ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

27.4.15

EVOLUÇÃO URBANA DO RIO DE JANEIRO

Fundada na Urca em 1565, com a derrota dos invasores franceses a cidade se transferiu, em 1567, para a posição elevada do Morro do Castelo, onde foi construída a Fortaleza de São Sebastião, a Igreja de São Sebastião (que viria a ser a primeira catedral da cidade), a igreja e colégio dos jesuítas e vários prédios públicos. Do morro a cidade começou a descer para a Várzea (a parte baixa), na época cheia de alagadiços e charcos. Até meados do século XVIII a malha urbana se restringiu ao quadrilátero delimitado pelos morros do Castelo, de Santo Antônio (onde os frades franciscanos se estabeleceram no início do século XVII), de São Bento (onde os frades beneditinos se estabeleceram no final do século XVI) e da Conceição. O primeiro caminho, ligando o Morro do Castelo ao Morro de São Bento, deu origem às duas ruas mais importantes do Rio Colonial: Rua da Misericórdia e Rua Direita (atual Rua Primeiro de Março, dia do fim da Guerra do Paraguai). Quando o Morro do Castelo foi demolido no século XX, o pedacinho inicial da Ladeira da Misericórdia, que subia ao alto do morro, foi preservado — existe até hoje (foto abaixo).



De início a produção de açúcar foi a principal atividade econômica da cidade, em sesmarias recebidas pelos padres jesuítas: Engenho Velho, Engenho Novo, Engenho de Dentro e Santa Cruz, ao norte, e o Engenho D’El Rei, ao sul, nas margens da Lagoa Rodrigo de Freitas. (Hoje em dia Engenho Novo, Engenho de Dentro e Santa Cruz são bairros cariocas.) Dois caminhos, abertos para dar acesso aos engenhos, delinearam os eixos do futuro crescimento urbano.

A descoberta de ouro nas Minas Gerais trouxe prosperidade ao Rio, e grandes obras foram realizadas: o Aqueduto da Carioca (os Arcos da Lapa), a obra mais monumental do Rio colonial, concluído em 1750; o aterro da Lagoa do Boqueirão para construção do primeiro parque público carioca, o Passeio Público; o Paço.

A partir do século XIX, quando se tornou a sede do governo português e, depois, do Brasil independente, a cidade transpôs os limites da urbe colonial. Chácaras começaram a ser construídas nos arrabaldes da cidade: Glória, Catete, Laranjeiras, Botafogo, São Cristóvão. Na Cidade Velha casas térreas coloniais deram lugar a sobrados. Com o aterramento do mangal de São Diogo surgiu, na área mais além do Campo de Santana, a Cidade Nova (que hoje é o nome de um bairro). Grandes prédios neoclássicos foram erguidos no século XIX:

  • Academia Militar: Projeto de 1811, no Largo de São Francisco, atual Instituto de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ onde estudei nos anos de chumbo.
  •  Casa da Moeda: projeto de 1858, na Praça da República, atual Arquivo Nacional.
  • Sede nova da Santa Casa: projetos de 1840 e 1865 (ampliação), na Rua Santa Luzia, 206 — Centro.
  • Campus hospitalar da Beneficência Portuguesa: projeto de 1840, na Rua Santo Amaro, 80/84 — Glória.
  • Hospício de Alienados (onde Policarpo Quaresma passou uma temporada no famoso romance): projeto de 1842, atual Palácio Universitário da UFRJ, na Av. Pasteur, 250 — Urca.
  • Paço de São Cristóvão: atual Museu Nacional, na Quinta da Boa Vista (foto abaixo).



Consolidada a República, o presidente Rodrigues Alves (1902-1906) incumbiu o prefeito Pereira Passos de tornar a cidade digna da Capital Federal da República do Brasil, uma espécie de "Paris dos trópicos". Na época, a nossa economia se sustentava na exportação do café. Atacaram-se três frentes: 1) um imenso aterro para a construção de um cais do porto moderno; 2) alargamento e abertura de ruas e avenidas, com destaque para a Av. Central (atual Av. Rio Branco), rasgando o centro da cidade e dando acesso ao porto, e a Avenida Beira-Mar, levando à Zona Sul; e 3) uma campanha de saneamento para erradicação de doenças como febre amarela e malária.

