Três poemas do ROTEIRO SENTIMENTAL DO RIO DE JANEIRO de OSVALDO ORICO, tradução do espanhol para o português de ÉLIO MONNERAT SÓLON DE PONTES (com pequenas modificações pelo editor do blog)
Soneto Introdutório
Depois de ver os mundos que criara,
Cheios de força, cheios de esplendor,
Deus, em certa manhã formosa e clara,
Não bastando ser Deus, fez-se pintor.
Quis dar à vida outro primor,
E com as tintas que o Éden pintara,
Pôs em quadro de cumes e de cor
A curvatura azul da Guanabara.
É assim, oh!, viandante deslumbrado!,
Que vês, de longe, sobre o Corcovado,
O criador em sua pintura estranha;
E miras rutilante de beleza,
Cristo desabrochar da Natureza,
Como um lírio de luz sobre a montanha.
Descobrimento
Sempre que volto a ti de uma jornada,
Compraz-se em seguir, meu pensamento,
O rosário de luz e o movimento
De tua preciosa e límpida enseada.
No esplendor de tal descobrimento,
Não sabe distinguir nossa mirada
Onde fica, afinal, o firmamento:
Se no Alto ou na terra platinada.
Quando te vejo ao despontar do dia,
Sinto um capricho da geografia
Marcar em fímbria azul os horizontes;
A cidade, despindo-se nas raias,
Ao fundo do decote de suas praias,
Mostra os seios de pedra dos seus montes...
O Largo do Boticário
Árvores. Sossego.Tranquilidade.
Aqui não chega o rumor da esquina,
E parece que existe uma cortina,
Separando dois tempos da cidade.
E o silêncio, a alma, a surdina,
O berço pleno de hospitalidade
No qual vem abrigar-se esta cidade,
Recordando seus tempos de menina...
Para o divino alívio dos seus males,
Nada como estes velhos arrabaldes
Que falam de um lirismo feiticeiro,
Em que os dedos de luz de sua mão
Tangiam um piano, com emoção.
Usando um candelabro por luzeiro.
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RIO DE JANEIRO
Manuel Bandeira
Louvo o Padre, louvo o Filho
E louvo o Espírito Santo.
Louvado Deus, louvo o santo
De quem este Rio é filho.
Louvo o santo padroeiro
— Bravo São Sebastião —
Que num dia de janeiro
Lhe deu santa defensão.
Louvo a cidade nascida
No morro Cara de Cão,
Logo depois transferida
Para o Castelo, de então
Descendo as faldas do outeiro,
Avultando em arredores,
Subindo a morros maiores,
— Grande Rio de Janeiro!
Rio de Janeiro, agora
De quatrocentos janeiros...
Ó Rio de meus primeiros
Sonhos! (A última hora
De minha vida oxalá
Venha sob teus céus serenos,
Porque assim sentirei menos
O meu despejo de cá!)
Cidade de sol e bruma,
Se não és mais capital
Desta nação, não faz mal:
Jamais capital nenhuma,
Rio, empanará teu brilho,
Igualará teu encanto.
Louvo o Padre, louvo o Filho
E louvo o Espírito Santo.
são sebastião
Nel Meirelles
as ruas
me atravessam
as esquinas
guardam meus pedaços
as largas avenidas
amaciam meus passos
o sol do arpoador
me descobre a alma
bangu, campo grande, realengo
são trilhas de longas caminhadas
tijuca, ipanema e são cristóvão
canções de todos os carnavais
e minha mangueira
plantada no alto do morro
é a alma desse rio de janeiro
que vive e revive em mim
cidade da felicidade
CAIRO TRINDADE
cidade da felicidade
a capital do samba & da poesia
Do alto do céu, nas nuvens, vislumbro o Corcovado,
o Pão de Açúcar, a Pedra da Gávea e a Floresta da Tijuca,
– o mistério e a magia da cidade mais bela do mundo.
(Vislumbro e me deslumbro.)
Ao chegar no Galeão, minha alma canta, em tom maior,
e eu vejo o mar, as aves e ilhas – as maravilhas do Rio.
(Todas me arrebatam.)
O ar da terra me invade
– o ar dor da raça, o ar da praia, o ar da graça.
Desço com certa solenidade
como se estivesse chegando no paraíso
– um plano de fantasia e plena liberdade.
Peço licença a São Sebastião, aos deuses do Carnaval
e ao povo carioca – o mais feliz que eu já vi.
Ao pisar o chão do coração do Brasil,
meu peito pulsa e eu sinto, dentro, um frenesi.
Atravesso túneis e sóis, em êxtase e volúpia,
e de repente estou entre os Jardins do Flamengo.
(Dá vontade de viver tanta beleza. E eu quase choro.)
