ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

18.8.10

NOVIDADE EM IPANEMA I: CHAFARIZ DAS SARACURAS VOLTA A FUNCIONAR

O Chafariz das Saracuras compõe-se de um elemento central formado por uma pirâmide sobre uma bacia com embasamento circular, possuindo uma escadaria intercalada por quatro tanques. A água jorra das saracuras de bronze na base da pirâmide e das tartaruguinhas sobre os tanques.

Vi prodígios na vida — chegada do homem na Lua, a queda do comunismo, o fim da inflação — mas não tinha visto a água jorrar do Chafariz das Saracuras. Sua secura parecia irreversível: “Hoje o chafariz emudeceu”, dizia o Guia Michelin do Rio. “Não há mais nem o canto nem a dança das águas, que secaram.” Quando criança eu brincava na praça e o chafariz... seco. Nos anos 70 de paz e amor, bicho ia ver os amigos artesãos na Feira Hippie e o chafariz continuava... seco. Dois anos atrás, o chafariz havia sido restaurado, as saracuras e tartarugas, repostas e vertendo água. Vi de relance passando de ônibus. Mas logo as peças foram roubadas, e a água secou. Dias atrás minha amiga Vera Dias, chefe da subgerência de monumentos e chafarizes da prefeitura e editora do blog As histórias dos monumentos do Rio de Janeiro, avisou que o chafariz voltou a ser recuperado e está funcionando (como outros chafarizes da cidade) das 8 às 10, das 12 às 14 e das 16 às 18. Fui lá conferir. De prodígios, agora só falta ver um cometa!


O elemento central com as saracuras.

Detalhe da água jorrando de uma tartaruguinha.

Chafariz das Saracuras é um Bem Tombado Nacional e tem seu projeto atribuído ao Mestre Valentim. Foi construído para abastecimento d’água pelo Antigo Convento da Ajuda em 1795 com a projeção do Conde de Rezende, quinto Vice-Rei do Brasil. Com a demolição do convento, situado na atual Praça Floriano no Centro, foi doado à Cidade em 1911 por sua Eminência o Cardeal Arcebispo Dom Joaquim Arcoverde Cavalcanti e transferido para a Praça General Osório. (Informações transcritas de totem da Riotur no local)

O chafariz no antigo Convento da Ajuda. Foto extraída do excelente blog Curiosidades Cariocas que costumo visitar regularmente. As demais fotos são do editor do blog.

13.8.10

NOVIDADE EM IPANEMA II: COMPLEXO RUBEM BRAGA & MIRANTE DA PAZ


Nos anos 70 lembro que meu falecido pai comentou que “no meu tempo de rapaz passeávamos tranquilos por morros que hoje são perigosos e não dá para subir”. Durante décadas vivemos (na expressão de Zuenir Ventura) em uma “cidade partida”. O asfalto regido pelas leis do país e a favela regida pela ditadura do tráfico. Com a pacificação das comunidades, o muro de Berlim entre favela e asfalto vai sendo derrubado. Um belo exemplo: o recém-inaugurado Complexo Rubem Braga com o Mirante da Paz no alto. Lá turistas e moradores podem contemplar a vista que antes era privilégio dos moradores da Comunidade do Cantagalo. E estes, por sua vez, têm acesso facilitado ao metrô e à cidade aos seus pés.

Mar de edifícios em Ipanema, Rua Barão da Torre e a Lagoa à direita. Ao fundo as montanhas. São esses contrastes que dão encanto ao Rio.

Prédios colados na Favela do Morro do Cantagalo & rampa de acesso do Complexo Rubem Braga. E de quebra vemos o Corcovado.



Desde o dia 30 de junho, os moradores das comunidades do Cantagalo e do Pavão-Pavãozinho, no Rio de Janeiro, já utilizam o Complexo Rubem Braga para ter rápido acesso à estação Ipanema/General Osório, do metrô.

O Governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, o Ministro das Cidades, Márcio Fortes, o Prefeito Eduardo Paes e o Secretário de Transportes, Sebastião Rodrigues, participaram da cerimônia de inauguração do local, cujo nome homenageia o jornalista e escritor Rubem Braga, que residiu nas imediações do metrô de Ipanema.

