Quem passa pela Avenida Presidente Vargas vê, na altura da Cidade Nova (foto acima: quem sobe para a Praça da Bandeira vê à direita, quem vem de lá vê à esquerda), uma igrejinha numa colina cercada de casinhas: a Igreja de N.S. de Montserrat, no Morro do Pinto, Santo Cristo. O morro deve seu nome ao comerciante Antônio Pinto Ferreira Morado, antigo proprietário de terras ali. Convidei a poetisa Conceição Albuquerque, que viveu no morro até os 17 anos, a acompanhar-me lá. É dela a crônica que vocês lerão. Ela também tirou algumas fotos, marcadas com CA. As demais (exceto a antiga, em preto-e-branco) são do editor do blog.
"Em primeiro plano a desativada fábrica Bhering"
Quando recebi o convite do meu amigo Ivo, editor do blog, para ir ao Morro do Pinto, onde nasci e vivi até os dezessete anos, confesso que hesitei. Voltar a um lugar carregado de ótimas lembranças, após tantos anos, quando sabemos o tanto de estrago que o tempo pode fazer, me assustou. Havia também o temor de reacender lembranças ruins. Inconscientemente, adiei, adiei, adiei. Mas acabei não resistindo ao convite.
Nosso encontro começou na Praça Mauá. De lá, um ônibus nos deixou na Rua Santo Cristo. De pronto o Supermercado Mundial, em cujo prédio funcionava outro mercado onde minha mãe fazia as compras do mês, atiçou-me a memória. As imagens acotovelaram-se à minha volta.
Propus a subida pela Vidal de Negreiros, rua de pedras, com suas escadarias ladeando as casas à direita e à esquerda e logo logo vi mudanças: fachadas remodeladas, novos patamares construídos, a quitanda da quase esquina, agora residência. Virando a primeira à direita chegamos à Rua Carlos Gomes, última rua onde morei. O grande terreno que antes pertencia à Shell transformara-se num parque, que não chegamos a visitar.
Fui percebendo o preenchimento de terrenos baldios por novas construções. O antes chamado “morrinho”, à esquerda, por onde descíamos da Rua Deolinda para a Carlos Gomes já não existia. A paisagem vista da rua não mudara tanto, aparentemente. Em primeiro plano a desativada fábrica Bhering. Precisaria de muito tempo para avaliar os detalhes que percebia em criança, para compará-los aos atuais. Conseguiria apontar as diferenças? Seria como tentar resolver um jogo dos 7 erros, usando apenas a memória. Sem chance. Melhor seguir em frente.
Nosso encontro começou na Praça Mauá. De lá, um ônibus nos deixou na Rua Santo Cristo. De pronto o Supermercado Mundial, em cujo prédio funcionava outro mercado onde minha mãe fazia as compras do mês, atiçou-me a memória. As imagens acotovelaram-se à minha volta.
Propus a subida pela Vidal de Negreiros, rua de pedras, com suas escadarias ladeando as casas à direita e à esquerda e logo logo vi mudanças: fachadas remodeladas, novos patamares construídos, a quitanda da quase esquina, agora residência. Virando a primeira à direita chegamos à Rua Carlos Gomes, última rua onde morei. O grande terreno que antes pertencia à Shell transformara-se num parque, que não chegamos a visitar.
Fui percebendo o preenchimento de terrenos baldios por novas construções. O antes chamado “morrinho”, à esquerda, por onde descíamos da Rua Deolinda para a Carlos Gomes já não existia. A paisagem vista da rua não mudara tanto, aparentemente. Em primeiro plano a desativada fábrica Bhering. Precisaria de muito tempo para avaliar os detalhes que percebia em criança, para compará-los aos atuais. Conseguiria apontar as diferenças? Seria como tentar resolver um jogo dos 7 erros, usando apenas a memória. Sem chance. Melhor seguir em frente.
