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Folha de rosto do livro RIO DE JANEIRO und seine Umgebungen im Jahr 1824 in Briefen eines Rigaer's (O RIO DE JANEIRO e seus arredores em 1824 em cartas de um natural de Riga) que, embora escrito em alemão, foi publicado pela Real Academia de Ciências de São Petersburgo em 1828. Uma edição brasileira, com tradução e notas de Joaquim de Sousa Leão Filho, foi publicada pela Companhia Editora Nacional em 1972, podendo ser acessada no site da UFRJ. Dessa edição extraímos os textos aqui transcritos. |
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Mapa do Rio de Janeiro incluído no livro de Ebel |
Da vida de Ernst Ebel pouco se sabe: natural de Riga (fato que revela no título de sua obra), capital da Letônia, na época controlada pelo Império Russo, em 14 de novembro de 1823 embarcou no brigue Theodor, na cidade dinamarquesa de Helsingor, com destino ao Rio de Janeiro, onde chegou em 28 de fevereiro de 1824, desembarcando na manhã seguinte. Seu livro, em forma de cartas a um amigo, escreveu-o em língua alemã, para seu entretimento, como narra no Prefácio, sem o propósito de divulgá-las. “Não obstante, para atender ao desejo de vários amigos que são de opinião que elas podem servir de guia útil a futuros visitantes daquela cidade, entrego-as agora à publicidade.” A obra, publicada em 1828 pela Real Academia de Ciências de São Petersburgo, teve uma edição brasileira em 1972 em tradução do diplomata e estudioso de iconografia e história da arte Joaquim de Sousa Leão Filho. Na Introdução, escreve o tradutor: “Tendo conhecido o Rio de começos de 1824, seu livrinho – uma compilação de cartas escritas a um amigo – permaneceu, pela sua raridade, uma peça, por assim dizer desconhecida da nossa bibliografia exótica, conquanto seja dos mais interessantes depoimentos que possuímos sobre a cidade e o país que acabava de conquistar sua independência – verdadeira reportagem – em que a pessoa do jovem soberano é olhada com simpatia e admiração.” Observe que o conceito negativo que Ebel tem dos negros escravos contrasta com a visão simpática de Maria Graham que esteve aqui mais ou menos na mesma época (como você pode conferir neste blog clicando aqui).
Sobre a vida do pintor inglês Augustus Earle (filho do pintor norte-americano James Earl) sabe-se bem mais. Sua curiosidade e espírito de aventura o levaram a longas e demoradas viagens mundo afora, conhecendo, entre outros países, Estados Unidos, Chile, Peru, Brasil, Austrália, Nova Zelândia, Índia. Em todos os lugares em que esteve documentou paisagens, costumes e personalidades. Esteve três vezes no Brasil: em 1820, permaneceu no Rio por dois meses (abril e maio). Após prosseguir viagem para o Chile e Peru, retornou à capital brasileira, lá permanecendo de janeiro de 1821 a princípios de 1824, tendo se tornado amigo de Maria Graham, a quem ofereceu três ilustrações para seu livro. Após três anos de permanência aqui, partiu rumo à África do Sul e Índia, mas acabou abandonado na ilhota de Tristão da Cunha, onde teve de permanecer oito meses até que um navio surgisse e o levasse à Oceania, onde permaneceu até 1828. Na Austrália deixou as aquarelas pintadas no Rio de Janeiro, que hoje integram o patrimônio da National Library of Australia, em cujo site podem ser acessadas (aqui).
A Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional publicou em seu no 12, em 1955 (aqui), artigo sobre Earle intitulado “Um pintor inglês no Brasil do Primeiro Reinado”, de autoria de David James. Também na Wikipedia encontramos um bom verbete sobre Earle. O artista integrou a equipe do Beagle na viagem de pesquisas topográficas e científicas de que participou também o então jovem Darwin, ocasião em que esteve pela terceira vez no Rio , de abril a junho de 1832. Em seu artigo, escreve David James: “As aquarelas brasileiras, feitas entre 1820 e 1824, podem ser divididas em quatro categorias: paisagens, cenas populares, retratos e espécimes de história natural. [...] É nas cenas populares que Augustus Earle revela seu grande talento para captar a essência da vida da gente do povo, no momento em que o Brasil passava de colônia a Império. Seu estilo é mais pungente e mais vigoroso do que se revela na arte um tanto pálida do desenho de Debret. É evidente que Earle não se sentia tolhido nem contrafeito pelas concepções e preconceitos neoclássicos que David havia imposto a Debret e que por vezes impedia o artista francês de desenhar com perfeita liberdade as cenas que se apresentavam a seus olhos. Há maior similaridade entre a obra de Earle e a de Rugendas".
