ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

15.5.16

ARCO DO TELES

Largo do Paço, gravura de Louis Buvelot de 1845 obtida na Biblioteca Nacional Digital. O Arco do Teles está sob a seta.

O Arco do Teles era originalmente uma passagem por uma das três casas coloniais de uso misto (residencial e comercial) de meados do século XVIII de propriedade do juiz de órfãos Francisco Teles Barreto de Meneses ligando o Largo do Paço (atual Praça XV) ao Beco do Arco do Teles (atual Travessa do Comércio), como vemos na gravura acima, sob a seta. O Arco sobrevive até hoje, tombado pelo IPHAN em 1938, só que das três casas coloniais originais só restam as fachadas dianteira e traseira da casa central acopladas a prédios modernos, como você pode ver na primeira foto abaixo. 

No Capítulo II de O Rio de Janeiro no Tempo dos Vice-Reis, Luís Edmundo assim descreve as casas do Teles e seu Arco: “À direita, na linha do casario que avança para a praia, as casas do Teles, com os seus balcões verdoengos [=esverdeados] e os seus telhados íngremes e pardos. Na linha do rés-do-chão, vê-se a porta que dá entrada à bodega do francês Philippe, uma das mais populares figuras da cidade e que a profissão de bodegueiro liga à de intérprete, agente de câmbio e mais negócios. A sua tasca é uma das mais populares, sítio onde vão parar os viajantes vindos de Minas e de S. Paulo e onde, por vezes, dormem. Que os que estão em trânsito no porto podem descer, mas não podem dormir em terra. O Arco do Teles abre adiante a face escancarada e suja. É uma passagem curta, onde se amontoam e desaparecem mendigos, rascoas [=meretrizes], vadios e soldados." (Ver ilustração ao final da postagem.)

Arco do Teles visto da Praça XV. Observe que a fachada da casa colonial está encaixada entre os prédios modernos.

A casa colonial, abstraindo-se os prédios modernos

Chegando mais perto

Vamos entrar? Em outras eras a passagem não era tão segura assim, como lemos no texto do Coarary

O texto a seguir foi extraído da obra-prima de Vivaldo Coaracy Memórias da cidade do Rio de Janeiro:

O Arco do Teles está hoje tombado como monumento histórico. Policiado e relativamente asseado, serve quase exclusivamente para a passagem de caminhões que nele carregam ou descarregam mercadorias dos depósitos situados na travessa. Nem sempre, porém, assim foi. Passagem nobre e bem frequentada no tempo dos vice-reis, prestigiado pela vizinhança do Senado da Câmara e proximidade do Paço, decaiu e abastardou-se com o correr dos anos. Por proporcionar abrigo das intempéries, por ser sombrio, tornou-se o Arco do Teles uma espécie de Pátio dos Milagres, valhacouto de vagabundos, refúgio de delinquentes e palco de cenas vergonhosas, pouso de desacreditados tipos de rua como o Filósofo do Cais, a Bárbara Onça, e outros.

À entrada do arco existia primitivamente um dos pequenos oratórios abundantes na velha cidade: simples nicho abrigando uma imagem diante da qual geralmente ardia uma luz. Eram demonstrações da devoção do proprietário dos prédios e diante de muitos desses nichos se reuniam, em certos dias da semana, moradores da vizinhança para rezar ladainhas. No oratório do Arco do Teles venerava-se a imagem de Nossa Senhora dos Prazeres. Tão escandalosas, porém, eram as cenas que a imagem presenciava que, revoltado com semelhante profanação, um dos moradores da zona, Manuel Machado de Oliveira, tomou a iniciativa de remover a santa imagem para a Igreja de Santo Antônio dos Pobres, onde até hoje se encontra.

Em começos do corrente século [século XX], em ação conjunta, a Polícia e a Prefeitura promoveram o saneamento moral e material do Arco do Teles e desde então, removida das proximidades a Praça do Mercado, modificados os costumes, ele ficou sendo simples passagem para trânsito comercial.

Em 1750, como já ficou registrado, a Câmara cedeu a sua casa, sobre a Cadeia Velha, para sede do Tribunal da Relação que acabava de ser criado no Rio de Janeiro. Passou a Casa das Vereanças a funcionar então no lado oposto do Largo, nas casas de Teles de Meneses de que alugou uma parte dos sobrados onde instalou todos os seus serviços de secretaria. Estava aí alojada quando, em 1757, a provisão régia de 11 de março lhe concedeu o título de Senado da Câmara.

Nos baixos, ou pavimento térreo, das casas dos Teles funcionavam várias lojas de pequenos mercadores. Entre elas, havia a de um belchior ou adeleiro, Francisco Xavier, mais conhecido por alcunha popular que a decência não permite reproduzir, mas que consta de autos antigos. Na noite de 20 de julho de 1790, irrompeu violento incêndio nessa loja. No empenho de salvar as mercadorias que ali guardava e representavam todos os seus haveres, pereceu nas chamas o belchior e com ele um menino que lhe servia de caixeiro e criado. O fogo propagou-se aos sobrados e comunicou-se à casa da Câmara, destruindo não só os móveis, alfaias e pertences, como o precioso arquivo municipal, do qual apenas se salvaram uns poucos livros que se encontravam eventualmente em poder do escrivão do Senado da Câmara. [...]

A perda irremediável do arquivo municipal representou prejuízo de extensas consequências. Até hoje, muitos pontos obscuros da história da cidade e numerosas controvérsias sobre a origem de posses territoriais e seu caráter alodial ou enfitêutico, não podem ser esclarecidos com exatidão em resultado daquele incêndio. [...]

O juiz Francisco Teles Barreto de Menezes mandou reconstruir os prédios de sua propriedade que o incêndio destruíra em parte. Quanto ao Senado da Câmara, passou a funcionar em prédios alugados, sucessivamente na Rua do Ouvidor, na Rua Direita, no Consistório da Igreja do Rosário, sem sede própria, até instalar-se por fim, em 1825, em casa especialmente construída, no Campo da Aclamação [...]

Vivaldo Coaracy, Memórias da Cidade do Rio de Janeiro, Coleção Rio 4 Séculos, pp.42-43

Arco do Teles visto da Travessa do Comércio.

Aqui também se vê claramente que o Arco hoje fica sob um prédio moderno.

Arco do Teles em ilustração de Washt Rodrigues para O Rio de Janeiro no Tempo dos Vice-Reis de Luís Edmundo

1.5.16

ANTIQUALHAS CARIOCAS: CONSTRUÇÕES MAIS ANTIGAS & RELÍQUIAS DA FUNDAÇÃO

PESQUISA DE IVO KORYTOWSKI

Em postagem recente, onde procuramos as casas residenciais urbanas mais antigas ainda existentes no Rio (ver aqui), chegamos até o século XVIII. Hoje retrocederemos ainda mais para descobrirmos quais as construções (e outras relíquias) sobreviventes do primeiro meio século de nossa cidade. À medida que uma cidade evolui no tempo, vai se renovando, restando cada vez menos vestígios de seus primórdios. O próprio Freud observou esse fato ao traçar (em O mal-estar na civilização) um paralelo entre a evolução de Roma e da mente. Da Roma antiga restam hoje, em meio à metrópole contemporânea, relíquias como as ruínas do antigo Foro e o Coliseu. Tomando outra cidade: da Londres medieval resta o complexo da Torre de Londres, vestígio do passado em meio à cidade moderna.

E no Rio de Janeiro, que construções & relíquias restam do primeiro meio século aproximadamente de existência da cidade? É o que veremos agora. As relíquias estão mais ou menos em ordem de antiguidade, mas com margem de erro, já que algumas datas são imprecisas. Não sou historiador profissional, de modo que, se você detectar algum equívoco ou omissão, por favor avise para ivokory@gmail.com.

1) MARCO DA FUNDAÇÃO, TÚMULO DE ESTÁCIO DE SÁ & IMAGEM DE SÃO SEBASTIÃO

Marco da Cidade do Rio de Janeiro de mármore português. Sua forma assemelha-se à de um paralelepípedo alongado e de pequena espessura. Numa das faces estão em relevo as quinas portuguesas e na outra a cruz que figurava nas caravelas e galeões dos conquistadores lusitanos, como explica Araújo Viana em artigo sobre as artes plásticas no Brasil e no Rio publicado na Revista do IHGB no 78.

Túmulo de Estácio de Sá
Imagem de São Sebastião

Em 1o de março de 1565, Estácio de Sá, sobrinho de Mem de Sá, fundou, numa praia abrigada entre os morros Cara de Cão e Pão de Açúcar (atual Praia de Fora, na Fortaleza de São João, bairro Urca), bem na entrada da baía, a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro como base de ataque aos invasores franceses e seus aliados tamoios, ali assentando o marco de fundação, em pedra de lioz portuguesa. A designação São Sebastião homenageou o ainda menino rei de Portugal Dom Sebastião, que viria a morrer na batalha de Alcácer-Quibir. Dois anos depois, em 1567, Estácio de Sá, morto em combate por uma “flecha perdida”, foi enterrado naquele núcleo primitivo (a “Cidade Velha”), num templo improvisado, de pau-a-pique, coberto de sapê. Com a derrota dos invasores e transferência da cidade para a "cidadela" do Morro do Castelo, construiu-se no alto do morro a Igreja Matriz de São Sebastião, inaugurada em 1583, sendo para lá transladados os restos mortais de Estácio, que ganhou uma lápide em mármore português com os dizeres: " "AQVI IAZ ESTACIO D SA A PR CAPITAÔ. ECOQVISTADOR DESTA TERRA E CIDADE E A CAMPA. MANDOV FAZER SALVADOR COREA. DE SA A SEV PRIMO. SEGDO, CAPITAÔ E GDOR. CÔ SVAS ARMAS E ESTA CAPELA ACABOV O ANO DE 1583." Traduzindo: "Aqui jaz Estácio de Sá, primeiro capitão e conquistador desta terra e cidade, e a campa mandou fazer Salvador Correa de Sá, seu primo segundo, capitão e governador, com suas armas e esta capela acabada no ano de 1583."


O marco da fundação da cidade na lateral da Igreja de São Sebastião, Morro do Castelo. Fonte: Guia da Cidade do Rio de Janeiro de Paula Pessôa, acessado na Biblioteca Nacional Digital

O marco da fundação da cidade é colocado, por marinheiros e soldados, na carreta de artilharia que a transportou do Morro do Castelo, prestes a ser arrasado, para o convento provisório dos capuchinhos na Tijuca. Fonte: Revista da Semana de 28/1/22

Por ordem de Salvador Correia de Sá, o marco da Vila Velha foi transportado para o morro em que jazia o fundador da cidade, permanecendo na entrada do templo. Esta serviu de Catedral de 1676, quando a prelazia de São Sebastião foi promovida a diocese, até 1734, quando a catedral desceu para a Várzea, e em 1842, então abandonada e decadente, a igreja passou para as mãos dos frades capuchinhos, que a reformaram e construíram seu convento ao lado. Com o arrasamento do morro, no dia 20 de janeiro de 1922 (ver Revista da Semana de 28/1/22 e foto acima), após missa campal diante da Igreja, três relíquias da cidade — o marco, a lápide e a imagem de São Sebastião trazida para o Rio por Estácio de Sá  desceram o morro em um cortejo de que participou o Prefeito, Ministro da Guerra, Embaixador de Portugal e uma multidão, percorreram a Av. Rio Branco, Avenida Marechal Floriano, Avenida do Mangue (atual Francisco Bicalho), até chegarem ao convento provisório dos capuchinhos na Rua Conde de Bonfim, 3, Tijuca, nova morada das relíquias. Com a construção da Igreja de São Sebastião dos Capuchinhos, as três relíquias foram levadas para lá, onde podem ser vistos até hoje. A igreja de 1928 em estilo neobizantino fica na Rua Haddock Lobo, 266 (Tijuca), a menos de 500 metros da estação de metrô Afonso Pena. 


Mapa de Luiz Teixeira de cerca de 1574 que permitiu que se determinasse o lugar exato onde a cidade foi fundada, antes objeto de polêmica. Observe que a Cidade Velha situa-se exatamente entre os morros Pao de Sucar e Cara de Cam!  Observe também que a cidade se chamava de S. Sebastiam (São Sebastião) e que Rio de Janeiro era o nome da baía. Fonte: Maurício de Almeida Abreu, Geografia Histórica do Rio de Janeiro, livro fundamental para quem quer se aprofundar nos estudos cariocas.

Na Praia de Fora, local onde teria sido assentado o marco original, o Instituto Histórico e Geográfico erigiu, em 7 de setembro de 1914, um marco comemorativo novo. Além disso, uma réplica da lápide de Estácio encontra-se no monumento ao fundador da cidade, no Aterro. Uma curiosidade: quando se planejava a urbanização da Esplanada do Castelo, recém-criada com a destruição do morro, cogitou-se em construir um monumento à fundação da cidade que ficaria numa praça sob o ponto exato onde se erguia a Igreja de São Sebastião, aonde seriam transferidos o marco de fundação e a lápide de Estácio. Na Revista da Semana de 29 de junho de 1929, em matéria intitulada “A Remodelação do Rio”, lemos: “Na praça central da esplanada do Castelo, na vertical precisa do local em que se achava, antes do arrasamento do Morro, o túmulo de Estácio de Sá, fundador do Rio de Janeiro, será erguido o monumento da fundação da cidade.” Como tantos outros planos, este tampouco saiu do papel.

2) REDUTOS MILITARES NA URCA


Reduto São Diogo (1618, o último do conjunto)

Portão histórico do Reduto São Diogo (1618)

Ruínas do reduto São Teodósio (1572)

Ruínas do reduto São Teodósio (1572)

Canhão Armstrong no reduto São Teodósio. As ruínas da foto superior estão abaixo da amurada (1572)

Na margem ocidental da entrada da Baía da Guanabara, atual bairro da Urca, tão logo se fundou o núcleo original da cidade (a Cidade Velha) tratou-se de fortificá-lo a fim de defendê-lo contra franceses e tamoios. Com o correr do tempo, uma série de redutos (fortes independentes) foram sendo construídos, a saber (ver também postagem Fortaleza de São João neste blog clicando aqui).

► 1565 Reduto São Martinho, o reduto original, na Praia de Fora, do qual não restam vestígios
► 1572 Reduto São Teodósio, na base nordeste do Morro Cara de Cão, do qual restam algumas ruínas, reforçado em 1875 com canhões Armstrong e Krupp
► 1578 Reduto São José, na base oriental do Morro Cara de Cão, modernizado em 1872, dando lugar ao atual Forte São José
► 1618 Reduto São Diogo, na Praia de Fora, do qual resta o portão histórico com vão de arco abatido, ladeado por pilastras robustas. Este portão, construção de alvenaria, é encimado por frontão com volutas barrocas, o qual termina por uma pira, segundo informações do site do IPHAN.

3) LARGO E FRAGMENTO DA LADEIRA DA MISERICÓRDIA





Ladeira da Misericórdia

No Largo da Misericórdia, situado entre o Museu Histórico Nacional, os prédios antigos da Santa Casa (com a Igreja de N.S. do Bonsucesso encaixada no meio) e o Museu da Imagem e do Som (mapa acima), sobrevive uma relíquia que poucos cariocas conhecem: o início da antiga Ladeira da Misericórdia (foto acima) que ligava esse largo ao alto do Morro do Castelo (como vemos na foto aérea abaixo, acima da seta). Primeira via carioca a ser calçada, em 1617 (segundo Gastão Cruls, ou 1616, segundo Brasil Gerson). “Do calçamento da ladeira só são originais as pedras grandes do centro, imensas, muito gastas. As menores dos lados são visivelmente novas, talvez postas por cima das originais”, informa Alexei Bueno.


Ponta do Calabouço, Casa do Trem & Arsenal de Guerra (atual Museu Histórico Nacional), Largo da Misericórdia, Santa Casa antiga e nova, ladeira da Misericórdia (acima da seta branca), Morro do Castelo etc. Foto aérea de Jorge Kfuri obtida na Biblioteca Nacional Digital.

Com a derrota dos franceses e de seus aliados tupinambás, a cidade transferiu-se da “Cidade Velha”, na atual Urca, para o Morro do Castelo. Mas logo a cidade começou a descer, pela Ladeira da Misericórdia, até o Largo da Misericórdia, primeiro “espaço livre público com características de praça a se formar no tecido urbano carioca”, como diz Jacques Sillos em Largo da Misericórdia: 1565-2015. A cidade se estendeu originalmente pela Rua Direita da Misericórdia a São Bento (ou seja, o caminho mais curto entre o bairro da Misericórdia, aos pés do Morro do Castelo, e o Morro de São Bento, onde se instalaram os beneditinos), rua esta que, com a transferência da sede administrativa para o Largo do Paço (atual Praça XV), dividiu-se em Rua da Misericórdia, até esse Largo (hoje desaparecida), e rua Direita, atual Primeiro de Março).

Diz ainda Jacques Sillos: “No Rio de Janeiro, o estabelecimento da Ordem da Misericórdia, no sopé do Morro do Castelo, resultou na construção de uma igreja, um hospital, um orfanato e um cemitério, todos no entorno de uma área livre onde havia sido aberta a principal ladeira que fazia a ligação entre a parte baixa da cidade e o morro. Esse lugar, que foi de imediato denominado Largo da Misericórdia, logo se caracterizou como o primeiro e principal espaço público privilegiado para festas e manifestações religiosas na Várzea da Cidade.” 

Com o arrasamento do Morro do Castelo, destruição do bairro da Misericórdia para instalação da Exposição do Centenário da Independência de 1922 e enfim desaparecimento da própria Rua da Misericórdia, do núcleo original restaram o largo e o fragmento da ladeira.

4) IGREJA DE NOSSA SENHORA DE BONSUCESSO


Capela da Santa Casa (ou seja, Igreja de N.S. de Bonsucesso), foto de Augusto Malta de maio de 1921. Na placa à esquerda da igreja, lê-se: SERVIÇO FUNERÁRIO

De nossas três primeiras igrejas não restam vestígios (ou melhor, restam pouquíssimos, como veremos): a primeira, na Cidade Velha (Urca) improvisada de pau-a-pique e teto de taipa desapareceu junto com todo o núcleo original depois que a cidade transferiu-se para o Morro do Descanso (depois do Castelo). A igreja de São Sebastião, nossa primeira Sé, e a de Santo Inácio, dos jesuítas, desapareceram com o arrasamento do morro nos anos 1920. Assim que a cidade desceu e espraiou-se pela Várzea construiu-se nossa primeira igreja na “cidade baixa”, de Nossa Senhora da Misericórdia ladeada pelo prédio antigo da Santa Casa da Misericórdia à direita e seu Recolhimento das Órfãs à esquerda. Essa igreja original, com seu frontão triangular típico do estilo maneirista vigente nos templos da época (como vemos na igreja do Mosteiro de São Bento), pode ser vista até hoje, com outro nome, Nossa Senhora de Bonsucesso, e acrescido de um “puxadinho” do século XVIII, a torre sineira superior com seus adornos. No seu interior, sobrevivem os retábulos da igreja dos jesuítas trazidos para lá quando de sua demolição. Mais informações sobre essa igreja neste blog podem ser obtidas na postagem IGREJAS HISTÓRICAS DO CENTRO DO RIO  que você pode acessar clicando aqui.

5) PRÉDIO VELHO DA SANTA CASA

Parte de um mapa de 1760 mostrando o Forte do Calabouço, Casa do Trem (hoje integrando o complexo do Museu Histórico Nacional), Recolhimento das Órfãs à esquerda da Igreja (marcada com uma cruz) e o prédio antigo da Santa Casa da Misericórdia, à direita da Igreja


Igreja de N.S. de Bonsucesso e o prédio antigo da Santa Casa da Misericórdia à sua direita 

A Santa Casa de Misericórdia é uma irmandade que tem como missão o tratamento e sustento a enfermos e inválidos, além de dar assistência a “expostos” recém-nascidos abandonados na instituição, fundada em Portugal pelo rei Dom Manuel em 1498, como lemos na Wikipedia. No Brasil, a Irmandade se estabeleceu ainda no período colonial, as primeiras Santas Casas instalando-se em Olinda (1539), Santos (1543), Salvador (1549) e Rio de Janeiro (1582).

