ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

27.5.07

MORRO DO LIVRAMENTO: NOS PASSOS DE MACHADO DE ASSIS

Morro do Livramento visto do Morro da Saúde

Morro do Livramento visto da Rua Sacadura Cabral

Morro do Livramento visto do Morro da Conceição; observe bem à esquerda a Favela da Providência, a mais antiga do Rio

Machado de Assis tem um conto que começa assim: "A escola era na Rua do Costa, um sobradinho de grade de pau. O ano era de 1840. Naquele dia - uma segunda-feira, do mês de maio - deixei-me estar alguns instantes na Rua da Princesa a ver onde iria brincar a manhã."
Mais de 160 anos depois - mais precisamente hoje - refiz o caminho do personagem de Machado, descendo a escadaria da Rua Costa Barros. Não achei a escola, mas, apesar da chuva forte, fiquei encantado em ver como o
Morro do Livramento conserva muito do Rio antigo.

Tenho batido perna por aquelas bandas, na
Zona Portuária da cidade, e me deliciado em encontrar no morro onde nasceu Machado sobrados que parecem saídos do subúrbio. É um Rio formado por igrejinhas, calçamentos pé-de-moleque, granito na soleira das portas, e muitas biroscas. Um Rio pouco conhecido dos cariocas, talvez receosos de subir uma favela.

Se Machado refizesse hoje seus passos pela região da
Gamboa, veria que pouco mudou. Talvez estranhasse ver o estado de sua casa - pelo menos a que me dizem ser sua casa. Está caindo aos pedaços, invadida que foi por uma família. Ao lado, uma antena da Embratel desfigura e enfeia aquela paisagem de resto congelada no tempo.

(Texto de Mauro Ventura publicado originalmente em 14/11/2006 no blog NO FRONT DO RIO)

Ladeira do Livramento (vamos subir?)

Chalés na Rua Rosa Saião

Esquina da Ladeira do Livramento com a Rua Costa Barros (esquerda) e Rua do Monte (direita)

Panorama da Rua do Monte

No alto da Ladeira do Livramento, onde se situava o casarão e a capela da chácara do Barroso, ergue-se uma antena da Embratel

No ano de 1839 [quando nasceu Machado de Assis], a cidade do Rio de Janeiro, atrasada e insalubre, tinha uma população de cerca de 300 mil pessoas, grande parte das quais escravos [...]

Na época, os morros da parte central da cidade, em situações privilegiadas, eram dominados por estabelecimentos militares, como o da Conceição, ou por ordens religiosas, como o de São Bento, o do Castelo, o de Santo Antônio, o de Santa Teresa e, ainda, pela gente rica, que aí construía suas mansões, no centro de chácaras ou quintas. O morro do Livramento, na época, era o domínio de uma grande família de origem portuguesa, cuja figura central era uma verdadeira matriarca, D. Maria José de Mendonça Barroso Pereira. Ela enviuvara, pela segunda vez, ao falecer, a 8 de fevereiro de 1837, o senador do Império Bento Barroso Pereira [...]

Além dos seus numerosos escravos, os proprietários tinham também agregados, e entre estes, Maria Leopoldina Machado da Câmara [mãe de Machado de Assis], nascida a 7 de março de 1812 em Ponta Delgada, cidade da ilha de São Miguel, no arquipélago dos Açores, e que viera menina para o Brasil, para onde emigraram seus pais. Adulta, servia à família rica, ocupando-se de costuras e bordados, além de outras tarefas ancilares, e sabia ler e escrever. Já com 26 para 27 anos, ela se casaria com o operário Francisco José de Assis [pai de Machado], pardo forro, de 32 anos, que exercia a profissão de pintor de casas e dourador. Este, se não era também um agregado da chácara, teria sido chamado para aí executar seus trabalhos profissionais, conhecendo então a ilhoa branca, mas pobríssima, que com ele se dispôs a casar. [...]

A capela e o palacete onde vivia a numerosa família [proprietária da chácara] eram as edificações dominantes do morro do Livramento. Havia ainda outras, destinadas a escravos e agregados.

Extraído de R. Magalhães Júnior, Vida e obra de Machado de Assis, Volume 1, "Aprendizado"

Perto da antena da Embratel, este imóvel antigo, que segundo moradores do morro teria sido a "casa de Machado de Assis". Na verdade, Machado, cuja mãe era agregada da chácara, deve ter morado em casa mais modesta, mas talvez este imóvel fizesse parte da chácara.