Na década de 1920 o desmonte do Morro do Castelo ampliou as fronteiras do Centro, abrindo uma nova área de ocupação (a Esplanada do Castelo) e fornecendo pedras para novos aterramentos do mar.

Já com a abertura da Avenida Central, depois Rio Branco, começa a era da densificação da ocupação dos espaços via verticalização (mais detalhes aqui). Em 1929 ergue-se um impressionante arranha-céu, valendo-se da tecnologia do concreto armado: o Edifício A Noite, com 22 andares, na Praça Mauá, 7. 

No início da década de 1940 a abertura da monumental Avenida Getúlio Vargas dividiu o Centro em duas “metades” e acabou resultando no abandono e degradação da Zona Portuária (situação que agora se procura reverter com o Projeto Porto Maravilha).

A abertura da Av. Central, a derrubada do Morro do Castelo e a abertura da Av. Presidente Vargas resultaram na destruição de casas e cortiços — o chamado “bota abaixo” — empurrando as populações de menor renda para os morros, bem como para os subúrbios surgidos com a implantação do trem suburbano já na segunda metade do século XIX (quem leu Dom Casmurro do Machado deve lembrar que a história começa no trem da Central: “Uma noite destas, vindo da cidade para o Engenho Novo, encontrei num trem da Central um rapaz aqui do bairro, que eu conheço de vista e de chapéu.”)

No ano do quarto centenário da cidade (1965) Carlos Lacerda inaugurou a enorme área de parque no Aterro do Flamengo. Nessa época foram realizadas grandes obras viárias ligando as zonas sul e norte da cidade: o Túnel Rebouças e Túnel Santa Bárbara.

Nos anos 70, época do “milagre brasileiro” e do “Ninguém segura este país”, surgiram a auto-estrada Lagoa-Barra, facilitando o acesso à Zona Oeste da cidade, a ponte Rio-Niterói e o metrô. Mas até 1982 para pegar a Lagoa-Barra você tinha que enfrentar o engarrafamento da Rua Marquês de São Vicente.

Nos anos 90 surgiram a Linha Vermelha e a Linha Amarela, grandes vias de circulação previstas no Plano Doxiádis dos anos 60.

Agora que comemora 450 anos e às vésperas das Olimpíadas cariocas, o Rio volta a sofrer grandes intervenções: Porto Maravilha, Parque de Madureira, expansão do metrô até a Barra, VLTs interligando o Centro, BRTs interligando a cidade, reforma do bondinho de Santa Teresa, Museu do Amanhã e da Imagem e do Som, sem falar nas obras especificamente voltadas para as modalidades desportivas como as arenas e centros olímpicos.

HISTÓRIA DOS ATERROS DO RIO

A expansão urbana da cidade do Rio de Janeiro exigiu uma série de intervenções para domar o ambiente hostil. Assim foi que se aterraram mangues, drenaram lagoas e mais tarde se derrubaram morros para com suas pedras avançar mar adentro. (Às vezes me flagro pensando com meus botões que, se a máquina do tempo existisse realmente, no Rio de Janeiro seria perigosa pois, conforme o lugar onde você a utilizasse, poderia ir parar em pleno mar cem, duzentos, trezentos anos atrás!) De igrejinhas antes situadas a beira-mar — como de São Cristóvão, Santo Cristo, São Francisco da Prainha, Santa Luzia e da Glória — hoje a gente nem sente o cheiro da maresia!

O aterro do Flamengo foi o ápice de uma sucessão de aterros marítimos que começou no início do século XX:

  • Com o desmonte do Morro do Senado, onde hoje fica a Praça Cruz Vermelha, na virada do século XIX para o XX, aterrou-se a orla da Saúde, Gamboa e Santo Cristo, para a construção do Cais do Porto, e um trecho da orla da Glória para a abertura da Avenida Beira-Mar.
  • Com o desmonte do Morro do Castelo no início da década de 1920, aterrou-se: (i) o trecho do mar onde em 1936 surgiu o Aeroporto Santos Dumont e (ii) a enseada da Glória, onde em 1926 surgiu a Praça Paris. (Para saber mais clique em "Morro do Castelo" no menu da barra vertical direita.)
Morro de Santo Antônio em foto de Augusto Malta, com o convento e as duas igrejas no único trecho do morro preservado