Rua Carlos Gomes: "Chegamos ao número 360, minha última residência" (CA)
Chegamos ao número 360, minha última residência: um sobrado na época, hoje com mais dois andares, onde passei parte da infância e adolescência. A rua, onde brincara tanto de pique, queimado, pique-bandeira, corda, amarelinha, etc.etc., parecia mais estreita. Aquela impressão trazida pelo passar dos anos que José Lins do Rego nos mostra. Ao olhar para a varanda, que continuava a mesma, parecia ver minha mãe sentada no banquinho de madeira, apreciando o nascer do sol, e meu pequenino cachorro Joli, vira-latas metido a bassê, latindo valentemente aos cachorros maiores que por ali passavam. Na sala da frente imaginei meu velho piano, doado na mudança, ecoando desafinado pelo uso e pelos cupins que insistiam em ali viver.
Adiante, os prédios maiores, que vão da Carlos Gomes à Deolinda, pertencentes cada um a uma mesma família. Para mim, criança, residência dos mais “ricos” da rua. Lá do alto, no terceiro andar de um deles, a cabeça branca da antiga professora de piano, por quem eu tinha admiração enorme, nos acenou ao meu chamado. Prometi voltar outro dia, com mais tempo. Dali podíamos ver parte da ponta do Caju, Estação da Leopoldina, São Cristóvão, o Cais do Porto, a Ponte Rio-Niterói, a Ilha do Governador. Ao longe, encarapitada numa pedra cinza, à esquerda, a Igreja da Penha que conseguia distinguir, amparada na memória dos dias em que a via iluminada.
Continuando a subida, o contato com os prédios por onde passava para ir à Igreja de N.S. de Montserrat. Num deles, à entrada, ainda estava fixado o símbolo da Guarda Noturna, uma plaquinha redonda, em branco, preto e vermelho, com a figura de um galo. Ivo reconheceu-o. Tempos idos do Rio de Janeiro.
Adiante, os prédios maiores, que vão da Carlos Gomes à Deolinda, pertencentes cada um a uma mesma família. Para mim, criança, residência dos mais “ricos” da rua. Lá do alto, no terceiro andar de um deles, a cabeça branca da antiga professora de piano, por quem eu tinha admiração enorme, nos acenou ao meu chamado. Prometi voltar outro dia, com mais tempo. Dali podíamos ver parte da ponta do Caju, Estação da Leopoldina, São Cristóvão, o Cais do Porto, a Ponte Rio-Niterói, a Ilha do Governador. Ao longe, encarapitada numa pedra cinza, à esquerda, a Igreja da Penha que conseguia distinguir, amparada na memória dos dias em que a via iluminada.
Continuando a subida, o contato com os prédios por onde passava para ir à Igreja de N.S. de Montserrat. Num deles, à entrada, ainda estava fixado o símbolo da Guarda Noturna, uma plaquinha redonda, em branco, preto e vermelho, com a figura de um galo. Ivo reconheceu-o. Tempos idos do Rio de Janeiro.
Vista da Rua Carlos Gomes (CA)
Chegamos à Rua Deolinda na curva à esquerda, saudados por um valente cão negro. A sensação de intimidade ao percorrê-la era a mesma. Na esquina da travessa à direita estavam os prédios de dois estabelecimentos da época, um deles fechado, com a inscrição PADARIA. Era ali o armazém do seu Serafim onde comprávamos tantas coisas, inclusive os picolés de groselha, que sugávamos até ficar branco, e o de coco, que tinha aquela camada áspera da fruta por cima. Lembro-me que anos antes, reconheci tal prédio no filme Lúcio Flávio, passageiro da agonia, o que segundo moradora atual realmente ocorreu. Ali se fizeram algumas filmagens. O outro prédio à entrada da travessa já não era o açougue de dona Augusta, mas um bar, pintado com o logotipo da cerveja Itaipava. No final da Deolinda, à esquerda, o prédio onde morei, felizmente bem conservado, guardando tantas histórias.
Chegamos à rua mais alta, a Mont'Alverne, cujos casarios, alguns repintados, outros remodelados, continuam os mesmos, inclusive a antiga “venda do seu Alfredo”, datada de 1922. Adiante, na praça, a Igreja de N.S. de Montserrat, maltratada é certo, inclusive com seu coreto transformado em varal de roupas, mas certamente mantendo o espírito sagrado a quem a visita por dentro (assim espero). A vista alcança a Av. Presidente Vargas, Santa Teresa, a estação da Central do Brasil, o centro da cidade do Rio de Janeiro. Do outro lado da montanha, mais à esquerda, a zona sul. À direita, a zona norte.