O complexo, construído pela Odebrecht Infraestrutura, é composto por um túnel de 260 m de extensão escavado na rocha que liga a estação General Osório às duas torres (de 64 m e 31 m de altura) de elevadores com capacidade para transportar até 100 pessoas por viagem. No topo da torre mais alta foi construído o Mirante da Paz, e serão instalados, ainda, postos de serviços públicos, como o Rio Poupa Tempo.

Estima-se que a nova obra beneficiará cerca de 10 mil pessoas, permitindo o reordenamento urbano de todo o entorno da estação. (Informações transcritas do site da Odebrecht.)

Quase dois anos depois, em 16/5/2012, retornei ao Mirante da Paz com minha câmera nova, uma Sony de 16,1 megapixels. As fotos resultantes podem ser vistas clicando aqui.

Dois meses depois, em 7/7/2012, gravei um vídeo amador da descida pelo elevador do Complexo Rubem Braga:

1.8.10

POEMAS DE AMOR AO RIO

VEJA TAMBÉM NESTE BLOG: 33 DECLARAÇÕES DE AMOR AO RIO clicando AQUI.


Três poemas do ROTEIRO SENTIMENTAL DO RIO DE JANEIRO de OSVALDO ORICO, tradução do espanhol para o português de ÉLIO MONNERAT SÓLON DE PONTES (com pequenas modificações pelo editor do blog)



Soneto Introdutório

Depois de ver os mundos que criara,
Cheios de força, cheios de esplendor,
Deus, em certa manhã formosa e clara,
Não bastando ser Deus, fez-se pintor.

Quis dar à vida outro primor,
E com as tintas que o Éden pintara,
Pôs em quadro de cumes e de cor
A curvatura azul da Guanabara.

É assim, oh!, viandante deslumbrado!,
Que vês, de longe, sobre o Corcovado,
O criador em sua pintura estranha;

E miras rutilante de beleza,
Cristo desabrochar da Natureza,
Como um lírio de luz sobre a montanha.


Descobrimento

Sempre que volto a ti de uma jornada,
Compraz-se em seguir, meu pensamento,
O rosário de luz e o movimento
De tua preciosa e límpida enseada.

No esplendor de tal descobrimento,
Não sabe distinguir nossa mirada
Onde fica, afinal, o firmamento:
Se no Alto ou na terra platinada.

Quando te vejo ao despontar do dia,
Sinto um capricho da geografia
Marcar em fímbria azul os horizontes;

A cidade, despindo-se nas raias,
Ao fundo do decote de suas praias,
Mostra os seios de pedra dos seus montes...


O Largo do Boticário

Árvores. Sossego.Tranquilidade.
Aqui não chega o rumor da esquina,
E parece que existe uma cortina,
Separando dois tempos da cidade.

E o silêncio, a alma, a surdina,
O berço pleno de hospitalidade
No qual vem abrigar-se esta cidade,
Recordando seus tempos de menina...

Para o divino alívio dos seus males,
Nada como estes velhos arrabaldes
Que falam de um lirismo feiticeiro,

Em que os dedos de luz de sua mão
Tangiam um piano, com emoção.
Usando um candelabro por luzeiro.

Para adquirir o primoroso livro ROTEIRO SENTIMENTAL DO RIO DE JANEIRO em edição bilíngue espanhol-português visite o blog da Editora Muiraquitã.


RIO DE JANEIRO
Manuel Bandeira

Louvo o Padre, louvo o Filho
E louvo o Espírito Santo.
Louvado Deus, louvo o santo
De quem este Rio é filho.
Louvo o santo padroeiro
— Bravo São Sebastião —
Que num dia de janeiro
Lhe deu santa defensão.

Louvo a cidade nascida
No morro Cara de Cão,
Logo depois transferida
Para o Castelo, de então
Descendo as faldas do outeiro,
Avultando em arredores,
Subindo a morros maiores,
— Grande Rio de Janeiro!