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Capoeira, aquarela, 1822 |
DESEMBARQUE NO RIO DE JANEIRO
Estranha é a sensação do desembarque. Ao invés de brancos, só vi negros, seminus, a fazerem um barulho infernal e a exalarem um cheiro a altamente ofensivo ao olfato. Além do mais, era intenso o calor e tivemos que fazer longa caminhada até a polícia, cujo chefe, no momento, tinha ido à missa. Depois de esperarmos mais de uma hora voltou ele, finalmente, mais a família, ainda compenetrado da sacra cerimônia. Fomos, porém, pronta e cortesmente despachados, recebendo permissão para circularmos à vontade. [...] O barulho é incessante. Aqui uma chusma de pretos, seminus, cada qual levando à cabeça seu saco de café, e conduzidos à frente por um que dança e canta ao ritmo de um chocalho ou batendo dois ferros um contra o outro, na cadência de monótonas estrofes a que todos fazem eco; dois mais carregam ao ombro pesado tonel de vinho, suspenso de longo varal, entoando a cada passo melancólica cantilena; além, um segundo grupo transporta fardos de sal, sem mais roupa que uma tanga e, indiferentes ao peso como ao calor, apostam corrida gritando a pleno pulmão. [...] Por cima de tudo, o badalar contínuo dos sinos. É realmente para atordoar.
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Folguedos durante o Carnaval no Rio de Janeiro, aquarela, c. 1822 |
CARNAVAL
O carnaval, que em todos os países católicos é tão alegremente festejado, passa aqui despercebido; somente os três últimos dias são marcados por uma folia que, fora de Portugal, em nenhuma parte encontra paralelo. Consiste esta em divertirem-se senhores e gentalha, do meio-dia às Ave-Marias, molhando-se com água uns aos outros. Para isso, enchem os pretos uns limões de cera que põem à venda pelas ruas e com os quais a clientela trava combate até ficarem todos encharcados como pintos, inundando os interiores, ou até suspendê-lo de cansaço. Em muitas casas não se contentam as famílias com jogar limões senão que se servem de baldes e de esguichos para molhar os transeuntes. Onde as janelas estão fechadas, quebram as vidraças. Em suma, é uma brincadeira absurda a que se entregam não só conhecidos mas toda a sorte de gente.
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Vista dos arredores do Rio de Janeiro, aquarela |
PASSEIO PELA CIDADE
Agora, caro amigo, tens que me acompanhar num passeio pela cidade, cuja situação procurarei descrever da melhor maneira. O Rio de Janeiro está situado a 22° - 53 min de latitude sul e 43º - 12 min de longitude oeste, à margem esquerda da baía, na direção sudeste-nordeste. O extremo sul da cidade assinala-se por um monte sobre o qual fica o Convento de Santa Teresa; ao lado, e por ela em parte circundado, está o Morro de Santo Antônio com o Convento do mesmo nome; próximo ao mar, é o Morro do Castelo, fortificado, e, contíguo, o Calhabouço ( sic) – a prisão dos negros – ao alto, a igreja de São Sebastião. Estende-se o casario ao longo da praia até o Morro da Conceição e o Mosteiro de São Bento, também sobre uma colina, os quais constituem-lhe o extremo oposto. A cidade mede quase tanto de larga quanto de comprida e divide-se, de certo modo, em duas partes: a Velha e a Nova. A primeira vai da praia à rua do Vallo [Rua da Vala, atual Uruguaiana] e é a ocupada pelo comércio e o artesanato, sendo a mais densamente povoada; a segunda começa da referida rua em rumo oeste-sudoeste, atravessando a Praça da Lampadosa ou Largo do Teatro [atual Praça Tiradentes], o Campo de Santana ou da Aclamação, e chega até a Estrada Real. Nela moram a nobreza e o setor mais pobre da população: portugueses como brasileiros. As ruas cortam-se quase todas em ângulo reto, mas há muitas travessas mais antigas, tortas ou irregulares, que facilitam a localização quando se tem uma ideia de sua planta.
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Valongo, ou Mercado de Escravos no Rio - 5 de abril de 1824 - Desenho de Augustus Earle, gravura de Edward Finden - Do livro de Maria Graham Diário de uma viagem ao Brasil e de uma estada neste país durante parte dos anos de 1821, 1822 e 1823 |
MERCADO DE ESCRAVOS
Depois dessa sumária descrição, iniciemos o nosso passeio, começando pelo Valonguinho – a rua mais ao nordeste – onde ficam os mercados de escravo, os quais antes parecem uns barracões, e têm quase todos um quintal ao fundo.
Logo que chegam os navios negreiros – ocorrência frequente – os escravos são desembarcados e depois que se restabelecem relativamente da viagem, no geral curta, lá são expostos para serem vendidos. Há dias fundeou um com 250 negros, na maioria crianças de dez a quatorze anos, que, acocoradas nesses galpões em filas de três, pelo chão, assemelham-se mais a macacos, dando mostra, por sinal, de bom humor e satisfação, embora repelentes no aspecto e depauperados. Alguns compradores andavam à escolha dos que mais lhes convinham, o preço variando entre 150 a 300 mil-réis a peça (750 a 1 500 rublos).
Não posso deixar passar este ensejo sem abordar mais detidamente o tema da escravidão.
Os negros são importados da costa africana deste e daquele lado do Cabo da Boa Esperança, Moçambique, etc.; e isso porque, em virtude de tratados, não podem ser adquiridos ao norte do Equador, mas como os que procedem dessa parte são os melhores e mais robustos buscam os pombeiros recebê-los também de lá por vias travessas. Contudo, não abundam estes no Rio. De preferência trazem rapazes e raparigas novos para que se criem aqui, já que nem sempre os adultos se habituam às novas condições. As diversas raças africanas diferenciam-se quase à primeira vista pelas suas peculiaridades fisionômicas como pelo seu caráter de origem. Certa casta de negros por melhor tratados que sejam, guarda seus vícios e instintos de origem, enquanto outros, como os de Moçambique. são de índole mais branda e domável. Quase todos largam uma catinga, qual animais, que torna sua presença repulsiva ao forasteiro. O tratamento aqui dispensado aos escravos é, de modo geral, bom, seus senhores sendo severamente proibidos de puni-los com mais de quarenta chibatadas e, nos casos de crimes graves, devem ser entregues às autoridades que, por certo, os castigam severamente, segundo as circunstâncias, mas tal rigor sendo necessário para mantê-los sob o jugo, já que ultrapassam de longe, em número, a população branca. Os escravos podem alforriar-se legalmente quando indenizam seus senhores do que lhes custaram. Isto, para muitos, não é difícil porque têm a liberdade de procurar trabalho mediante o pagamento de uma prestação. Mas o negro pensa raramente no dia seguinte e, quando logra ganhar alguns vinténs gasta-os logo bebendo. Suas necessidades são mínimas, de resto. A roupa praticamente nada lhes custa e eles podem manter-se muito bem com 80 a 100 réis diários.
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Rita, decantada beleza negra no Rio de Janeiro, aquarela, 1822 |
CARACTERÍSTICAS DOS NEGROS
Conquanto não vá contestar que entre eles possa haver gênios e os tem havido, qual um Toussaint [L'Ouverture, líder da Revolução Haitiana], um Cristoph [Rei do Haiti], etc. nenhum observador de espírito aberto poderá negar que esta raça se encontra como que na meninice e se caracteriza por uma típica apatia que a inabilita para qualquer alto sentimento moral, só lhes deixando a inconsciente alegria da infância, pelo que nunca pensam no dia seguinte, sendo incapazes de qualquer vocação duradoura; na realidade só querem comer, dormir e amar. Isto se observa sobretudo entre os negros nascidos na África, mesmo quando chegados novos.
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Castigando negros no Calabouço, aquarela, 1822 |
MAU CHEIRO
Seguimos agora ao longo da praia ou do cais. A praça a que vamos dar [atual Praça XV], fica repleta até os muros de artigos postos à venda, toda sorte de lenha, bananas, tremoços, mandioca, feijão, etc. Aí prevalece um cheiro insuportável tal a imundície que nela se acumula, pois no Rio não há esgotos nem latrinas; tudo o que sai das casas é aqui em parte descarregado pelos negros no mar, para que as marés levem o que elas alcançam.
AGUARDENTE
Recém-destilada. a aguardente é uma bebida nociva que só as classes baixas e os negros consomem, mas quando envelhecida algum tempo perde essas propriedades maléficas. Velha, pareceu-me mesmo de gosto excelente.
CRUELDADE DAS MULHERES
Correu há dias o boato de que uma senhora, conhecida pela sua crueldade, havia morto a pancadas uma de suas escravas. A reação foi tão generalizada e rumorosa que as autoridades, informadas, deram-lhe ordem de prisão. É verdade que ela logo conseguiu sair; todavia por este exemplo se verifica que conduta assim escandalosa não passa sem punição. Contudo parece ser verdade e é curioso que quase todas essas desumanidades aqui praticadas contra o negro partam das mulheres. O elemento feminino da população trataria os escravos com mais dureza que o masculino. Que capítulo edificante não poderia escrever algum inimigo da mulher sobre qual seria a sorte de nós homens se o belo sexo também mandasse na sociedade!
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Dança de negros na rua, aquarela, 1822 |
BARULHO DAS RUAS
Entretanto, meus ouvidos europeus não se conciliam é com o barulho das ruas. Bem cedo, às cinco horas começa o espetáculo.
Primeiro, um retumbante tiro de canhão da Ilha das Cobras estremece as janelas e obriga-me a despertar, conquanto a escuridão seja ainda total. Às cinco e meia, um corneta da guarda policial, vizinha, soa a alvorada e de que maneira dissonante! Logo a seguir badalam os sinos por toda a cidade, especialmente os da Candelária, justo ao lado, tão ruidosa e demoradamente como se quisessem acordar os mortos. Nos dias santos, soltam, ainda por cima, rojões às dúzias, para que os fiéis não durmam a primeira missa. Às seis em ponto, passam os presos a buscar água, rangendo as correntes. Os papagaios, de que a redondeza está saturada, soltam seus gritos estridentes e, antes mesmo das sete, a ralé dos cangueiros e vendilhões já está de pé a tagarelar e a berrar.
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Extraindo um bicho-de-pé, aquarela, 1822 |
INSETOS
O que incomoda de mais o forasteiro é a variedade de insetos que o apoquentam. Malgrado estar eu morando em casa nova, que mantenho na maior limpeza, logo se infiltraram inúmeras baratas. Não é que causem danos, mas são repugnantes como as nossas tarakanen [tenebrião].
FALTA DE BELEZA DAS MULHERES
Pude ver nessa oportunidade grande número de mulheres, confirmando-se minha primeira impressão de que, entre as naturais do país, poucas mostram beleza de traços; em compensação não lhes faltam olhos bonitos, negros e expressivos. Sua compleição amarela e descorada, porém não as favorece. Deste ponto de vista, as mulatas, no geral, mostram uma coloração mais viva, em nada desagradável. Quanto às negras, pouquíssimas chamam a atenção.
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Quando jovens são bastante esbeltas, apesar de não usarem cintas ou raramente, mas têm forte inclinação para a gordura, logo perdendo este encanto.
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D. Pedro I no dia de sua coroação no Rio de Janeiro, aquarela, 1822 |
DOM PEDRO I
D. Pedro I, Imperador e Defensor Perpétuo do Brasil – assim reza o seu título – é um jovem de vinte e poucos anos, de ótima constituição física, presença sem dúvida imponente e traços aristocráticos. No geral, tem um ar sobranceiro sem ser sombrio, e é dotado, de mais a mais, de coragem e pertinácia. É certo que sua educação foi muito descurada e lhe faltam conhecimentos científicos, mas parece que ele se dá conta dessa falha e faz o possível por superá-la.
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Em tais circunstâncias, não é coisa fácil, na verdade, tomar as rédeas do governo, tanto mais quanto se vive perenemente sob a ameaça direta ou indireta de um ataque de Portugal. Ninguém ousa confiar no próximo e, além do mais, o tesouro do Estado atravessa terrível maré baixa de que só o tempo e uma boa administração poderão safá-lo. O Imperador faz o que pode. Com coragem pessoal e enérgica conduta soube infundir respeito àqueles de seus súditos que não conseguiu levar por bem; mostra-se sempre e de bom grado ao povo, tendo sabido impor-se; inspeciona em pessoa e amiúde a Alfândega, o Arsenal e outras repartições. Onde surpreende operários desocupados, castiga-os a bengaladas com as próprias augustas mãos, como eu mesmo presenciei no Arsenal.
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Assim, é bem sabido que se ele chega a casa com fome e encontra seus criados à mesa, participa sem a menor cerimônia da refeição; também quando toma banhos de mar em Botafogo, o que é sempre motivo para atrair curiosos, diverte-se o Imperador em brincar com as crianças, jogando-as na água; outras vezes sai a passeio, muito à vontade, pela praia in puris naturalibus [em estado de natureza, ou seja, nu], deixando que desconhecidos lhe beijem as mãos, o que às vêzes acontece na presença de mulheres.
EXECUÇÃO DE UM CRIMINOSO
Acabo de assistir a uma cena verdadeiramente horripilante: a execução de um criminoso. [...] A execução teve lugar no Morro da Conceição, onde foi levantada uma forca. Cheguei lá justo no momento em que aquele já estava sobre o catafalco, as mãos atadas, o rosto escondido por amplo capuz que o tornava invisível; um padre à frente fazia sua exortação e dois negros desempenhavam as funções de carrascos. Tinham-lhe amarrado a corda ao pescoço, mas tanto demoraram os dois diabos na terminação dos seus preparativos que foi, sem dúvida, uma falta de humanidade deixar o delinquente nessas condições, que na certa equivaleu a dez suplícios o tempo levado nesses vaivéns. Finalmente, foi ele empurrado do estrado, enquanto um dos negros pendurou-se de seu pescoço para quebrar-lhe a nuca, tudo terminando depois disso.
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Vista do Pico do Corcovado, perto do Rio de Janeiro, aquarela, c. 1822 |
SUBIDA AO CORCOVADO
Depois elo desjejum, subimos o Corcovado, o pico mais alto nas imediações do Rio, que não fica longe dessa plantação. A subida é muito difícil e cansativa, mas quando se chega ao cume, somos mais que compensados pelo imenso panorama que de lá se descortina. O oceano perde-se no infinito, o Rio e seus arredores ficam aos nossos pés.
SEGURANÇA PÚBLICA
A segurança pública é mantida com rigor por soldados que patrulham as ruas toda a noite e, fora alguns roubos insignificantes, não ouvi falar, durante minha permanência de três meses, de nenhum atentado, posto que se pretenda que muitas dessas patrulhas, compostas de brasileiros, cometam elas mesmas excessos. Várias vezes circulei, tanto de dia como de noite, mesmo pelos arrabaldes afastados, sem ser jamais molestado. Escusado é dizer que ninguém deve se expor afoitamente, pois que em cidade alguma escapará incólume ao perigo.
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Um eclesiástico do Rio de Janeiro, aquarela, 1822 |
EDUCAÇÃO
De modo geral, a educação que recebe a gente da terra é deficiente. Mesmo nas melhores famílias, os jovens são malcriados e preguiçosos e, como nessa idade, entregam-nos aos cuidados dos escravos, com estes se parecem sob muitos aspectos. Se um rapaz aprende a ler, escrever e contar, dão por terminada sua educação: outros conhecimentos são grego para ele. Igualmente, no que respeita à moral, sendo da mesma forma seus mestres os negros e, como estes têm na infidelidade, na preguiça e na licença uma segunda natureza, pode-se imaginar que formação imprimem em seus discípulos.
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A educação das jovens ainda é mais desleixada, se possível, já que, até casarem, pouco saem de casa, salvo para ir à missa: contatos com o outro sexo são-lhes proibidos. A educação que recebem é das mães, não menos ignorantes, e das escravas.
DIVERSÕES PÚBLICAS
No que concerne a diversões públicas, a situação é lamentável; na verdade, não existem de todo. O brasileiro costuma sentar-se, de noite, à porta da casa para fumar o seu charuto; quando muito vai até a praia ou ao Largo do Paço respirar a aragem do mar, mas raramente o acompanha a família.
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Vista de perto do Rio de Janeiro, aquarela, 1822 |