ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

19.2.20

ADÈLE TOUSSAINT-SAMSON: UMA HISTÓRIA LÚGUBRE

O episódio a seguir, narrado pela viajante francesa Adèle Toussaint-Samson, que morou pouco mais de uma década no Rio de Janeiro em meados do século XIX, em seu livro Une Parisienne au Brésil, pode perfeitamente ter inspirado Machado de Assis a escrever seu conto O Esqueleto de 1875. Confiram o relato da Adèle.



A primeira vez que fui convidada no Rio para um dos bailes de São João, lembra-me que, dançando, lancei os olhos para o artista que se achava ao piano e fiquei impressionada pela estranha palidez de seu rosto. Tão extraordinária era que não pude resistir ao desejo de perguntar se esse moço, que poderia ter trinta e cinco anos, sofria de alguma enfermidade grave. Responderam-me que ficara assim desde o dia em que matara a mulher.

Imagine o efeito que sobre mim produziu tal resposta! Quis logo conhecer os detalhes dessa trágica aventura, e eis o que me contaram:

O senhor M..., um de nossos compatriotas, chegara três meses antes com sua mulher, moça e lindíssima, contratada como cantora nos teatros do Rio. Aos pés da encantadora artista choviam, todas as noites, os buquês e as cartas, e entre os mais apaixonados fez-se logo notar um jovem doutor da cidade, que tinha feito seus estudos na França, e cujo espírito havia assumido o tom zombeteiro e cético próprio dos parisienses. A moça correspondeu logo à paixão que inspirava e tornou-se amante do doutor. Começando o marido a desconfiar de alguma coisa, fez várias cenas de ciúme para a mulher. Entretanto, não tinha ainda certeza.

Um dia, ao vê-la pronta para sair, mais adornada que de costume, teve a intuição de que ela ia a um encontro amoroso e, colocando-se à sua frente:

– Não sairás! disse-lhe.

– Hei de sair! replicou ela, dirigindo-se para a porta. Então, o marido, puxando do peito uma pistola que mantinha lá escondida, desfechou aqueles dois tiros à queima-roupa contra sua jovem esposa, que se estendeu sem vida a seus pés; feito o que, foi entregar-se à prisão. Depois de ser julgado, foi absolvido pela lei, e ficou no país, onde a cada passo encontrava o homem que o desonrara. Teve a triste coragem de matar a mulher, mas não teve a de matar o homem.

Manchado por este crime, trazendo daí em diante, como eterno estigma, essa palidez cadavérica, continuava, entretanto, a vir às noites tocar polcas e quadrilhas para a juventude brasileira dançar, pois seu crime o pusera, até certo ponto, em moda.

Esta narração gelou-me; meus olhos não podiam se desviar desse homem, a quem geralmente lastimavam, enquanto eu não achava para ele, ao observá-lo, senão esta palavra: “Covarde!” O baile perdeu logo para mim, pouco a pouco, toda sua alegre fisionomia: a nota lúgubre dominava nele. Julguei-me sob o domínio de um conto de Hoffmann; parecia que um vampiro dirigia a dança. Pensei muitas vezes nessa jovem e bela criatura, morta sem piedade na flor da idade, e quis saber se o amante teria, ao menos, conservado sua lembrança. Responderam-me que, quando a moça morreu, mostrara grande dor, e fizera mesmo resgatar secretamente os restos mortais de sua amante. Isso me enterneceu.

Alguns anos depois consegui completar as informações sobre a aventura. Ei-las:

Soube que o amante, doutor em medicina, como ficou dito, fizera preparar e articular o esqueleto de sua antiga amante e, algumas vezes, depois de beber, chegara a dizer a alguns de seus mais íntimos amigos:

“Querem saber em que se transforma, depois da morte, uma mulher jovem e bonita, loura, branca e rosada? Vou mostrar-lhes!”

O doutor abria então um armário e, indicando com o dedo, sorridente, um horrível esqueleto de dentes brancos, que havia sido a formosa criatura cuja beleza ainda é proverbial no Brasil e que fora assassinada por causa dele:

“Eis aí!” dizia.

17.2.20

ADÈLE TOUSSAINT-SAMSON SOBRE A QUALIDADE DA ÁGUA CARIOCA



Da era colonial para cá muita coisa melhorou: não temos mais escravos, o cocô já não é mais lançado no mar, a febre amarela não dizima mais a população etc. Mas uma coisa piorou: a qualidade da água. Vejam a descrição de nossa água pela viajante francesa Adèle Toussaint-Samson em seu livro Une Parisienne au Brésil, publicado em 1883:

Du reste, l'eau est si bonne à Rio, que cette boisson est presque un régal. Aussi le Brésilien en boit-il, dans sa soirée, quatre ou cinq verres; elle est si limpide, si parfumée, si légère, cette eau de la Carioca, qui serpente sur de blancs cailloux, à travers les plantes aromatiques, et vous arrive toute fraîche et pleine de senteurs, qu'on s'en souvient toujours, et que le Brésilien a raison de dire : « Quand on a bu » cette eau-là, on n'en peut plus boire » d'autre. »

Além disso, a água é tão boa no Rio, que essa bebida é quase uma delícia. Também o brasileiro bebe quatro ou cinco copos à noite. É tão límpida, tão perfumada, tão leve essa água do Carioca, que serpenteia sobre seixos brancos, através das plantas aromáticas e chega até você totalmente fresca e cheia de odores, que sempre nos lembramos dela, e os brasileiros têm razão de dizer: “Quando alguém bebeu dessa água, não consegue mais beber outra.”