A arte contemporânea cada vez mais migra para a favela. Se outrora esta nos
deu o samba (sim, os grandiosos desfiles, o maior espetáculo da terra) e depois o funk, agora, quem sabe?, nos dará os novos
rumos das artes visuais (tendo por suporte a própria arquitetura)?
Desde 2005, o melhor blog sobre o Rio de Janeiro, seus encantos, história, literatura, arquitetura e arte. A partir de 2019, mostrando também São Paulo, para onde o editor do blog se mudou.
ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)
VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
“São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)
30.3.15
19.3.15
A MAGIA DAS ESCADARIAS
Texto de J. Carino com fotos de escadarias cariocas do editor do blog.
Escadaria da Igreja da Penha |
Para mim, as escadarias têm uma espécie de magia. Sempre que me aproximo de uma, fico tentando a decifrar essa dimensão mágica, que tem a ver com a dimensão ascensional.
Ascender, subir, elevar-se – palavras que se associam a redenção, sucesso, vitória: ascender aos céus, subir na vida, elevar-se por seus próprios méritos.
Nossas simples escadas domésticas, ou mesmo as escadas utilitárias dos profissionais - como os pedreiros, pintores, ou todos os que se utilizam desses instrumentos de subir - essas não têm a tal magia; não nos escondem nada, não ameaçam nos surpreender de repente com algo inusitado. Cumprem sua missão de nos elevar do chão, e pronto.
Ascender, subir, elevar-se – palavras que se associam a redenção, sucesso, vitória: ascender aos céus, subir na vida, elevar-se por seus próprios méritos.
Nossas simples escadas domésticas, ou mesmo as escadas utilitárias dos profissionais - como os pedreiros, pintores, ou todos os que se utilizam desses instrumentos de subir - essas não têm a tal magia; não nos escondem nada, não ameaçam nos surpreender de repente com algo inusitado. Cumprem sua missão de nos elevar do chão, e pronto.
Escadas de acesso à parte nordeste do Salgueiro (Tijuca) |
Escadaria de acesso ao Morro do Cruz (Andaraí) |
Escadinhas no "Arvrão" (Vidigal) |
Já as escadarias parecem sempre nos remeter a uma dimensão transcendental, e mágica. Lembremos, por exemplo, das escadarias imensas de templos localizados em morros ou colinas. Quando chegamos ao pé delas, e olhamos para cima, vemos aquela grande quantidade de degraus posicionados à nossa espera, como um desafio. E já sentimos a sensação de que, ao final, existe algo a descobrir, depois que vencermos a dificuldade de ascensão, com nosso coração cansado do esforço e nossa respiração ofegante, na tentativa de recuperar rapidamente o fôlego. Lá, no termo da subida, haverá uma recompensa, a dádiva imaterial dos que subiram mantendo sua fé.
Mas, mesmo as escadarias leigas nos apresentam essa magia. Nas cidades em que há escadarias, parece que existe sempre alguma coisa que nos espera para além delas, algo que jamais conseguiremos atingir, mesmo tendo chegado ao cimo da longa escada.
Reparem que há sempre magia nessas cidades cheias de ruas íngremes e cobertas de escadarias.
Mas, mesmo as escadarias leigas nos apresentam essa magia. Nas cidades em que há escadarias, parece que existe sempre alguma coisa que nos espera para além delas, algo que jamais conseguiremos atingir, mesmo tendo chegado ao cimo da longa escada.
Reparem que há sempre magia nessas cidades cheias de ruas íngremes e cobertas de escadarias.
Quando as percorremos, aí pelo Brasil, as cidades coloniais nos apresentam suas escadarias, acompanhando, completando ou cruzando as ladeiras. Parecem sentinelas ordenadas, espiando-nos de uma outra dimensão, como a lembrar-nos, a cada passo, dos esforços exigidos de muitos, desde muitos séculos.
Pedra do Sal, encosta do Morro da Conceição |
Largo João da Baiana, encosta do Morro da Conceição. A "escadaria" atrás é grafitada. |
Quando chegamos ao alto de uma dessas escadarias, seria natural uma sensação de triunfo, uma espécie de orgulho, ou mesmo uma certa arrogância advinda do sucesso. Olhar de cima é uma metáfora geralmente transformada na realidade, nua e crua, da dominação de uns sobre outros, dos poderosos sobre os fracos, dos ricos sobre os pobres, dos que mandam sobre os que devem obedecer.