Rio de Janeiro, agora
De quatrocentos janeiros...
Ó Rio de meus primeiros
Sonhos! (A última hora
De minha vida oxalá
Venha sob teus céus serenos,
Porque assim sentirei menos
O meu despejo de cá!)

Cidade de sol e bruma,
Se não és mais capital
Desta nação, não faz mal:
Jamais capital nenhuma,
Rio, empanará teu brilho,
Igualará teu encanto.
Louvo o Padre, louvo o Filho
E louvo o Espírito Santo.


são sebastião
Nel Meirelles

as ruas
me atravessam

as esquinas
guardam meus pedaços

as largas avenidas
amaciam meus passos

o sol do arpoador
me descobre a alma

bangu, campo grande, realengo
são trilhas de longas caminhadas

tijuca, ipanema e são cristóvão
canções de todos os carnavais

e minha mangueira
plantada no alto do morro
é a alma desse rio de janeiro
que vive e revive em mim


cidade da felicidade
CAIRO TRINDADE

cidade da felicidade
a capital do samba & da poesia

Do alto do céu, nas nuvens, vislumbro o Corcovado,
o Pão de Açúcar, a Pedra da Gávea e a Floresta da Tijuca,
– o mistério e a magia da cidade mais bela do mundo.
(Vislumbro e me deslumbro.)
Ao chegar no Galeão, minha alma canta, em tom maior,
e eu vejo o mar, as aves e ilhas – as maravilhas do Rio.
(Todas me arrebatam.)
O ar da terra me invade
– o ar dor da raça, o ar da praia, o ar da graça.
Desço com certa solenidade
como se estivesse chegando no paraíso
– um plano de fantasia e plena liberdade.
Peço licença a São Sebastião, aos deuses do Carnaval
e ao povo carioca – o mais feliz que eu já vi.
Ao pisar o chão do coração do Brasil,
meu peito pulsa e eu sinto, dentro, um frenesi.
Atravesso túneis e sóis, em êxtase e volúpia,
e de repente estou entre os Jardins do Flamengo.
(Dá vontade de viver tanta beleza. E eu quase choro.)
Passeio pela Baía, pela Enseada, pela Lagoa,
até chegar a meu destino – um lugar que não existe!
Copacabana sorri sensual, abre os braços e me envolve.
Avassaladoramente.
Eu me entrego, possuído pela paixão.
(E, enfeitiçado, gozo.)


CANTO DO RIO EM SOL (parte II)
Carlos Drummond de Andrade

Rio, nome sussurrante,
Rio que te vais passando
a mar de estórias e sonhos
e em teu constante janeiro
corres pela nossa vida
como sangue, como seiva
— não são imagens exangues
como perfume na fronha
... como a pupila do gato
risca o topázio no escuro.
Rio-tato-
-vista-gosto-risco-vertigem
Rio-antúrio.

Rio das quatro lagoas
de quatro túneis irmãos
Rio em ã
Maracanã
Sacopenapã
Rio em ol em amba em umba sobretudo em inho
de amorzinho
benzinho
dá-se um jeitinho
do saxofone de Pixinguinha chamando pela Velha Guarda
como quem do alto do Morro Cara de Cão
chama pelos tamoios errantes em suas pirogas
Rio, milhão de coisas
luminosardentissuavimariposas:
como te explicar à luz da Constituição?


NOITE CARIOCA
Murilo Mendes

Noite carioca

Noite da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro
tão gostosa
que os estadistas europeus lamentam ter conhecido tão tarde.
Casais grudados nos portões de jasmineiros...
A baía de Guanabara, diferente das outras baías, é camarada,
recebe na sala de visita todos os navios do mundo
e não fecha a cara.
Tudo perde o equilíbrio nesta noite,
as estrelas não são mais constelações célebres,
são lamparinas com ares domingueiros,
as sonatas de Beethoven realejadas nos pianos dos bairros distintos
não são mais obras importantes do gênio imortal,
são valsas arrebentadas...
Perfume vira cheiro,
as mulatas de brutas ancas dançam nos criouléus suarentos.