Casarão visto de perto. Segundo Alexei Bueno, a quem mostrei as fotos, "esse casarão, apesar de muito adulterado, com uma platibanda tardia estragando o beiral, etc., me parece do final do XVIII. É um exemplar precioso de arquitetura civil desse período, do qual tão pouca coisa sobrou no Rio, excetuando os exemplares rurais. Só por isso, para mim, já merecia ser tombado e restaurado. Esse casarão é realmente bem antigo, e me parece uma construção importante, não é uma coisa popular. Ele foi cortado ao meio, desmembrado, seguramente. Aquele edifício colado a ele está sobre uma área onde a construção continuava, dá para ver no corte do beiral. É bem provavel que seja uma parte reminiscente da sede da Chácara do Barroso (que deve ter dado nome à ladeira), que devia ser maior."

Outro casarão antigo na Ladeira do Livramento (segundo Alexei Bueno, de meados do século XIX mas adulterado pela retirada de todas as sobrevergas, embora o telhado pareça estar direito)

Vista do encontro da Ladeira do Livramento com a Ladeira do Barroso.

Fotos do editor do blog. Agradeço ao pintor Dallier, morador do Morro da Conceição e profundo conhecedor da Zona Portuária, que me acompanhou neste passeio, e a Alexei Bueno pelas informações preciosas gentilmente oferecidas.


Em 23 de maio de 2011 retornei ao Morro do Livramento. As novas fotos ali tiradas podem ser vistas aqui. Em 2020 filmei um vídeo lá, que você pode ver acima. Já no vídeo abaixo discorro sobre minha velha paixão, que vem da adolescência, pelo "bruxo do Cosme Velho". Você está convidado a assistir.

21.5.07

O MOSTEIRO

TEXTO DE ANTONIO CARLOS VILLAÇA


Igreja de N.S. de Monserrate do Mosteiro de S. Bento

O mosteiro...

Fica numa colina entre o mar e a cidade. É um casarão de largas paredes, meio escondido no seu monte. Confunde-se com o panorama geral da cidade. Nem mesmo do mar, chegamos a vê-lo com nitidez gritante. Parece uma velha fortaleza meio abandonada, triste, lúgubre, corredores kafkianos. É hoje uma insignificante fortaleza entre os fundos de um ministério barulhento e os arranha-céus, anônimos e iguais. Os novos edifícios, monótonos na sua fidelidade ao picassismo, ao cubismo, foram envolvendo a colina dos monges, perto do mar, circundando-a, escondendo-a — muros de clausura que a cidade trepidante, frenética, ou distraída ofereceu, sem querer, aos seus desconhecidos cantores.

Porque os monges são cantores. Cantam. [...] No canto coral, se ocupam.



Grades em ferro alemão da Igreja

O sino batia. Fomos para o Ofício de Vésperas na Igreja Abacial [a Igreja das fotos]. Por ali começara a história. [...]

A noite envolveu-nos. Do Ofício fomos para o refeitório da comunidade. Fomos jantar. Nuas paredes brancas. Toalhas só na mesa dos hóspedes. Mesas nuas. Silêncio. Um leitor no púlpito lê em voz alta, a refeição inteira. Os monges em silêncio. A comida boa. O Abade na sua mesa presidencial.




Galilé com piso de mármore da Igreja

Na cela, apenas a cama, a mesinha de cabeceira, uma cadeira, um crucifixo, uns cabides na parede. Solidão da cela. Primeira noite fora do conforto. O bem-estar longe, longe, como se tudo fosse de pelo menos cem anos atrás, como se há cem anos eu estivesse no mosteiro, como se há cem anos é que tivesse andado pelo outro mundo, o mundo dos homens.

Não dormi a noite toda.

Parecia que eu era o cadáver de mim mesmo.

No mosteiro, dorme-se muito cedo. Nove horas da noite é completa madrugada. Não consegui dormir. Ninguém me perturbou. Bastava eu para me perturbar. Noite longa, noite arrastada, noite tensa.




Órgão e coro da Igreja

O Ofício prossegue. O grande problema do mosteiro é apenas prosseguir. É preciso prosseguir, não parar, varar o tempo, escapar do tempo, driblar o tempo, ainda que seja pela morte dos homens. [...]

Vi que tudo aquilo não tinha sentido, era vago, vazio, flatus vocis. [...]

Vi que éramos afinal uns pobres, uns diabos, uma coisa pífia, ronronante, ventres sentados, ajoelhados, ventres de pé — falando latim com Deus. Deus mudo, silêncio enigmático, senhor de nenhuma intimidade, lá do outro lado de não sei quê, imenso, onipotente, onipresente, onisciente, encarnado num rapaz oriental, que faleceu numa cruz aos trinta anos pouco mais ou menos e há dois mil anos quase etc.