Passeio pela Baía, pela Enseada, pela Lagoa,
até chegar a meu destino – um lugar que não existe!
Copacabana sorri sensual, abre os braços e me envolve.
Avassaladoramente.
Eu me entrego, possuído pela paixão.
(E, enfeitiçado, gozo.)
CANTO DO RIO EM SOL (parte II)
Carlos Drummond de Andrade
Rio, nome sussurrante,
Rio que te vais passando
a mar de estórias e sonhos
e em teu constante janeiro
corres pela nossa vida
como sangue, como seiva
— não são imagens exangues
como perfume na fronha
... como a pupila do gato
risca o topázio no escuro.
Rio-tato-
-vista-gosto-risco-vertigem
Rio-antúrio.
Rio das quatro lagoas
de quatro túneis irmãos
Rio em ã
Maracanã
Sacopenapã
Rio em ol em amba em umba sobretudo em inho
de amorzinho
benzinho
dá-se um jeitinho
do saxofone de Pixinguinha chamando pela Velha Guarda
como quem do alto do Morro Cara de Cão
chama pelos tamoios errantes em suas pirogas
Rio, milhão de coisas
luminosardentissuavimariposas:
como te explicar à luz da Constituição?
NOITE CARIOCA
Murilo Mendes
Noite carioca
Noite da cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro
tão gostosa
que os estadistas europeus lamentam ter conhecido tão tarde.
Casais grudados nos portões de jasmineiros...
A baía de Guanabara, diferente das outras baías, é camarada,
recebe na sala de visita todos os navios do mundo
e não fecha a cara.
Tudo perde o equilíbrio nesta noite,
as estrelas não são mais constelações célebres,
são lamparinas com ares domingueiros,
as sonatas de Beethoven realejadas nos pianos dos bairros distintos
não são mais obras importantes do gênio imortal,
são valsas arrebentadas...
Perfume vira cheiro,
as mulatas de brutas ancas dançam nos criouléus suarentos.
O Pão de Açúcar é um cão de fila todo especial
que nunca se lembra de latir pros inimigos que transpõem a barra
e às 10 horas apaga os olhos pra dormir.
Dois poemas iniciais do ROTEIRO LÍRICO DO RIO DE JANEIRO de GEIR CAMPOS
O AMADOR
Acordo com
teu nome
na boca
é doce
nos ouvidos
é música
nos olhos
madrugada
no rosto
é brisa
nas mãos
é guia
nos pés
a estrada
sonhadora
E A COISA AMADA
cidade minha
quasedigo
e pauso
e penso
em verdade
sou eu
que
a ti
pertenço
Dois poemas (em francês) do livro LA VILLE MERVEILLEUSE (A Cidade Maravilhosa) de JANE CATULLE MENDÈS, que visitou o Rio em novembro de 1911 e se encantou com a cidade.
PREMIERS JOURS (início e final)
Tout est couleur de ciel, de soleil, de trésor.
Je ne vous croyais pas si belle, ô Ville d’or,
Majesté souriante et clarté vapoureuse,
Je ne vous croyais pas, avec vos arbres fiers,
Avec vos sommets bleus, avec vos gouffres verts,
Si touchante et si généreuse.
[...]
O terre triomphale, ardente, révélée,
Que mon instinct d’aimer a choisi pour séjour,
C’est la première fois que mon âme est comblée.
Rio, votre beauté est égale à l’amour,
On n’est pas seule alors que l’on est avec elle
Et chacun de vos jours vous consacre immortelle.
Il est tant de jeunesse et tant de volupté
Dans vos arbres, vos fleurs, vos parfums, votre été,
Votre grâce chaude et profonde,
Votre luxe fougueux, votre férocité,
Qu’on ne peut convevoir ici la fin du monde.
Vout êtes une reine au front doux et vermeil
Et la sauvage enfant qu’adore le soleil,
Suave, accomplie, indocile,
Vous êtes fabuleuse encore et puérile.
J’arrive, et ne sais rien de vous que votre nom
Et que votre beauté. Je ne sais rien, sinon
Que je me sens joyeuse en vous, que je vous aime ;
Vous contentez le rêve au-delà de lui-même,
On apprend près de vous le bonheur d’ignorer,
Chaque fois qu’on se penche ou qu’on lève la tête,
On est heureux de vivre, heureux d’être poète
Et d’avoir un cœur prêt toujours à délirer ;
Et je veux, ô Rio splendide et caressante,
Charme, émerveillement,
Grandir votre beauté d’une voix qui la chante
Mélodieusement.
ADIEU
Quelques jours
s’éteindront, et puis je partirai.
