ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

20.12.15

NATAL NOS VELHOS TEMPOS

Igrejinha de Copacabana pelo artista plástico Camões

Como teria sido o Natal brasileiro antes de sua "europeização" e da adoção da árvore de Natal e do Papai Noel? A julgar pelo conto do Machado de Assis, Missa do Galo ("Era noite de Natal. Havendo ajustado com um vizinho irmos à missa do galo, preferi não dormir; combinei que eu iria acordá-lo à meia-noite."), por Um Passeio Pela Cidade do Rio de Janeiro de Joaquim Manuel de Macedo (autor de A Moreninha) e pela crônica Como se Ouve a Missa do Galo de João do Rio, publicada em 1906, a grande atração da véspera do Natal era a missa do galo. As pessoas acorriam à missa em massa como hoje vão à queima de fogos do Réveillon. Mas a missa em si, mero pretexto para brincadeiras, paqueras, bebedeiras. Pelo menos é o que se depreende da crônica saborosa do João.

 
Igrejinha de Copacabana em cartão postal de 1910

COMO SE OUVE A MISSA DO GALO (trechos), de JOÃO DO RIO

Eu estava exatamente defronte da igreja de Santana, dispondo de um automóvel possante. Era a mais que alegre hora da meia-noite que alguns temperamentos românticos ainda julgam sinistra. Aquele trecho da cidade tinha um aspecto festivo, um estranho aspecto de anormalidade. (...)

Grupos de rapazes berravam graças, bondes paravam despejando gente, vendedores ambulantes apregoavam doces e comestíveis; todos os rostos abriam-se em fraterna alegria, e naquela sarabanda humana, naquele vozear estonteante, uma nota predominava – a do namoro. Os rapazes estavam ali para namorar, para aproveitar a ocasião. (...)

Copacabana devia ser divertido. Tomei de novo o automóvel e disse ao chauffeur:

– Para Copacabana.

Naquele delicioso percurso da Avenida Beira-Mar, toda ensopada de luz elétrica, outros automóveis de toldo arriado, outros carros, outras conduções corriam na mesma direção. Homens espapaçados nas almofadas davam vivas, mulheres de grandes chapéus estralejavam risos, era uma estrepitosa e inédita corrida para Cítera [ilha do Egeu famoso pelo templo a Afrodite]

(...) Cerca de três mil pessoas – pessoas de todas as classes, desde a mais alta e a mais rica à mais pobre e à mais baixa, enchia aquele trecho, subia promontório acima [em direção à igrejinha de Copacabana]. E o aspecto era edificante. Grupos de rapazes apostavam em altos berros subir à igreja pela rocha; mulheres em desvario galgavam a correr por outro lado, patinhando a lama viscosa. Todos os trajes, todas as cores se confundiam num amálgama formidável, todos os temperamentos, todas as taras, todos os excessos, todas as perversões se entrelaçavam. (...)

De todos os lados partiam cantos de galo. Os cocoricós clássicos vinham finos, grossos, roufenhos, em falsete: – Cocoricó! Cocoricô!

– Já ouviste cantar o galo?
– Pois hoje não é a missa dele?
Cocoricó! pega ele pra capar!
– Pega!

A igrejinha [de Copacabana] estava toda iluminada exteriormente à luz elétrica. Defronte de sua fachada lateral haviam armado um botequim. A turba arfava aí, presa entre a bodega e o templo...

(Do livro A alma encantadora das ruas, de João do Rio, organizado por Raúl Antelo e publicado pela Companhia das Letras)



Igrejinha de Copacabana em antiga foto de Marc Ferrez

UM PASSEIO PELA CIDADE DO RIO DE JANEIRO (trecho), de JOAQUIM MANUEL DE MACEDO

As festas do Natal estendiam-se, como ainda hoje, do dia 25 de dezembro do ano que acabava até 6 de janeiro do novo que começava. Nelas, porém, predominavam os dias de Natal, de Ano Bom e de Reis. 

O dia de Natal era notável pela missa chamada do galo, pelas ceias alegres que a precediam e que tão famosas eram, e pelos presépios que se abriam ao público, e a que concorriam chusmas de visitadores. 

No fim do século passado, os presépios mais estimados do Rio de Janeiro eram três. O da ladeira de S. António, que os religiosos franciscanos apresentavam anualmente. O do convento da Ajuda [onde hoje fica a Cinelândia], mais pequeno que o precedente talvez, porém mais curioso e atrativo, porque ao mesmo tempo em que se viam as figuras do presépio, se ouviam cantos religiosos e análogos ao assunto, entoados pelas freiras. E incontestavelmente superior a ambos, o presépio do Livramento, na casa que fica ao lado direito da capela de N. S. do Livramento. 

Estes presépios conservavam-se abertos e patentes ao público em todas as noites, desde a do Natal até à de Reis.