Eu achava aquilo cada vez mais esquisito.





Detalhe da talha barroca da Igreja de N.S. de Monserrate do Mosteiro de S. Bento

O almoço é triste. O jantar é triste. Os monges são tristes. O refeitório, frio. Austeridade mais ou menos difusa. [...]

Agora, a sesta, no meio-dia monacal. Durante uma hora, o noviço repousa. Recolhido à cela, cochila, dorme ou pensa. Em que pensa? Por que entrou para o mosteiro? Que veio fazer aqui? Que o prende a estas paredes? Que o prende a esta vida? Que interesse é o seu? Qual o ideal verdadeiro de seu coração? Que quer afinal? Quer Deus? Só Deus? [...]

O noviço vira de lado na cama para dormir... A cela é nua e velha. Paredes encardidas. Chão encardido. Moveis muito velhos. Calor. Não há água, não há pia na cela. O banheiro é longe. A água de beber é longe. Tudo é longe... Vale a pena ser monge? Tudo longe, tudo longe. Eu quero ser monge? Monge, longe, monge, longe.



Vista do Morro de São Bento

Texto do livro O nariz do morto, a obra-prima memorialista do escritor Antonio Carlos Villaça. Fotos de Ivo & Mi. A Igreja do Mosteiro de São Bento - um tesouro da arte barroca - fica aberta para visitação praticamente o dia inteiro. Sobe-se por uma ladeira na Rua Dom Gerardo, quase esquina da Rio Branco (altura da Praça Mauá). Em certos horários, funciona um elevador para a Igreja no número 68 dessa rua. Todo dia em torno das 17:40 entoa-se o ofício de Vésperas com órgão e canto gregoriano - lindo. São famosas as missas em latim às dez da manhã dos domingos, com canto gregoriano. Telefone para informações: 2291-7122. Rio de Janeiro é muito mais do que praia, montanhas, samba e futebol!

18.5.07

BANDEIRA O TEMPO INTEIRO

A poesia de Manuel Bandeira, das mais presentes na alma de todos nós brasileiros, tem dois pólos geográficos e biográficos, o Recife e o Rio de Janeiro, a cidade onde abriu os olhos ao mundo e aquela em que viveu a parte mais vasta de sua vida. Entre a infância e a morte, esses dois temas tão centrais do lirismo do poeta de Pasárgada, a sua poesia oscila, como um pêndulo, entre o Recife da Rua da União, da casa de seu avô, dos personagens de “Profundamente”, e o Rio de Janeiro da “Última canção do beco”, da Lapa do Desterro, da “Louvação” [ver abaixo] em que tão amorosamente a cantou.

(Marcos Vinícios Vilaça, Presidente da Academia Brasileira de Letras)


Louvação à Cidade do Rio de Janeiro

Louvo o Padre, louvo o Filho
E louvo o Espírito Santo.
Louvado Deus, louvo o santo
De quem este Rio é filho.
Louvo o santo padroeiro
- Bravo São Sebastião -
Que num dia de janeiro
Lhe deu santa defensão.

Louvo a Cidade nascida
No morro Cara de Cão,
Logo depois transferida
Para o Castelo, e de então
Descendo as faldas do outeiro,
Avultando em arredores,
Subindo a morros maiores
— Grande Rio de Janeiro!

Rio de Janeiro, agora
De quatrocentos janeiros...
Ó Rio de meus primeiros
Sonhos! (A última hora
De minha vida oxalá
Venha sob teus céus serenos,
Porque assim sentirei menos
O meu despejo de cá!)

Cidade de sol e bruma,
Se não és mais capital
Desta nação, não faz mal:
Jamais capital nenhuma,
Rio, empanará teu brilho,
Igualará teu encanto.
Louvo o Padre, louvo o Filho

E louvo o Espírito Santo.


Última Canção do Beco

Beco que cantei num dístico
Cheio de elipses mentais,
Beco das minhas tristezas,
Das minhas perplexidades
(Mas também dos meus amores,
Dos meus beijos, dos meus sonhos),
Adeus para nunca mais!

Vão demolir esta casa.
Mas meu quarto vai ficar,
Não como forma imperfeita
Neste mundo de aparências:
Vai ficar na eternidade,
Com seus livros, com seus quadros,
Intacto, suspenso no ar!

Beco de sarças de fogo,
De paixões sem amanhãs,
Quanta luz mediterrânea
No esplendor da adolescência
Não recolheu nestas pedras
O orvalho das madrugadas,
A pureza das manhãs!