Je ne serai plus
là, tendre et contemplative,
Avec mon cœur
docile à ce qui le captive,
Rio douce et fougueuse au visage doré,
J’aurai chanté ta force et ton charme admiré,
Le secret enflammé de ta foi primitive,
Ton angoisse de toute haute tentative,
Et prédit l’avenir qui vient selon ton gré.
Je t’aurai fait le bien que l’on fait quand on aime,
Je te dirai merci de ta beauté suprême,
Et puis, me détournant une dernière fois,
Je partirai. — Puisses-tu, Ville éblouissante,
Garder un peu de temps l’ombre de la passante
Et l’écho recueilli de sa légère voix.
CARTÃO POSTAL
Amélia Alves
Aos pés do Redentor, o tiro no Santa Marta
espalha castelos de cartas no asfalto da zona sul.
Rio que te quero ver,
do alto do Corcovado escorres desejos de ser
somente sol, serra, mar, batuque e carnaval!
Rio que te quero mal,
no espelho da Lagoa,
expias culpas dessa vida boa:— Copacabana, princesinha do mar,
onde te encontro presente
percebo teu passado
e pressinto o futuro!
Rio que te quero pão, açúcar e verde,
da janela vislumbro cristos e fomes.
E mato e morro.
Do livro Atrás das borboletas azuis (Oficina do Livro, 2005)
MODINHA
Vinicius de Moraes
[...]
Quero brincar com a minha cidade.
Quero dizer bobagens e falar
coisas de amor à minha cidade.
Dentro em breve ficarei sério e
digno. Provisoriamente
Quero dizer à minha cidade que
ela leva grande vantagem sobre todas as
outras namoradas que tive
Não só em km2 como no que diz
respeito a acidentes de terreno entre os
quais o número de buracos não constitui
fator desprezível.
Em vista do que pegarei meu
violão e, para provar essa vantagem, sairei
pelas ruas e lhe
cantarei
a seguinte modinha:
MODINHA
Existe o mundo
E no mundo uma cidade
Na cidade existe um bairro
Que se chama Botafogo
No bairro existe
Uma casa e dentro dela
Já morou certa donzela
Que quase me bota fogo.
Por causa dela
Que morava numa casa
Que existia na cidade
Cidade do meu amor
Eu fui perjuro
Fui traidor da humanidade
Pois entre ela e a cidade
Achei que ela era a maior!
Loucura minha
Cegueira, irrealidade
Pois realmente a cidade
Tinha, como é de supor
Alguns milhares de km2
E ela apenas, bem contados
Metro e meio, por favor.
amado
líria porto
rio rio rio rio
quedo-me em teu leito
sem saber direito
onde vou parar
caio nos teus braços
abraços e beijos
levas-me contigo
deságuas-me ao mar
rio rio rio rio
em tua correnteza
roço-te as margens
afundo-me ao meio
mergulho-me em ti
rolo feito seixo
pelas tuas praias
estamos amarrados
atados por um fio
rio rio rio rio
finjo-me sereia
n’areia me deitas
cobres-me o corpo
o céu diz amém
sou tua a amante
assim por inteiro
és meu rio amado
rio de janeiro
rio rio rio rio
UM BAIANO NO RIO
Moraes Moreira
Quatrocentos e cinquenta janeiros
Tem este Rio
Nas águas do desafio
Esta cidade se aguenta
Resiste e se reinventa
Complexa geografia
Revela a fotografia
Na hora que o sol desmaia,
Nas curvas de Niemeyer
Toda beleza irradia
Provoca tanta cobiça
Esta cidade mulher
Nenhuma outra qualquer
Encanta e nos enfeitiça
A sua gente mestiça
Sabe viver nesta terra
Enxerga em meio a esta guerra
O horizonte da paz
Grande é o milagre que faz
Imenso o amor que se encerra
Cidade dos brasileiros
João Gilberto dizia
Na Glória e seus Outeiros
Nas águas dessa Baía
Recebe com simpatia
E uma alegria invulgar
Gente de todo lugar
Seja operário ou artista
O visitante, o turista
E quem vier para ficar
O jeito do carioca
É muito peculiar
Aqui a gente se toca
E sempre quer abraçar
O modo de se falar
É de um sotaque gostoso
Naturalmente charmoso
Baiano aqui não se cala,
Eu sou um deles, que fala:
O Rio é maravilhoso!
Publicado no Caderno Especial de O Globo, de 1/3/2015, dedicado ao aniversário da cidade
CIDADE MARAVILHOSA
Olegário Mariano
Cidade maravilhosa!
Na luz do luar, fluídica e fina,
Lembra excêntrica bailarina,
Corpo de náiade ou sereia,
Desfolhando-se em pétalas de rosa,
Com os pés nus sobre a areia.
Cidade do gozo e do vício!