  • Com o desmonte de parte do Morro de Santo Antônio na década de 1950 aterrou-se a área depois ocupada pelo Museu de Arte Moderna (inaugurado em 1958) e Monumento aos Pracinhas (construído de 1957 a 1960 - foto abaixo). Digamos que essa foi a primeira fase do que denominamos Aterro do Flamengo. Mas desde o final da década de 1940 já se projetava o aterramento ao longo de toda a Praia do Flamengo, dada a necessidade de desafogar o tráfego entre o Centro e a Zona Sul.
  • Somente durante o governo Carlos Lacerda, na década de 1960, criou-se um grupo de trabalho para reavaliar o projeto original do Aterro do Flamengo e dar continuidade às obras. Destacaram-se nesse grupo o arquiteto Affonso Eduardo Reidy, responsável pelos projetos urbanísticos e arquitetônicos, e Roberto Burle Marx, autor do magnífico projeto paisagístico.


Em outubro de 1965, ano do Quarto Centenário do Rio de Janeiro, o Aterro do Flamengo foi entregue à população carioca.

(Textos transcritos do meu livro Guia da Cidade Maravilhosa, com alguns acréscimos.)

VEJA TAMBÉM NESTE BLOG: HISTÓRIA DO RIO DE JANEIRO E MAPAS ANTIGOS DO RIO DE JANEIRO

19.4.15

PALÁCIO GUANABARA: VISITAÇÃO


Palácio Guanabara de Portas Abertas é o projeto de visitas guiadas, realizado com apoio técnico e parceria do Senac Rio. Os visitantes são recepcionados e conduzidos por alunos dos cursos de Turismo e Hospitalidade, que vivenciam na prática o que aprendem em sala de aula. As visitas se dão aos sábados de manhã (9, 10 e 11 horas), de 15 em 15 dias.



O Palácio Guanabara faz parte do patrimônio histórico e cultural do Rio de Janeiro e do Brasil. O imponente prédio foi sede de diferentes governos e hoje se encontra totalmente restaurado.

Construído em 1853, como resistência familiar, foi vendido para a família imperial em 1864. A residência foi reformada para abrigar a Princesa Isabel e o Conde D’Eu, passando a ser conhecida como Paço Isabel. Durante a reforma, o casal plantou inúmeras espécies vegetais exóticas, além de uma fileira dupla de palmeiras imperiais na Rua Paissandu, que marcava o caminho do Paço até a praia do Flamengo.

Em 1890, o Paço Isabel foi incorporado ao Patrimônio da União e rebatizado como Palácio Guanabara. Depois foi repartição militar, morada de Presidentes da República, abrigou o gabinete do Prefeito do Rio e, em 1960, passou a ser sede do Governo do Estado. (Informações transcritas do folheto do projeto)

Escadaria de acesso ao Salão Nobre

 Salão Nobre  em estilo rococó com mobília Luís XV e XVI. "Desde os tempos da Família Imperial, era um dos centros de reunião do Rio de Janeiro. Encontros políticos misturavam-se à música e à poesia. Hoje, também se destina a encontros de autoridades e importantes eventos do Estado." (Informações entre aspas transcritas do folheto do projeto)

Jardim de Inverno com fonte (desligada para economizar água até que se mude o sistema para reaproveitá-la)

Sala "Pé-de-Moleque". Esse calçamento, utilizado nos casarões do período colonial nas áreas destinadas ao uso dos escravos, foi descoberto durante obras de restauração em 2011 e coberto com vidro resistente para melhor preservação.

Ciranda, óleo sobre tela de Djanira exposto (junto com outros quadros brasileiros) na sala Pé-de-Moleque.

Um momento simpático da visita guiada é o pequeno recital do grupo de violoncelistas e contrabaixistas da Ação Social pela Música patrocinada pela Embratel.  

Jardim do palácio projetado pelo paisagista francês Paul Villon no início do séc. XX em estilo geométrico francês. 