Voltamos pela Mont'Alverne para chegarmos à Rua Farnese, onde Ivo queria fotografar preciosidades. Começamos a fazer o caminho que durante alguns anos percorri para chegar à Escola General Mitre, na própria Farnese. Trajeto sinuoso, de tantas recordações. Adiante, já no entroncamento com a Rua Mariano Procópio, deparei-me à direita com a casa em que nasci, lá nos fundos do terreno. Infelizmente, a foto se perdeu. Um dia volto lá. A Farnese está “melhorada”, não é mais de terra e as casas conservadas mantém um ar aconchegante de cidade do interior. Enfim, e para nosso deleite, Ivo encontra as três construções tombadas pela Prefeitura, lindas casas que eu, menina, não sabia do valor histórico.
Chegamos à rua mais alta, a Mont'Alverne, cujos casarios, alguns repintados, outros remodelados, continuam os mesmos, inclusive a antiga “venda do seu Alfredo”, datada de 1922. Adiante, na praça, a Igreja de N.S. de Montserrat, maltratada é certo, inclusive com seu coreto transformado em varal de roupas, mas certamente mantendo o espírito sagrado a quem a visita por dentro (assim espero). A vista alcança a Av. Presidente Vargas, Santa Teresa, a estação da Central do Brasil, o centro da cidade do Rio de Janeiro. Do outro lado da montanha, mais à esquerda, a zona sul. À direita, a zona norte.
Voltamos pela Mont'Alverne para chegarmos à Rua Farnese, onde Ivo queria fotografar preciosidades. Começamos a fazer o caminho que durante alguns anos percorri para chegar à Escola General Mitre, na própria Farnese. Trajeto sinuoso, de tantas recordações. Adiante, já no entroncamento com a Rua Mariano Procópio, deparei-me à direita com a casa em que nasci, lá nos fundos do terreno. Infelizmente, a foto se perdeu. Um dia volto lá. A Farnese está “melhorada”, não é mais de terra e as casas conservadas mantém um ar aconchegante de cidade do interior. Enfim, e para nosso deleite, Ivo encontra as três construções tombadas pela Prefeitura, lindas casas que eu, menina, não sabia do valor histórico.
"dois estabelecimentos da época, um deles fechado, com a inscrição PADARIA" (esquerda) "um bar, pintado com o logotipo da cerveja Itaipava" (direita)
Na esquina com a Rua Saldanha Marinho certa decepção pelas ruínas do que antes foi o armazém do “Seu Clides”, onde eu adorava comprar doces, antes ou depois da escola. Ivo lembrou do registro desta construção em certo livro que possui. Interessante comparar tal registro em foto de 1934 com a memória dos anos 50 e agora em 2009.
Subimos a Saldanha Marinho, de casas menos conservadas, apenas algumas remodeladas. No alto da Saldanha Marinho, entroncamento com Mont'Alverne, paramos no largo onde ficava o Clube 13 de Maio, no qual brinquei em bailes de carnaval. Ali se dava o encontro dos maratonistas do circuito que havia pelas ruas do morro, em todo último domingo de julho. Segundo informação de morador atual, tal evento permanece até hoje, apenas terminando em outro local. O clube não mais existe. Hoje é residência.
Seguimos para a Rua Sara, longa rua que nos leva à Rua Santo Cristo, embaixo. Lá paramos no bar do Omar, simpaticíssimo e acolhedor, onde bebemos água e visitamos o novo piso que ele está fazendo e de onde fotografamos parte da paisagem. Vê-se a Rua Pedro Alves abaixo, que chega à Estação da Leopoldina, onde ficava a antiga fábrica de Açúcar Pérola; a Ponte Rio-Niterói, a chaminé e o globo da Bhering, onde havia um relógio que funcionava; à esquerda destacando-se São Cristóvão: o pavilhão, atual Feira Nordestina, o prédio da antiga faculdade de engenharia da UFRJ, o Lazareto. À direita, em tom amarelado, vê-se o novo templo do samba na cidade, a Cidade do Samba.