Flor de vinte anos, rosa do desejo!
Corpo vibrando para o sacrifício,
Seios à espera do primeiro beijo.
Cidade do Amor e da Loucura,
Das estrelas errantes... Para vê-las,
Vibra no olhar de cada criatura
Uma ânsia indefinida
Pelo brilho longínquo das estrelas
Que é, como tudo, efêmero na vida.
Cidade do Êxtase e da Melancolia,
De dias tristes e de noites quietas;
Sombra desencantada da alegria
Dos que vivem de lágrimas, os poetas.
Cidade de árvores e sinos.
De crianças e jardins. Flor das Cidades;
Berço de ouro de todos os Destinos,
Fonte eterna de todas as Saudades.
DOIS POEMAS CARIOCAS
Jamil Damous
BOTAFOGO
aqui estou
no centro da linha que
liga
o pão de açúcar ao
corcovado
no coração de botafogo
entre a clausura e o
abraço
o pecado e a redenção
o crepúsculo e a aurora
entre ícones (cartões
postais
que a ninguém envio)
faço minha viagem diária
a bordo do sol ardente
e da melancólica lua
MONTANHA PORTÁTIL
Corcovado,
minha montanha portátil.
Aonde quer que eu vá nesta
cidade,
ela vai comigo, em meu
olhar.
E mesmo quando saio de
viagem,
costumo carregá-la,
compacta e leve,
na mala do meu lembrar.
RIO 450 ANOS
Ivo Korytowski
Nasceste três vezes, ó minha
cidade natal:
Primeiro, por obra dos invasores
lá da França;
Segundo, à entrada da barra, onde
é a Urca atual;
Terceiro: Morro do Castelo pra
mais segurança.
Contornando morros, enfrentando
brejos, mangais
Foste te espraiando depois que
pra várzea desceste,
Pois, ao contrário de outras
cidades convencionais,
Em planície à margem de um grande
rio não nasceste.
Sob a proteção do santo flechado,
Sebastião,
A capital do vice-reino foste
alçada em glória,
Recebeste Dom João fugido de
Napoleão,
Testemunhaste grandíssimos
eventos da História.
De dois imperadores assististe à
coroação,
Aqui a Lei Áurea libertou a raça
cativa,
Aqui da República deu-se a
proclamação,
Foste a capital da nação até
surgir Brasília.
Já são 450 anos de existência.
Que contrastes: mar, mata,
metrópole — esplendor!
Favela, asfalto, tradições,
samba, malemolência...
À cidade querida declaramos nosso
amor!
Alexei Bueno
Quando, cidade, eu deixar-te,
Em que mundos pulsará
Esta falta que já está
Por aqui, por tanta parte?
Esta saudade sem termo
Para onde irá? Que desgraça
O exílio do que se passa
No teu corpo infante e enfermo.
Nunca mais, manhã bem cedo,
Caminhar na Rua Larga
Entre os caminhões de carga
E o abrir portas, que degredo.
Nunca mais o Bar do Joia,
O Gaúcho, o Paladino.
O que há depois do destino?
Sem mãos, que mão nos apoia?
Nunca mais os sebos reles
Da Feijó, da Tiradentes,
Nem as luzes descendentes
Sobre as mais diversas peles.
Nunca mais o Hotel Planalto,
O Triângulo das Sardinhas,
Velhas pedintes mesquinhas,
A corrida após o assalto.
O ouro vítreo das tulipas,
Os sinos nas rijas torres,
As querelas entre os porres,
O óleo sujo a fritar tripas.
Nem o Campo de Santana
Com estátuas, ébrios, putos,
Nem pombos nos cocurutos
De uns heróis que a brisa abana.
Nem a Rua do Ouvidor,
Rosário, Gonçalves Dias,
Quilométricas de dias,
De longas filas de dor.
Nem o Largo da Carioca
Pleno de povo e de lixo,
Papéis de jogo de bicho
Que um vento cego desloca.
Nem Lapa, nem Cruz Vermelha,
Gamboa, e os burros-sem-rabo
Rinchando, ou pipas num cabo
De luz, nem matos na telha.
Nem descer a Rio Branco,
Cinelândia, Serrador...
É possível tal horror,
Tal golpe à esquerda, no flanco?
Resta-me ser um fantasma,
Acolhe-me, pois, qual sombra,
Cidade que amo e me assombra,
Num tempo que o tempo plasma.
Deixa-me, espectro, cruzar-te,
Eterno, nesses lugares
Que são e foram meu lares,
Eu, teu cerne e tua parte.
OBRIGADO POR VISITAR MEU BLOG, E VOLTE SEMPRE. CONHEÇA TAMBÉM MEUS VÍDEOS SOBRE O RIO DE JANEIRO: