde a água e o céu dão um abraço infinito, em "A Cartomante" — e o famoso relógio da Glória, que orna as capas dos livros de memórias do Nava na edição da Nova Fronteira (e que aparece também na foto de Nava da quarta capa do volume 5 das memórias, na edição original da José Olympio). Atualmente nem sinal do mar, empurrado pra bem longe dali.



Na banca de jornais, Syang exibe os dotes físicos no cartaz da Status. Discreto a um canto, o apontador do jogo do bicho, velhinho de cabelos brancos. Verde das frondosas árvores contra o brancoazul celeste. A esse caleidoscópio de cores vêm se juntar as listras laranja das camisetas de grupo de alunas da escola municipal próxima.

Pouco depois do ponto final do Glória—Leblon, via Copacabana, fica o ponto da Kombi que leva a Santa Teresa. A rigor, deveria sair de quinze em quinze minutos, mas não estamos em Londres, are we? E enquanto restarem lugares vazios o motorista se verá tentado a esperar só mais um "minutinho" pra ver se a Kombi lota. Ganhar a vida não é brinquedo não.

Antes da partida, um auxiliar (às vezes, o próprio motorista) cobra as passagens — dinheiro, um e trinta; vale-transporte, um e cinqüenta.
No pára-sol aberto do lado do "carona", os dizeres edificantes: "Entrega tua vida a Jesus. Confia nele e o mais ele fará." Vai contar isto a um prisioneiro de campo de concentração. Menino, dois incisivos faltando, chupa pirulito com a mesma verdade com que a pequena suja comia chocolates no poema do Pessoa.

Na hora de pagar, uma velhinha mirrada, coque prateado, mas ainda transbordando vitalidade, brinca com o cobrador:

— Você fica explorando a velhinha — e, logo em seguinte, abre um sorriso. O cobrador sorri de volta. A velhinha entrega nota amarfanhada de um real, e umas moedas. (A rigor, a velhinha deveria ser dispensada do pagamento, mas no transporte alternativo essas regras nem sempre são observadas.)
— Tenho 82 anos — revela a velhinha. — Está na hora do Homem lá em cima me chamar.
— Pra 82 anos a senhora até que está ótima — elogia uma passageira.
Parte a Kombi. Dobra à direita e sobe o início da Cândido Mendes. Caminhão de lixo atravanca a entrada da Hermenegildo. Alguém resmunga:
— Neste país não tem lei, não tem nada, e mesmo que tiver, ninguém obedece.

A Kombi segue o mesmo percurso que Nava costumava fazer a pé, e narra com detalhes em Galo das trevas:

Meus passeios a pé pelo bairro seguem sempre os mesmos itinerários. Saio do meu 190 para a direita, transponho fachadas de arranha-céus. Na esquina, onde havia aquele café das madrugadas, existe hoje uma lanchonete [atualmente, Chopperia Vila Rica, "o melhor chopp do bairro" "Não temos comida a quilo, tudo é feito na hora e não demora. Experimente."]. Virando à direita, começo a subir Cândido Mendes. (...) Nenhuma casa antiga no princípio. Só os altos prédios. (...) Estaco sempre a contemplar as fachadas dos belos sobradões de números 118 e 117.

A velhinha põe-se a contar que, dia desses, tropeçou e caiu; culpa da sandália, de plástico. Na terra onde nasceu (e aí ela abre um parêntese e conta que nasceu em Sergipe) as sandálias eram de couro. Velhinha arretada!

Da vida nada se leva. A velhinha vive sua vida humilde, mas se tem o que comer, já é bom demais. Os filhos, criados, lhe deram netos, bisnetos. Mês passado, a filha, que mora em Aracaju, veio visitar a mãe, e foi logo reclamando da casa.

— Achou a casinha pequena demais. Por que não aluga um apartamento pra mim aqui na Glória? Filho, hoje em dia, só quer saber de bater papo. "Mãe, como é que está? Mãe, tudo bem?" Sabe de uma coisa? Quem bate papo é sapo. Dinheiro mesmo que é bom, pra ajudar, os filhos nem dão.


Quem acompanha o blog desde o princípio lembrará que esta foi a postagem número 1, de 17/7/05. Agora foi reformatada e ganhou fotos novas.

