ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

30.10.16

ELEIÇÕES NO TEMPO DE MACHADO DE ASSIS


Já em 1884, no tempo do Império, quando o voto para a Assembléia Geral era censitário (só votavam pessoas acima de certa renda) e as mulheres sequer tinham esse direito, Machado de Assis escreveu uma crônica - bem atual - satirizando os políticos pedindo votos. Vamos a ela:



Venho pedir-lhe o seu voto na próxima eleição para deputado.

— Mas, com o senhor, fazem setenta e nove candidatos que...

— Perdão: oitenta. Que tem isto? A reforma eleitoral deu a cada eleitor toda a independência, e até fez com que adiantássemos um passo. [...]

— Bem; pede-me o voto.

— Sim, senhor.

— Responda-me primeiro. Que é que fazia até agora?

— Eu...?

— Sim, trabalhou com a palavra ou com a pena, esclareceu os seus concidadãos sobre as questões que lhe interessam, opôs-se aos desmandos, louvou os acertos...

— Perdão, eu...

— Diga.

— Eu não fiz nada disso. Não tenho que louvar nada, não sou louva-deus. Opor-me! É boa! Opor-me a quê? Nunca fiz oposição.

— Mas esclareceu...

— Nunca, senhor! Os lacaios é que esclarecem os patrões ou as visitas: não sou lacaio. Esclarecer! Olhe bem para mim.

— Mas, então, o que é que o senhor quer?

— Quero ser deputado.

— Para quê?

— Para ir à câmara falar contra o ministério.

— Ah! é contra o Dantas?

— Nem contra nem pró. Quem é o Dantas? Eu sou contra o ministério... Digo-lhe mesmo que a minha idéia é ser ministro. Não imagina as cócegas com que fico em vendo um dos outros de ordenanças atrás... Só Deus sabe como fico!

— Mas já calculou, já pesou bem as dificuldades a que...

— O meu compadre Z... diz que não gasta muito.

— Não me refiro a isso; falo do diploma, o uso do diploma. Já pesou...

— Se já pesei? Eu não sou balança.

— Bem, já calculou...

— Calculista? Veja lá como fala. Não sou calculista, não quero tirar vantagens disto; graças a Deus para ir matando a fome ainda tenho, e possuo braços. Calculista!

— Homem, custa-me dizer o que quero. O que eu lhe pergunto é se, ao apresentar-se candidato, refletiu no que o diploma obriga ao eleito.

— Obriga a falar.

— Só falar?

— Falar e votar.

— Nada mais?

— Obriga também a passear, e depois torna-se a falar e votar. Para isto é que eu vinha pedir-lhe o voto, e espero não me falte.

— Estou pronto, se o senhor me tirar de uma dificuldade.

— Diga, diga.

— O X. pediu-me ontem a mesma coisa, e depois de ouvir as mesmas perguntas que lhe fiz, às quais respondeu do mesmo modo. São do mesmo partido, suponho!

— Nunca: o X. é um peralta.

— Diabo! Ele diz a mesma coisa do senhor.

Crônica de Machado de Assis de 10 de novembro de 1884, publicada na seção "Balas de Estalo" da Gazeta de Notícias, extraída do livro Crônicas de Lélio (Ediouro). Foto de Machado de Assis por Marc Ferrez.

20.10.16

HISTÓRIA DO RIO DE JANEIRO, de STANISLAW PONTE PRETA


A coisa começou no século XVI, pouco depois que Pedro Álvares Cabral, rapaz que estava fugindo da calmaria, encontrou a confusão, isto é, encontrou o Brasil. Até aí não havia Rio de Janeiro.

Depois em 1512 – segundo o testemunho ocular de Brício de Abreu – rapazes lusitanos que estavam esquiando fora da Barra, descobriram uma baía muito bonita e, distraídos que estavam, não perceberam que era baía. Pensaram que era um rio e, como fosse janeiro, apelidaram a baía de Rio de Janeiro. Eis, portanto, que o Rio já começou errado.

Passaram-se os anos, os portugueses não deram muita bola pra descoberta, e vieram uns franceses intrusos e se alojaram na baía. Foi então que os portugueses abriram os olhos e, ao mesmo tempo, abriram fogo contra o invasor, chefiados por um destemido cavalheiro que atendia pelo nome de Estácio de Sá (onde mais tarde se fundaria a primeira escola de samba, mas isso foi depois). Estácio era sobrinho de Mem de Sá, ex-governador geral e primo de Salvador de Sá, que mais tarde viria a governar a cidade. É interessante notar que, muito tempo depois, quem descer pela Rua Mem de Sá, vai dar na Rua Salvador de Sá que, por sua vez, passa pelo Largo do Estácio, também de Sá. 

Quando os comandados de Estácio de Sá iniciaram a batalha contra os franceses, a coisa foi dura e só se resolveu numa derradeira batalha travada na Praia de Uruçumirim. Para vencer tiveram de suar a camisa e é por isso que, mais tarde, a Praia de Uruçumirim ficou sendo a Praia do Flamengo, o célebre Flamengo que, por tradição, sua a camisa até hoje. Isso aconteceu aí pelo ano de 1567 e estava fundada a cidade do Rio de Janeiro, a mesma que viria a ser, em 1763, capital do vice-reinado, e depois capital da República dos Estados Unidos do Brasil. 

A cidade foi construída sobre alagadiços e a brava gente, que a construiu, secou tão bem os alagadiços que até hoje está faltando água. Quando, em 1763, foi considerada capital do vice-reinado, a cidade tinha somente 30 mil habitantes natos e mais, naturalmente, o Brício de Abreu, que não nasceu aqui, mas em Paris, de onde veio ainda pequenino no vapor Provence

Daí por diante o Rio de Janeiro foi crescendo, foi crescendo, foi crescendo e ... pimba! estourou. E, como tudo que estoura, abriu buraco pra todo lado.

Tal é, em resumo, a história do Rio de Janeiro, que foi descoberto por portugueses navegadores e que portugueses do comércio atacadista da Rua Acre querem levar para Portugal. Daí o velho ditado de Tia Zulmira: “Cabral descobriu o Brasil e Manoel quer carregar”.

Não é, como o leitor mais arguto pouquinha coisa pôde perceber, uma história tão brilhante assim, como pretandem as letras dos sambas apoteóticos. 

Do livro Tia Zulmira e Eu. Stanislaw Ponte Preta foi o pseudônimo sob o qual Sérgio Porto escrevia suas impagáveis crônicas, figurando personagens como Tia ZulmiraPrimo Altamirando. Disse ele: "Quando inventei o pseudônimo Stanislaw Ponte Preta foi justamente para que o Stan não prejudicasse o Sérgio. Isto é, eu, Sérgio, queria escrever coisas sérias, o Stanislaw deveria abordar — na qualidade de jornalista — assuntos inconsequentes, tais como mundanismo, divertissement." Ilustração  superior de Alcy Linares.