Beco das minhas tristezas.
Não me envergonhei de ti!
Foste rua de mulheres?
Todas são filhas de Deus!
Dantes foram carmelitas...
E eras só de pobres quando,
Pobre, vim morar aqui.

Lapa - Lapa do Desterro -,
Lapa que tanto pecais!
(Mas quando bate seis horas,
Na primeira voz dos sinos,
Como na voz que anunciava
A conceição de Maria,
Que graças angelicais!)

Nossa Senhora do Carmo,
De lá de cima do altar,
Pede esmolas para os pobres,
Para mulheres tão tristes,
Para mulheres tão negras,
Que vêm nas portas do templo
De noite se agasalhar.

Beco que nasceste à sombra
De paredes conventuais,
És como a vida, que é santa
Pesar de todas as quedas.
Por isso te amei constante
E canto para dizer-te
Adeus para nunca mais!


Manuel Bandeira, desenganado como tuberculoso ainda no final da adolescência, conseguiu salvar-se graças a uma exemplar disciplina e a uma renúncia cruel a vastas possibilidades vitais de um homem saudável. Surgia o poeta, que, em 1917, publicava A cinza das horas, livro diretamente ligado ao último Simbolismo, em que as influências portuguesas e francesas se uniam a uma sensibilidade muito pessoal e a um ouvido dos mais agudos e, sobretudo, dos mais sutis da poesia brasileira. Depois de Carnaval, converte-se definitivamente ao verso livre em Ritmo dissoluto, ao qual se seguiram Libertinagem e o admirável Estrela da manhã, talvez o momento fulcral de sua obra. Bandeira, dono de imensa cultura literária e infalível bom gosto, aproveitou do Modernisno tudo o que esse lhe podia dar, sem cair jamais nos maneirismos da escola.

(Alexei Bueno, curador da exposição "Bandeira o Tempo Inteiro")

Fotos da estátua de Manuel Bandeira defronte à Academia Brasileira de Letras tiradas pelo editor deste blog. Textos sobre Bandeira extraídos do folheto da exposição "Bandeira O Tempo Inteiro".

3.5.07

50 MIL VISITAS

Em comemoração às 50 mil visitas recebidas pelo blog em menos de dois anos, estamos lançando um desafio aos nossos amigos com distribuição de prêmios. As 12 fotos abaixo foram tiradas nos seguintes bairros (aqui em ordem alfabética, mas as fotos foram embaralhadas): Barra da Tijuca, Botafogo, Copacabana, Glória, Ipanema, Jacarepaguá, Lagoa, Laranjeiras, Leblon, Paquetá, Penha, Santa Teresa. Você tem que dizer a que bairro corresponde cada foto. Envie as respostas para escritorcarioca@ig.com.br até 18 de maio. As dez pessoas que acertarem mais fotos ganharão livros dos escritores Antônio Ribeiro de Almeida, Léa Madureira e Ana Lia Vianna (todos com colaborações publicadas neste blog - nos casos de empate, faremos sorteio). A relação de acertadores e premiados sairá neste blog em 21 de maio. Portanto, se você adora o Rio, mãos à obra!

P.S. em 21/5: As respostas e relação de acertadores estão no final da postagem.


Foto 1


Foto 2


Foto 3


Foto 4


Foto 5


Foto 6


Foto 7


Foto 8


Foto 9


Foto 10


Foto 11


Foto 12

Respostas:
1) Leblon (estátua do Zózimo);
2) Glória (Templo Positivista na Rua Benjamin Constant);
3) Santa Teresa (Parque das Ruínas);
4) Penha (Igreja da Penha);
5) Botafogo (perto da estação do metrô);
6) Jacarepaguá (Castelo dos Vinhos);
7) Ipanema (Igreja N.S. da Paz);
8) Barra da Tijuca (observe o letreiro do Hard Rock Cafe);
9) Copacabana (Forte);
10) Lagoa (perto do Corte do Cantagalo);
11) Laranjeiras (Casas Casadas);
12) Paquetá.
Fotos do editor do blog.

Doze pessoas acertaram as doze fotos:
Alexandre Core
Denise Costa
Eva Estevez
Luciana Melo
Mariana Monteiro
Marta Maria
Renata Alexandre
Renata Lima
Roger de Sena
Ronaldo Câmara
Valter Santos
Vento Veloz
A todos os participantes, os nossos agradecimentos, e aos vencedores os parabéns. Vocês mostraram que conhecem o Rio como a palma de suas mãos!