Detalhe do Chafariz de Netuno: criança montada em delfim

Capela Santa Teresinha, em estilo neocolonial, construída em 1946 a pedido de Carmela Dutra, a esposa do então Presidente

6.4.15

DICA DE LIVRO: CONFEITARIA COLOMBO - SABORES DE UMA CIDADE

de RENATO FREIRE e ANTONIO EDMILSON MARTINS RODRIGUES
A Confeitaria Colombo, com seus espelhos enormes, mesas de tampo de mármore, piso de ladrilho hidráulico, cadeiras de palhinha, é uma atração turística da cidade. O livro traça um paralelo entre a evolução da Colombo e da cidade nos últimos cento e tantos anos, além de ensinar o “caminho das pedras”, as receitas das iguarias. A seguir, transcrevemos um curto capítulo, "O ovo da Colombo", da PARTE I do livro, “Colombo — Uma história bem temperada” de autoria de Antonio Edmilson Martins Rodrigues. A PARTE II, de Renato Freire, intitula-se “A Colombo e Sua Gastronomia”, a PARTE III é das Receitas, e no final temos a “English version” do texto. Bom apetite!


O ovo da Colombo

Desde que a Colombo foi inaugurada, em 1894, o Rio de Janeiro mudou, o Brasil se transformou, o mundo quase virou de cabeça para baixo. Em pouco mais de 100 anos duas guerras mundiais aconteceram, o homem foi à lua, nações inteiras nasceram e, de uma hora para outra, também foram para o beleléu. A confeitaria viu aparecer o rádio, o cinema, a televisão, o avião, a penicilina, o filtro solar, o micro-ondas, a internet, o rock, o ar-condicionado e o chiclete de bola.

No Brasil, a confeitaria acompanhou o sobe e desce na economia do país. Viu nada menos que nove moedas entrarem e saírem de circulação — coincidentemente, o Real era também a moeda da época da inauguração. Durante esse tempo, a Colombo assistiu a pelo menos três golpes de estado e a 33 homens e uma mulher tomarem posse na Presidência da República. Muitos deles — pelo menos uma vez na vida — atravessaram as portas da Gonçalves Dias para tomar um café.

Em todo esse tempo, o Rio de Janeiro - que deixou de ser a capital do país em 1961 — viu morros virem abaixo, ruas serem alargadas, casas demolidas, a orla mudar de lugar, pontes serem erguidas e túneis abertos em todos os cantos. A cidade mudou. Hoje as confeitarias quase não existem mais. O Centro perdeu parte de sua importância, mas o carioca de verdade, quando quer dizer que está indo para lá, ainda diz simplesmente "Vou à cidade".

Com a reestruturação do Rio, o carioca migrou para a Zona Sul e descobriu a praia, o biquíni, o futebol, a minissaia, a bermuda, o chinelo de dedo, o botequim de esquina, o surfe, as chapinhas de cabelo, o samba e as escolas de samba. Muita coisa se modificou, mas, durante esse tempo todo, a Colombo esteve no mesmo lugar: rua Gonçalves Dias, 32.

O interior da casa mudou pouco durante esse século. As cristaleiras, os lustres, a claraboia, o piso e os espelhos belgas permanecem no mesmo lugar. O cardápio — ainda que guarde boa parte dos quitutes que lhe deram fama — soube se renovar para se adequar aos novos tempos. As frutas tropicais se somaram às importadas, a cerveja divide lugar com os uísques, a feijoada tem posição de destaque no buffet. Em 100 anos, a Colombo viu surgir o cajuzinho, o brigadeiro, o bombom de cupuaçu, a caipirinha, o mil-folhas de creme, o suco de acerola e a Coca-Cola. Mas — de um jeito difícil de explicar — parece que nada mudou, que tudo permanece como há 100 anos.

Esse sempre foi o segredo da casa. Desde os tempos de Manuel Lebrão, a Colombo percebeu que devia permanecer em constante mutação para parecer ser sempre a mesma. Um conceito que vale para a arquitetura, para a decoração, para as atitudes dos empregados e para tudo o que consta do cardápio. É o tal truque. Durante esse tempo todo a confeitaria — como o Rio de Janeiro, a cidade que a abrigou — atravessou crises, enfrentou desafios, festejou vitórias e se quebrou muitas vezes para continuar a ser o que sempre foi: Confeitaria Colombo. Quebrada, reformada, renovada, festiva e, misteriosamente, de pé. Mais ou menos como o ovo da história de Colombo.