O Pão de Açúcar é um cão de fila todo especial
que nunca se lembra de latir pros inimigos que transpõem a barra
e às 10 horas apaga os olhos pra dormir.


Dois poemas iniciais do ROTEIRO LÍRICO DO RIO DE JANEIRO de GEIR CAMPOS

O AMADOR

Acordo com
                teu nome

na boca
                é doce

nos ouvidos
                é música

nos olhos
                madrugada

no rosto
                é brisa

nas mãos
                é guia

nos pés
                a estrada
                sonhadora

E A COISA AMADA

cidade minha

quasedigo
                    e pauso
                                  e penso

em verdade
                    sou eu
                                que
                                        a ti
                                              pertenço


Dois poemas (em francês) do livro LA VILLE MERVEILLEUSE (A Cidade Maravilhosa) de JANE CATULLE MENDÈS, que visitou o Rio em novembro de 1911 e se encantou com a cidade.

PREMIERS JOURS (início e final)
Tout est couleur de ciel, de soleil, de trésor.
Je ne vous croyais pas si belle, ô Ville d’or,
Majesté souriante et clarté vapoureuse,
Je ne vous croyais pas, avec vos arbres fiers,
Avec vos sommets bleus, avec vos gouffres verts,
          Si touchante et si généreuse.

[...]

O terre triomphale, ardente, révélée,
Que mon instinct d’aimer a choisi pour séjour,
C’est la première fois que mon âme est comblée.
Rio, votre beauté est égale à l’amour,
On n’est pas seule alors que l’on est avec elle
Et chacun de vos jours vous consacre immortelle.
Il est tant de jeunesse et tant de volupté
Dans vos arbres, vos fleurs, vos parfums, votre été,
          Votre grâce chaude et profonde,
Votre luxe fougueux, votre férocité,
Qu’on ne peut convevoir ici la fin du monde.
Vout êtes une reine au front doux et vermeil
Et la sauvage enfant qu’adore le soleil,
          Suave, accomplie, indocile,
Vous êtes fabuleuse encore et puérile.
J’arrive, et ne sais rien de vous que votre nom
Et que votre beauté. Je ne sais rien, sinon
Que je me sens joyeuse en vous, que je vous aime ;
Vous contentez le rêve au-delà de lui-même,
On apprend près de vous le bonheur d’ignorer,
Chaque fois qu’on se penche ou qu’on lève la tête,
On est heureux de vivre, heureux d’être poète
Et d’avoir un cœur prêt toujours à délirer ;
Et je veux, ô Rio splendide et caressante,
                    Charme, émerveillement,
Grandir votre beauté d’une voix qui la chante
                    Mélodieusement.

ADIEU
          
Quelques jours s’éteindront, et puis je partirai.
Je ne serai plus là, tendre et contemplative,
Avec mon cœur docile à ce qui le captive,
Rio douce et fougueuse au visage doré,

J’aurai chanté ta force et ton charme admiré,
Le secret enflammé de ta foi primitive,
Ton angoisse de toute haute tentative,
Et prédit l’avenir qui vient selon ton gré.

Je t’aurai fait le bien que l’on fait quand on aime,
Je te dirai merci de ta beauté suprême,
Et puis, me détournant une dernière fois,

Je partirai. — Puisses-tu, Ville éblouissante,
Garder un peu de temps l’ombre de la passante
Et l’écho recueilli de sa légère voix.


CARTÃO POSTAL
Amélia Alves

Aos pés do Redentor, o tiro no Santa Marta
espalha castelos de cartas no asfalto da zona sul.

Rio que te quero ver,
do alto do Corcovado escorres desejos de ser
somente sol, serra, mar, batuque e carnaval!

Rio que te quero mal,
no espelho da Lagoa,
expias culpas dessa vida boa:
— Copacabana, princesinha do mar,
onde te encontro presente
percebo teu passado
e pressinto o futuro!

Rio que te quero pão, açúcar e verde,
da janela vislumbro cristos e fomes.
E mato e morro.