Em 1852 a Santa Casa ganhou sua monumental sede neoclássica na Praia de Santa Luzia, atual Rua de Santa Luzia. Mas as instalações antigas no Largo da Misericórdia, à direita da Igreja de Nossa Senhora do Bonsucesso (foto acima), com seu Recolhimento das Órfãs à esquerda da igreja, subsistem até hoje. Seu andar térreo é seguramente do século XVI, o segundo andar do século XVII e o terceiro, do XVIII, segundo informação de Alexei Bueno. A Santa Casa da Misericórdia aparece em mapas antigos, como o de 1760, do qual mostro apenas um “recorte” acima. Vemos aí claramente o Recolhimento (das Órfãs), a (Santa Casa da) Mizericordia, Forte do Calaboiço (Calabouço, demolido) e a (Casa do) Trem, que hoje integra o conjunto do Museu Histórico Nacional.


Recolhimento das Órfãs da Santa Casa da Misericórdia

6) CONVENTO DO CARMO


Vista do Largo do Carmo (atual Praça XV) em 1818 pot Franz Joseph Frübeck. À esquerda, o Paço Real, ao centro, o Convento do Carmo e à sua direita a Capela do Senhor dos Passos (onde hoje desemboca a rua Sete de Setembro), a Capela Real, então funcionando como Sé, e a Igreja da Ordem Terceira do Carmo. Foto obtida no site Diário do Rio.

O antigo Convento do Carmo, na Praça XV, teve um desenvolvimento paralelo ao da Santa Casa da Misericórdia: andar térreo do século XVI, segundo andar do século XVII e terceiro andar do século XVIII, segundo informa Alexei Bueno. Onde hoje se ergue a Igreja de Nossa Senhora do Carmo (Praça XV), originalmente existia uma ermida dedicada a Nossa Senhora do Ó, de origem desconhecida. Nela se alojaram por um breve tempo os frades beneditinos, antes de se mudarem para seu local definitivo, o Morro de São Bento, onde estão até hoje. Depois a ermida foi ocupada pelos frades franciscanos com a missão de abrir um convento da Ordem do Carmo, que vieram a construir no terreno ao lado, lá residindo até 1808, quando foram desalojados para que o convento abrigasse várias dependências da corte, no andar térreo, e os aposentos de Dona Maria I, a Louca no pavimento nobre, “onde passou os seus últimos anos de vida a triste soberana com o espírito envolto nas trevas da demência”, como conta Vivaldo Coaracy nas Memórias da cidade do Rio de Janeiro (p. 23). Conta ainda Coaracy: “Todos as tardes acostava ao largo portão do Convento uma sege real em que, acompanhada de duas ou mais açafatas, tomava lugar a rainha para o passeio, a 'tomar ares', que a medicina do tempo aconselhava como convindo à sua enfermidade. Quando o povo, à passagem da carruagem do Paço, se descobria respeitoso, dona Maria escondia o rosto atrás do leque aberto para que a não reconhecesse o demônio que, temia ela, andava à sua espreita.” Após sucessivas mudanças os carmelitas enfim se fixaram no Seminário da Lapa do Desterro, no Largo da Lapa, onde estão até hoje, agora num prédio moderno na Rua Morais e Valê, 111.

Antigo Convento do Carmo: Andar térreo do século XVI

O convento já abrigou diversas instituições, entre elas o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e a Academia de Comércio e Museu Comercial (a partir de 1910), chegou a ter a fachada descaracterizada por uma reforma ecletizante em 1906 e foi ameaçado de demolição nos anos sessenta para dar lugar a uma nova sede do Banco do Brasil, mas acabou tombado em 1964 e restaurado pelo IPHAN, vindo a abrigar a Universidade Cândido Mendes.


