Capa do vol. 24 da revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro de 1973 que publicou o Diário da Navegação de Pero Lopes de Souza. É possível fazer download da revista no site do IHGB. |
De 30 de abril até 1o de agosto de 1531 a expedição de reconhecimento da costa brasileira de Martim Afonso de Sousa permaneceu no Rio de Janeiro, que na época era o nome da Baía da Guanabara, supostamente considerada o estuário de um rio, já que a cidade em si ainda nem havia sido fundada. Durante a estadia enviou-se uma expedição ao interior que deparou com um "grande rei" indígena, que veio com ela até o Rio. A expedição também trouxe noticias da existência de "muito ouro e prata" no interior. Quem escreveu o diário da navegação foi Pero Lopes de Souza, irmão de Martim Afonso. A seguir transcrevemos o trecho do diário que narra a vinda de Cabo Frio ao Rio de Janeiro e a estadia de três meses aqui.
Sexta-feira pela manhã nos fizemos à vela com o vento
nordeste, indo sempre ao longo da costa três léguas dela, per [=por] fundo de
cinquenta braças d’área limpa. O cabo do parcel [=recife], que jaz ao mar, se
corre da banda do nordeste ao sueste, e da banda do sudoeste aloeste, e às
parte a loessudoeste. Quando fui fora do parcel descobriram-se serras mui altas
ao sudoeste. Ao meio-dia tomei o sol em vinte e dois graus e três quartos: ao
sol posto fui com o cabo Frio: como foi noite amainamos as velas, e fomos com
os traquetes [=vela que pende da verga inferior do mastro de vante] toda a
noite. O cabo Frio se corre com o Rio de Janeiro leste oeste: há de caminho
dezessete léguas.
Sábado trinta dias d’abril, no quarto d’alva, éramos com a
boca [=foz] do Rio de Janeiro, e por nos acalmar o vento, surgimos a par de uma
ilha, que está na entrada do dito rio, em fundo de quinze braças d’área limpa.
Ao meio dia se fez o vento do mar, e entramos dentro com as naus. Este rio é
mui grande; tem dentro oito ilhas, e assim muitos abrigos: faz a entrada norte
sul toma da quarta do noroeste sueste: tem ao sueste duas ilhas, e outras duas
ao sul, e três ao sudoeste; e entre elas podem navegar carracas [=navio
mercante português de grande porte e longo curso]: é limpo, de fundo vinte duas
braças no mais baixo, sem restinga nenhuma e o fundo limpo. Na boca de fora tem
duas ilhas da banda de leste, e da banda d’aloeste tem quatro ilhéus
[=ilhotas]. A boca não é mais que de um tiro d’arcabuz; tem no meio uma ilha de
pedra rasa com o mar; pegado com ela há fundo de dezoito braças d’área limpa.
Está em altura de vinte e três graus e um quarto.
Como fomos dentro, mandou o capitão J. fazer uma casa forte,
com cerca por derrador; e mandou sair a gente em terra, e pôr em ordem a ferraria
para fazermos cousas, de que tínhamos necessidade. Daqui mandou o capitão J.
quatro homens pela terra dentro: e foram e vieram em dois meses; e andaram pela
terra cento e quinze léguas; e as sessenta e cinco delas foram por montanhas
mui grandes, e as cinquenta foram por um campo mui grande; e foram até darem
com um grande rei, senhor de todos aqueles campos, e lhes
fez muita honra, e veio com eles até os entregar ao capitão J.; e lhe trouxe
muito cristal, e deu novas como no Rio de Peraguai havia muito ouro e prata. O
capitão lhe fez muita honra, e lhe deu muitas dádivas, e o mandou tornar para
as suas terras. A gente deste rio é como a da Bahia de todolos Santos; senão
quanto é mais gentil gente. Toda a terra deste rio [Rio de Janeiro, ou seja, Baía da Guanabara] é de montanhas e
serras mui altas. As melhores águas há neste rio que podem ser. Aqui estivemos
três meses tomando mantimentos, para um ano, para quatrocentos homens, que
trazíamos; e fizemos dois bargantins [=bergantim, tipo de veleiro] de quinze
bancos.
Terça-feira, primeiro dia d’agosto de mil e quinhentos e
trinta e um partimos deste Rio de Janeiro com vento nordeste. Fazíamos o
caminho a loeste a quarta do sudoeste.