Do livro Atrás das borboletas azuis (Oficina do Livro, 2005)




MODINHA
Vinicius de Moraes

[...]

Quero brincar com a minha cidade.
Quero dizer bobagens e falar coisas de amor à minha cidade.
Dentro em breve ficarei sério e digno. Provisoriamente
Quero dizer à minha cidade que ela leva grande vantagem sobre todas as
                                                                                          outras namoradas que tive
Não só em km2 como no que diz respeito a acidentes de terreno entre os
                        quais o número de buracos não constitui fator desprezível.
Em vista do que pegarei meu violão e, para provar essa vantagem, sairei
                                                                                             pelas ruas e lhe cantarei
                                                                                                    a seguinte modinha:

MODINHA

Existe o mundo
E no mundo uma cidade
Na cidade existe um bairro
Que se chama Botafogo
No bairro existe
Uma casa e dentro dela
Já morou certa donzela
Que quase me bota fogo.

Por causa dela
Que morava numa casa
Que existia na cidade
Cidade do meu amor
Eu fui perjuro
Fui traidor da humanidade
Pois entre ela e a cidade
Achei que ela era a maior!

Loucura minha
Cegueira, irrealidade
Pois realmente a cidade
Tinha, como é de supor
Alguns milhares de km2
E ela apenas, bem contados
Metro e meio, por favor.


amado
líria porto

rio rio rio rio

quedo-me em teu leito
sem saber direito
onde vou parar
caio nos teus braços
abraços e beijos
levas-me contigo
deságuas-me ao mar

rio rio rio rio

em tua correnteza
roço-te as margens
afundo-me ao meio
mergulho-me em ti
rolo feito seixo
pelas tuas praias
estamos amarrados
atados por um fio

rio rio rio rio

finjo-me sereia
n’areia me deitas
cobres-me o corpo
o céu diz amém
sou tua a amante
assim por inteiro
és meu rio amado
rio de janeiro

rio rio rio rio


UM BAIANO NO RIO
Moraes Moreira

Quatrocentos e cinquenta janeiros
Tem este Rio
Nas águas do desafio
Esta cidade se aguenta
Resiste e se reinventa
Complexa geografia
Revela a fotografia
Na hora que o sol desmaia,
Nas curvas de Niemeyer
Toda beleza irradia

Provoca tanta cobiça
Esta cidade mulher
Nenhuma outra qualquer
Encanta e nos enfeitiça
A sua gente mestiça
Sabe viver nesta terra
Enxerga em meio a esta guerra
O horizonte da paz
Grande é o milagre que faz
Imenso o amor que se encerra

Cidade dos brasileiros
João Gilberto dizia
Na Glória e seus Outeiros
Nas águas dessa Baía
Recebe com simpatia
E uma alegria invulgar
Gente de todo lugar
Seja operário ou artista
O visitante, o turista
E quem vier para ficar

O jeito do carioca
É muito peculiar
Aqui a gente se toca
E sempre quer abraçar
O modo de se falar
É de um sotaque gostoso
Naturalmente charmoso
Baiano aqui não se cala,
Eu sou um deles, que fala:
O Rio é maravilhoso!

Publicado no Caderno Especial de O Globo, de 1/3/2015, dedicado ao aniversário da cidade


CIDADE MARAVILHOSA
Olegário Mariano

Cidade maravilhosa!
Na luz do luar, fluídica e fina,
Lembra excêntrica bailarina,
Corpo de náiade ou sereia,
Desfolhando-se em pétalas de rosa,
Com os pés nus sobre a areia.

Cidade do gozo e do vício!
Flor de vinte anos, rosa do desejo!
Corpo vibrando para o sacrifício,
Seios à espera do primeiro beijo.

Cidade do Amor e da Loucura,
Das estrelas errantes... Para vê-las,
Vibra no olhar de cada criatura
Uma ânsia indefinida
Pelo brilho longínquo das estrelas
Que é, como tudo, efêmero na vida.