Antigo Convento do Carmo (Praça XV)


7) IGREJA DE SANTO ANTÔNIO

Convento e Igreja de S. Antonio e Igreja dos Terceiros de S. Francisco da Penitencia, litografia de Heaton e Rensburg de 1845-46

Já no início do século XVIII os frades franciscanos se estabeleceram no Morro de Santo Antônio, onde ergueram sua casa conventual provisória (substituída na segunda metade do séc. XVIII pelo convento que vemos hoje em dia) e a igreja (gravura acima, sob a seta), construída entre 1608, data da colocação da pedra fundamental, e 1615 segundo Vivaldo Coaracy, embora sofresse reformas e restaurações posteriores.

Na reforma dos anos 1920 o frontão triangular maneirista original (que você observa na gravura acima) foi substituído por um frontão neocolonial (que é o aspecto da igreja que todos nós nos acostumamos a ver no decorrer de nossas vidas e que você vê na foto abaixo), mas recentemente tentou-se restaurar o aspecto original (num trabalho ainda imperfeito, já que faltam a linha da cimalha entre o frontão e o frontispício, as sobrevergas das três janelas e os coruchéus globulares do frontão, como bem observa Alexei Bueno). O Convento do lado esquerdo da igreja, edificação da segunda metade do século XVIII (em substituição à residência provisória dos frades franciscanos existente ali desde o início do século XVII), constitui uma sólida massa edificada de três andares, com pequenas e espaçadas janelas. No interior da igreja, as pinturas que ornam a capela-mor e os trabalhos de talha nela encontrados, juntamente com os outros dois altares da nave, formam um raro conjunto de obras que mantêm a feição do gosto artístico do nosso barroco inicial.A Igreja do Convento de Santo Antônio é descrita em mais detalhes neste blog na postagem IGREJAS HISTÓRICAS DO CENTRO DO RIO (Parte 2.5). Para ir até lá (numa janela separada) clique aqui.


Convento e igreja de Santo Antônio com o frontão neocolonial, e Igreja da Ordem Terceira de são Francisco da Penitência, em foto de Malta de 4 de maio de 1930  

8) MOSTEIRO DE SÃO BENTO E SUA IGREJA


Pão de Açúcar (ao fundo, esquerda, um tanto desproporcional), Morro do Castelo (Centro) e Mosteiro de São Bento (direita) vistos da Ilha das Cobras. Desenho a bico de pena de autor desconhecido de 1836-39. 

Os beneditinos chegaram no Rio de Janeiro em 1589 e em 1590 Manuel de Brito e seu filho, proprietários de uma sesmaria tendo o Morro de São Bento encravado em seu centro, cederam aos monges beneditinos a posse do morro. Lá já existia uma capela a N.S. da Conceição e ao seu lado um albergue precário onde os monges se acomodaram, segundo conta Vivaldo Coaracy em suas Memórias da cidade do Rio de Janeiro (p.6). Em 1617 desenhou-se a planta de uma igreja nova, construída de 1633 a 1641. Terminada a edificação da igreja, cuidou o abade de erguer o mosteiro para substituir o modesto albergue. Segundo Vieira Fazenda, que consultou documentos antigos, a construção do novo mosteiro começou em 1652. Novas ampliações e reformas no conjunto (mosteiro e igreja) nos séculos XVII e XVIII deram-lhe a feição que vemos hoje.

A fachada austera da igreja, em estilo maneirista (renascentista português tardio), contrasta com a exuberância da talha barroca interna. A igreja é descrita em mais detalhes neste blog na página Mosteiro de São Bento.

9) CAPELAS RURAIS

Capela de Nossa Senhora da Cabeça 

No Rio de Janeiro sobrevivem várias capelas rurais das primeiras décadas do século XVII, mas a única que preservou suas feições originais, sem nenhum acréscimo nem reforma descaracterizadora, foi a Capela de Nossa Senhora da Cabeça. Veja mais informações sobre essa singela capela, hoje situada nos terrenos da Casa Maternal Mello Mattos (final da Rua Faro), na postagem QUAL A IGREJA MAIS ANTIGA DO RIO DE JANEIRO? deste blog. Para acessar clique aqui. Lá você também verá as outras capelas rurais mais ou menos da mesma época, mas que não preservaram tão fielmente as características originais.