(Do capítulo "A Capela e o Recolhimento de N. S. do Parto")

Nota: A igrejinha, citada na crônica de João do Rio, situava-se onde hoje se ergue o Forte de Copacabana. Uma dica para cariocas e visitantes: o forte, que abriga o Museu Histórico do Exército, está aberto à visitação. De lá você desfruta vistas magníficas das praias de Copacabana, Arpoador e Ipanema. Saiba mais sobre o forte clicando em FORTE DE COPACABANA no GUIA DO RIO no cabeçalho deste blog. 

19.12.15

INAUGURAÇÃO DO MUSEU DO AMANHÃ

TEXTO DE RAFAEL TEIXEIRA PUBLICADO ORIGINALMENTE NA VEJA-RIO DE 12/12/205 E FOTOS (TIRADAS NA VÉSPERA DA INAUGURAÇÃO, COM O MUSEU AINDA VAZIO) DE SANDRA SANTOS


Em Atlas, seu último livro publicado em vida, o argentino Jorge Luis Borges escreveu, a respeito de um dos maiores desertos do mundo: “Ao pé das pirâmides, tomei um punhado de areia, caminhei alguns passos, despejei-o um pouco à frente e disse para mim mesmo: eu modifiquei o Saara”. O trecho, simbolicamente, adorna uma parede do Museu do Amanhã, o mais novo centro cultural da cidade, construído em uma área de 34 000 metros quadrados na Zona Portuária, defronte à renovada Praça Mauá e às margens da Baía de Guanabara. Com linhas arrojadas projetadas pelo estrelado arquiteto espanhol Santiago Calatrava, o espaço abre finalmente suas portas ao público no próximo sábado (19), após cinco anos de obras que consumiram 215 milhões de reais. Dentro do edifício estão reunidas atrações de alta tecnologia que convidam o visitante a refletir sobre a construção do futuro com base no impacto das ações humanas no planeta. “Queremos que as pessoas sejam inspiradas por aquela ideia do Borges”, diz o físico e doutor em cosmologia Luiz Alberto Oliveira, curador do museu, referindo-se ao conceito evocado no texto do escritor, de que profundas transformações coletivas começam com pequenos gestos individuais.
O coração do museu é uma exposição de longa duração instalada no 2º piso, em uma galeria com 300 metros de comprimento. Cinco perguntas fundamentais, que acompanham a humanidade desde os seus primórdios, norteiam a visita: de onde viemos, quem somos, onde estamos, para onde vamos e como queremos ir? (Leia mais na Veja-Rio clicando aqui.)

12.12.15

HANGAR DO ZEPPELIN EM SANTA CRUZ


Dá-se o nome de zeppelin a um charuto de seda, com arcabouço de alumínio e alma de hidrogênio... (Ideias no Ar, Berilo Neves, em O Malho, 21/5/1936)

1936 de Petrarca Maranhão (revista O Malho, 19/3/1936)

Panorama: um avião no céu reboa
O ruído estrepitante dos motores...
No porto, embaixo, o apito dos vapores
Numa rima sincrônica ressoa...

À distância, na altura, lento, voa,
Irradiando centelhas multicores
Que se esbatem do sol nos esplendores,
Um Zeppelin que barra a dentro aproa!...

Perto, o silvo violento, — estranho berro —
De um trem na elétrica estação de ferro
Ecoa... Tudo em torno é vida e excesso...

... E a cidade no brouhaha da rua,
Nos klaxons de automóveis, tumultua,
No simbolismo mesmo, do "Progresso"!...

Zeppelin saindo do Hangar em painel assinado por Creuza de 1999

O Hangar do Zeppelin foi construído entre 1934 e 1936. Suas estruturas vieram da Alemanha e a mão-de-obra foi brasileira, supervisionada por técnicos alemães. Em seu interior podia ser acomodado um Zeppelin. O Hangar mede 274m de comprimento, 58m de altura e 58m de largura. É o único ainda existente, já que os outros dois construídos na Alemanha foram destruídos durante a Segunda Guerra Mundial. Dois Zeppelins faziam a linha da América do Sul, por serem os melhores e os maiores: Graff Zepellin e o Hindenburg. Partiam de Frankfurt, na Alemanha, atracavam em Pernambuco e desciam em Santa Cruz (Rio), onde eram recolhidos dentro do Hangar para a manutenção, o reabastecimento e o embarque de passageiros. Com o incêndio do Hindenburg em 1937, nos Estados Unidos, o projeto dos Zeppelins foi cancelado. O Hangar serviu de base para o 1o Grupo de Aviação de Caça da Força Aérea Brasileira, que atuou na Segunda Guerra Mundial. A escolha de Santa Cruz para sediar o Hangar se deveu às condições climáticas, direção dos ventos, velocidade e possibilidade de locomoção através de outros meios de transporte, ligando o bairro à Cidade. O hangar recebeu o nome de Aeroporto Bartolomeu de Gusmão, onde hoje está localizada a Base Aérea de Santa Cruz, o maior complexo aerotático da América Latina. (Dados obtidos no totem de informações em frente ao Hangar) 


Base Aérea de Santa Cruz

O Hangar

Entrada menor (nordeste)

Dentro do hangar

Dentro (detalhe)


Em 1934 o Governo brasileiro assinou um contrato com a empresa alemã Luftschiffbau Zeppelin para o estabelecimento de uma linha regular de dirigíveis entre o Brasil e a Europa, bem como a construção de um aeroporto para dirigíveis no Rio de Janeiro. A escolha do local deveu-se ao regime de ventos e ausência de nevoeiro e bruma. O hangar foi construído com a entrada principal voltada para sudoeste, de modo que o vento o percorresse longitudinalmente, evitando o desgaste da estrutura se o vento batesse de lado. O então chamado Aeroporto Bartholomeu de Gusmão foi inaugurado na manhã do dia 26 de dezembro de 1936 em cerimônia a que compareceram o embaixador alemão, políticos, o ministro da Viação e o presidente Getúlio Vargas. Ao jornal O Globo declarou o Presidente: “A minha impressão é a mais grata, por isso que é no meu governo entregue ao tráfego aéreo o maior aeroporto do mundo.” Ao arrendar o aeroporto pelo prazo de trinta anos para a Luftschiffbau Zeppelin o governo esperava ressarcir as despesas com a construção do aeroporto. Só que, com o incêndio do Hindenburg e o início da Segunda Guerra Mundial, os voos dos zepelins foram descontinuados, ficando apenas na memória de quem os via flutuando pelos céus cariocas, como o poeta Manuel Bandeira, que escreveu uma crônica intitulada "Zeppelin em Santa Teresa". O Hangar foi tombado pelo Município em 1992, e visitas devem ser agendadas com o Sargento Arruda da Comunicação Social, telefone 3078.0389.


O Zeppelin dentro do Hangar (foto do Centro de Memória)

O Hangar, o Zeppelin, a alfândega e o trem

Antigo depósito esférico de hidrogênio, agora de água, e o Hangar à direita.

Uns vinte anos atrás o depósito foi pintado como um globo terrestre com indicação da rota do Zeppelin

TRECHO DO ARTIGO "A SEMANA ZEPPELIN" NA REVISTA FON FON DE 24 DE MAIO DE 1930:



A SEGUIR, FOTOS DO ZEPPELIN SOBRE O RIO DE JANEIRO EXTRAÍDAS DA REVISTA O MALHO:








1.12.15

INAUGURAÇÃO DA CASA DO JONGO DA SERRINHA


TEXTO DE HELOIZA GOMES PUBLICADO NA VEJA-RIO DE 20/11/2015. FOTOS E VÍDEO DO EDITOR DO BLOG.

No domingo (29), a partir das 10 horas, o carioca tem um encontro marcado com suas raízes. É que nessa data será inaugurada a Casa do Jongo, que servirá de sede para o Grupo Cultural Jongo da Serrinha, criado há cinquenta anos em Madureira. A festa terá lavagem da Rua Compositor Silas de Oliveira (onde fica o estabelecimento), com líderes de diversas religiões, café da manhã, rodas musicais e apresentação da orquestra de alunos da UFRJ. Tudo, é claro, ao som do jongo.





O imóvel, doado pela prefeitura do Rio em 2013, fica no pé do Morro da Serrinha, local de resistência do gênero musical. Afinal, foi lá que, na década de 60, Mestre Darcy do Jongo (1932-2001), ao ver que a batucada e as danças corriam o risco de desaparecer, convidou algumas jongueiras, como Vovó Teresa (1864-1979) e Djanira do Jongo (1934-1995), para passar seu conhecimento às novas gerações — até então, por tradição, o jongo podia ser dançado somente por idosos. Estava então formado o grupo Jongo da Serrinha, com a missão de perpetuar o misto de dança e cantigas (chamadas de pontos) nascido na África.

O jongo, ou caxambu, como também é conhecido, chegou ao Brasil por meio dos negros de origem bantu, trazidos como escravos para trabalhar nas fazendas do Vale da Paraíba, Minas Gerais e São Paulo. Nessa época, só tinham permissão para se manifestar nos dias dos santos católicos. Na prática, o jongo é constituído de dança de roda e de cantigas de frases curtas, entoadas por um solista, cujo refrão é respondido pelo restante do grupo. A natureza, a opressão e o cotidiano são alguns de seus temas.

Com a abolição da escravatura, os ex-cativos migraram para o Rio e, com o tempo, foram se instalando nos morros cariocas, como São Carlos, Salgueiro, Mangueira e Serrinha. A partir da década de 30, no entanto, a prática foi desaparecendo, e o único local a manter a tradição foi o Morro de Madureira. Foi graças aos jongueiros do bairro que o gênero sobreviveu e, em 2005, foi tombado como o primeiro bem imaterial do Estado do Rio de Janeiro.