Descemos a Rua Sara e chegamos à Rua Orestes, à direita, onde funcionava a fábrica Bhering, de doces recordações. Bem recebidos por duas pessoas à entrada, soubemos que a fábrica mudou-se para Varginha, MG, mas suas instalações atualmente são locadas para diversos eventos, inclusive gravações de filmes e novelas, funcionando, também, no segundo piso uma loja de móveis fabricados com madeira de demolição e objetos antigos.
Subimos a Saldanha Marinho, de casas menos conservadas, apenas algumas remodeladas. No alto da Saldanha Marinho, entroncamento com Mont'Alverne, paramos no largo onde ficava o Clube 13 de Maio, no qual brinquei em bailes de carnaval. Ali se dava o encontro dos maratonistas do circuito que havia pelas ruas do morro, em todo último domingo de julho. Segundo informação de morador atual, tal evento permanece até hoje, apenas terminando em outro local. O clube não mais existe. Hoje é residência.
Seguimos para a Rua Sara, longa rua que nos leva à Rua Santo Cristo, embaixo. Lá paramos no bar do Omar, simpaticíssimo e acolhedor, onde bebemos água e visitamos o novo piso que ele está fazendo e de onde fotografamos parte da paisagem. Vê-se a Rua Pedro Alves abaixo, que chega à Estação da Leopoldina, onde ficava a antiga fábrica de Açúcar Pérola; a Ponte Rio-Niterói, a chaminé e o globo da Bhering, onde havia um relógio que funcionava; à esquerda destacando-se São Cristóvão: o pavilhão, atual Feira Nordestina, o prédio da antiga faculdade de engenharia da UFRJ, o Lazareto. À direita, em tom amarelado, vê-se o novo templo do samba na cidade, a Cidade do Samba.
Descemos a Rua Sara e chegamos à Rua Orestes, à direita, onde funcionava a fábrica Bhering, de doces recordações. Bem recebidos por duas pessoas à entrada, soubemos que a fábrica mudou-se para Varginha, MG, mas suas instalações atualmente são locadas para diversos eventos, inclusive gravações de filmes e novelas, funcionando, também, no segundo piso uma loja de móveis fabricados com madeira de demolição e objetos antigos.
À pergunta sobre as guloseimas que a Bhering fabrica, puseram à nossa disposição para compra os maravilhosos e tradicionais caramelos cobertos de chocolate, embrulhados em papel azul com bolinhas brancas. Final doce e feliz para nosso agradável passeio ao Morro do Pinto, que parecia dormitar a sesta tranqüila, tal uma cidade de interior.
"No final da Deolinda, à esquerda, o prédio onde morei"
Rua Carlos Gomes
Rua Deolinda
"Dali podíamos ver parte da ponta do Caju, [...] o Cais do Porto, a Ponte Rio-Niterói, a Ilha do Governador."
Igreja de N.S. de Monstserrat (CA)
idem
"com seu coreto transformado em varal de roupas"
"A vista alcança a Av. Presidente Vargas, Santa Teresa, a estação da Central do Brasil, o centro da cidade do Rio de Janeiro."
Armazém na Rua Mont'Alverne do início do século XX
Rua Farnese, 45, 49 e 51: "três construções tombadas pela Prefeitura"
Uma das três casas tombadas
Chalé na Rua Farnese
"ruínas do que antes foi o armazém do Seu Clides”
Foto antiga do encontro da Rua Farnese com a Saldanha Marinho. À esquerda o chalé da foto mais acima e do outro lado da rua o antigo armazém; à direita (onde estão as crianças) uma das casas tombadas. Foto escaneada do livro História dos Bairros: Zona Portuária da João Fortes Engenharia.
Rua Saldanha Marinho
"Fortaleza" na Rua Sara
"bar do Omar, simpaticíssimo e acolhedor"
"Vê-se a Rua Pedro Alves abaixo"
Rua Sara, em frente ao bar
"agradável passeio ao Morro do Pinto..." (CA)
"...que parecia dormitar a sesta tranqüila, tal uma cidade de interior"
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