Cidade do Êxtase e da Melancolia,
De dias tristes e de noites quietas;
Sombra desencantada da alegria
Dos que vivem de lágrimas, os poetas.

Cidade de árvores e sinos.
De crianças e jardins. Flor das Cidades;
Berço de ouro de todos os Destinos,
Fonte eterna de todas as Saudades.


DOIS POEMAS CARIOCAS
Jamil Damous

BOTAFOGO

aqui estou
no centro da linha que liga
o pão de açúcar ao corcovado
no coração de botafogo
entre a clausura e o abraço
o pecado e a redenção
o crepúsculo e a aurora
entre ícones (cartões postais
que a ninguém envio)
faço minha viagem diária
a bordo do sol ardente
e da melancólica lua

MONTANHA PORTÁTIL

Corcovado,
minha montanha portátil.
Aonde quer que eu vá nesta cidade,
ela vai comigo, em meu olhar.
E mesmo quando saio de viagem,
costumo carregá-la,
compacta e leve,
na mala do meu lembrar.



RIO 450 ANOS
Ivo Korytowski 

Nasceste três vezes, ó minha cidade natal:
Primeiro, por obra dos invasores lá da França;
Segundo, à entrada da barra, onde é a Urca atual;
Terceiro: Morro do Castelo pra mais segurança.

Contornando morros, enfrentando brejos, mangais
Foste te espraiando depois que pra várzea desceste,
Pois, ao contrário de outras cidades convencionais,
Em planície à margem de um grande rio não nasceste.

Sob a proteção do santo flechado, Sebastião,
A capital do vice-reino foste alçada em glória,
Recebeste Dom João fugido de Napoleão,
Testemunhaste grandíssimos eventos da História.

De dois imperadores assististe à coroação,
Aqui a Lei Áurea libertou a raça cativa,
Aqui da República deu-se a proclamação,
Foste a capital da nação até surgir Brasília.

Já são 450 anos de existência.
Que contrastes: mar, mata, metrópole — esplendor!
Favela, asfalto, tradições, samba, malemolência...
À cidade querida declaramos nosso amor!


APELO
Alexei Bueno 

Quando, cidade, eu deixar-te,
Em que mundos pulsará
Esta falta que já está
Por aqui, por tanta parte?

Esta saudade sem termo
Para onde irá? Que desgraça
O exílio do que se passa
No teu corpo infante e enfermo.

Nunca mais, manhã bem cedo,
Caminhar na Rua Larga
Entre os caminhões de carga
E o abrir portas, que degredo.

Nunca mais o Bar do Joia,
O Gaúcho, o Paladino.
O que há depois do destino?
Sem mãos, que mão nos apoia?

Nunca mais os sebos reles
Da Feijó, da Tiradentes,
Nem as luzes descendentes
Sobre as mais diversas peles.

Nunca mais o Hotel Planalto,
O Triângulo das Sardinhas,
Velhas pedintes mesquinhas,
A corrida após o assalto.

O ouro vítreo das tulipas,
Os sinos nas rijas torres,
As querelas entre os porres,
O óleo sujo a fritar tripas.

Nem o Campo de Santana
Com estátuas, ébrios, putos,
Nem pombos nos cocurutos
De uns heróis que a brisa abana.

Nem a Rua do Ouvidor,
Rosário, Gonçalves Dias,
Quilométricas de dias,
De longas filas de dor.

Nem o Largo da Carioca
Pleno de povo e de lixo,
Papéis de jogo de bicho
Que um vento cego desloca.

Nem Lapa, nem Cruz Vermelha,
Gamboa, e os burros-sem-rabo
Rinchando, ou pipas num cabo
De luz, nem matos na telha.

Nem descer a Rio Branco,
Cinelândia, Serrador...
É possível tal horror,
Tal golpe à esquerda, no flanco?

Resta-me ser um fantasma,
Acolhe-me, pois, qual sombra,
Cidade que amo e me assombra,
Num tempo que o tempo plasma.

Deixa-me, espectro, cruzar-te,
Eterno, nesses lugares
Que são e foram meu lares,
Eu, teu cerne e tua parte.

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