Eu, curiosamente, quando subo, lentamente, uma dessas escadarias, e chego ao seu término, lá no alto, sinto-me um pouquinho mais humilde, menos pretensioso. É como se o esforço e a dificuldade vencidos purgassem, ainda que minimamente, minhas possíveis pretensões de ser maior, ou melhor, ou mais poderoso.
Já na descida não vejo magia nas escadarias. Tudo se reduz ao ato simples de descer, mesmo quando envolvido numa paisagem cativante. Talvez porque, descendo, podemos reduzir quaisquer pretensões à real condição em que todos vivemos: cá embaixo, no mesmo nível, igualados tanto na possibilidade de subir quanto na inevitável condição de, um dia, ter de descer.
Claro, meu prezado leitor, que não resisto a utilizar as escadarias em sua imagem usual: a de metáforas da vida, no seu sobe e desce constante e inexorável. Mesmo nossa vida orgânica é isto: do nascimento como base da escadaria, passando pelo ponto mais alto, no vigor da juventude e da maturidade, depois descendo, na direção da velhice, até voltar à base, representada pela morte.
Independentemente da magia que vejo nelas, acho as escadarias lindas, e sempre rendo uma homenagem muda a essa maravilhosa invenção, desde que foram escavadas nas rochas ou em troncos, com esses degraus que nos permitem ascender ou descer.
Os degraus de uma escadaria, com sua beleza simples e ordenada, guardam em si marcas indeléveis dos passos que nelas subiram. Num dia calmo, num momento mais silencioso do dia, talvez seja possível até ouvir o ruído de tais passos, que já subiram, desceram e para sempre se perderam nas escadarias do tempo vivido.
J. CARINO é professor universitário aposentado, consultor e escritor. Está no Facebook. Para ler outras crônicas suas, compre seu livro Olhando a Cidade e Outros Olhares.
Eu, curiosamente, quando subo, lentamente, uma dessas escadarias, e chego ao seu término, lá no alto, sinto-me um pouquinho mais humilde, menos pretensioso. É como se o esforço e a dificuldade vencidos purgassem, ainda que minimamente, minhas possíveis pretensões de ser maior, ou melhor, ou mais poderoso.
Já na descida não vejo magia nas escadarias. Tudo se reduz ao ato simples de descer, mesmo quando envolvido numa paisagem cativante. Talvez porque, descendo, podemos reduzir quaisquer pretensões à real condição em que todos vivemos: cá embaixo, no mesmo nível, igualados tanto na possibilidade de subir quanto na inevitável condição de, um dia, ter de descer.
Claro, meu prezado leitor, que não resisto a utilizar as escadarias em sua imagem usual: a de metáforas da vida, no seu sobe e desce constante e inexorável. Mesmo nossa vida orgânica é isto: do nascimento como base da escadaria, passando pelo ponto mais alto, no vigor da juventude e da maturidade, depois descendo, na direção da velhice, até voltar à base, representada pela morte.
Independentemente da magia que vejo nelas, acho as escadarias lindas, e sempre rendo uma homenagem muda a essa maravilhosa invenção, desde que foram escavadas nas rochas ou em troncos, com esses degraus que nos permitem ascender ou descer.
Os degraus de uma escadaria, com sua beleza simples e ordenada, guardam em si marcas indeléveis dos passos que nelas subiram. Num dia calmo, num momento mais silencioso do dia, talvez seja possível até ouvir o ruído de tais passos, que já subiram, desceram e para sempre se perderam nas escadarias do tempo vivido.
Escadaria da Rua Andrés Belo que sobe da Glória a Santa Teresa (cenário do conto "O Morto" do meu livro Édipo) |
Escadaria Selaron (Lapa) |
Escadaria da Praça Pio XI (bairro Jardim Botânico) |
Degraus & calçamento pé-de-moleque (Santa Teresa) |
Morro da Providência |
Mesma escadaria de acesso ao Morro da Providência agora pintada de rosa e com a letra da canção Aluga-se ("Nós não vamos pagar nada...") de Raul Seixas |
Comunidade Santa Marta (Botafogo) |
Escadaria de acesso ao Morro dos Cabritos, decorada com ladrilhos pelo rapper americano Don Blanquito (Copacabana) |
Escadinha "patriótica" perto da Igreja de São Francisco da Prainha, acesso ao Morro da Conceição |
Escadaria com azulejos na lateral da Igreja de Santa Edwiges (São Cristóvão) |
Escadinhas no Morro da Vendinha, Barra de Guaratiba |
J. CARINO é professor universitário aposentado, consultor e escritor. Está no Facebook. Para ler outras crônicas suas, compre seu livro Olhando a Cidade e Outros Olhares.