9.1.09

LAGOA RODRIGO DE FREITAS, de CARLOS HEITOR CONY

Texto extraído do livro Lagoa: História, Morfologia e Sintaxe, editado pela Relume Dumará. Fotos da Lagoa tiradas pelo editor do blog.


O Rio é mais Rio no verão, quando — como dizem os franceses — é bom suar. Sem jogar no lixo a temporada folgazã do carioca, prefiro a cidade nesse meio-ano.

Embora não seja outono, as amendoeiras na praça Paris ficam douradas, o chão coberto de folhas — anos atrás, trazendo Otto Maria Carpeaux para o trabalho, ele comparou a paisagem a um quadro de Utrillo. Um vienense, o Carpeaux: seu referencial era a cultura europeia. Sou carioca, meu referencial é minha própria raiz, Utrillo uma ova, o meu Rio é como aquele relógio do português que às vezes era de ouro e às vezes não era.




Tropical ou impressionista, a cidade talvez não seja boa para se viver, mas é ótima para se olhar. Quando acordo, olho a Lagoa, que renasce a cada manhã como uma criança. São três planos superpostos: o céu muito lavado, nem se pode dizer que é azul; as montanhas, que deviam ser verdes, ficam indecisas sobre a cor que o sol trará a cada uma delas. E a Lagoa, em si, é uma lâmina fina de laboratório que mistura em suas águas as cores que ainda não se definiram.

Eis que surge, enfim, uma cor nítida, estanque: é um barco de corrida, comprido, branco, uma brancura de creme, de filme de Luchino Visconti. Corta com a decisão de seu branco, esse amontoado de cores que aguardam o sol para serem azul ou verde, pelo menos até que a tarde chegue e misture tudo outra vez.




Os barcos de regata costumam ser da cor dos violinos. Mas este, que vem todas as manhãs, é branco. É ele que recebe a primeira luz do sol que enfim deu a cara, depois de vencer a nua pedra do morro dos Cabritos. E é dele que a luz parece se espalhar: o céu fica azul, verde fica a montanha, o dia nasceu da pele escura da Lagoa cortada pelo barco branco.

É um Rio bom que vejo a cada manhã. Depois leio os jornais. Olho mais uma vez a Lagoa: o barco branco sumiu. Amanhã virá outra vez.


OBRIGADO POR VISITAR O BLOG LITERATURA & RIO DE JANEIRO. VOLTE SEMPRE!

2.1.09

ARTE NAS RUAS II



Um dos temas recorrentes deste blog é a arte nas ruas. Como tudo na natureza e na civilização, a arte nas ruas passou por uma evolução. No tempo da ditadura tivemos as pichações políticas, que podiam dar cadeia. Depois veio a onda de pichações de "garatujas", espécie de "rubricas" dos pichadores que até hoje "emporcalham" os muros e fachadas. Em seguida, a invasão da estética hip-hop. E eis que a arte nas ruas diversifica temáticas e técnicas, transcendendo a iconografia hip-hop (como procuro mostrar nesta coletânea que recolhi pelas ruas cariocas).

O grafite é arte efêmera. Se ninguém fotografar, perde-se, como se perdeu a arte das ruas que João do Rio descreveu. Os grafites aqui mostrados do São Jorge e do Mágico de Oz, por exemplo (no elevado da entrada do Rebouças na Lagoa) recobrem grafites anteriores registrados na nossa postagem Poesia Jovem.

Moça no balanço, de Tito (Rua Tonelero)

Grafite multicolorido de Fael (Copacabana)

Grafite psicodélico na Rua Cinco de Julho, esquina com Santa Clara (Copacabana)

E o povo engole sapo.

Cena dantesca (perto do Jóquei Clube)

Paisagem carioca (Gávea)

Carmem Miranda

São Jorge vencendo o dragão (elevado do Rebouças na Lagoa)

O Mágico de Oz (mesmo local)

Um gari (Comlurb junto à estação de metrô Siqueira Campos; autor: Tito)

Um dos elefantes indianos em portas de lojas de Ipanema do artista plástico mineiro Andrea Brandani

Simpáticos gatinhos de E. Landim (Rua Barata Ribeiro)

Encerrando a postagem com chave de ouro, outro belíssimo grafite (Rua Figueiredo de Magalhães, esquina com Tonelero) de Tito, artista nova-iorquino que está morando no Rio.