15.3.15
MANIFESTAÇÃO CONTRA DILMA E A CORRUPÇÃO NA PRAIA DE COPACABANA EM 15/3/2015
O vídeo abaixo mostra a manifestação de trabalhadores contra Dilma, a corrupção & e o desgoverno na manhã de domingo, 15 de março de 2015, Praia de Copacabana. Sem quebra-quebra, sem bandeiras vermelhas, sem dar nó no trânsito, sem lançar pedras nos PMs (que são trabalhadores também). Civilizada. Porque trabalhador de verdade, que produz, que paga impostos, que gera riqueza, que não vive de benesses ou propinas ou maracutaias, que não é pago para participar de manifestação, só tem livre o domingo para protestar.
Entre as palavras de ordem ouvidas: "Eu vim de graça!", "A nossa bandeira jamais será vermelha!", "Vem pra rua!", "Olê, olê, olê, olá, fora Dilma!" Até o saudoso Pra não dizer que não falei de flores que embalou os protestos antiditadura militar foi reciclado: "Dilma vai embora / Que o Brasil não quer você / Aproveita e leva o Lula / E os bandidos do PT." Teve uma mais "pesada" também (mas aqui não é Reino Unido onde não vale xingar a rainha): "Lula cachaceiro, devolve o meu dinheiro!"
A esquerda como sempre não entendeu nada. Acha que tem o monopólio do protesto e não admite quando a "não esquerda" (ou "coxinhas" como gostam de falar, seja lá o que isso signifique) compete com ela pelo exercício desse direito que a Carta Magna assegura a todos nós.
Manifestar-se a favor de Dilma: 50 reais.
Manifestar-se a favor de Dilma: 50 reais.
Contra: Não tem preço.
Eu fui!
Eu fui!
TRECHO DA CRÔNICA "UMA GRANDE LIÇÃO DE BRASIL" DE CORA RÓNAI PUBLICADA NO GLOBO DE HOJE:
Às manifestações compareceram, essencialmente, os que estão contra o governo. Mas há mil razões para se estar contra este governo, e mil formas de se manifestar isso. Foram para as ruas as pessoas que quiseram apenas mandar um recado à classe política, uma espécie de "Veja lá!", e as que desejam ardentemente o impeachment da presidente; foram as que não aguentam mais a corrupção, as que se cansaram da violência, as que não suportam mais impostos tão altos. Foram as que estão contra o Judiciário e as que querem uma ampla reforma ética para moralizar o país. Foram até algumas que se cansaram da democracia e que querem a volta dos militares. Houve de tudo, e recortes isolados permitem qualquer leitura.
Mas as manifestações foram, acima de tudo, uma grande lição de Brasil. Ela será bem aproveitada se soubermos olhar com sabedoria para este espelho múltiplo e plural — e, sobretudo, se os nossos governantes não se blindarem do que lhes disseram as ruas desqualificando os manifestantes como burgueses brancos elitistas manipulados pela mídia golpista.
TRECHO DA CRÔNICA "A PALAVRA CERTA PARA O DESCALABRO" DE JOAQUIM FERREIRA DOS SANTOS PUBLICADA NO GLOBO DE HOJE:
Os acusados de desviar milhões de reais não são apenas
formadores de quadrilha, como quer a acusação fria da justiça. Trata-se de uma
súcia de ladravazes contumazes! — e é assim, botando-se os bofes dos vocábulos
para fora, que a choldra pútrida de patifes merece ser nomeada.
Esses desabafos antigos tinham uma sonoridade aviltante.
Ninguém precisava conhecer o seu significado exato para sentir que pocilga
cheirava mal e que nela todos seus frequentadores, os porcos que agora se
locupletam das riquezas nacionais, deviam chafurdar na lama de suas vilanias. O
vernáculo doía-lhes no lombo e na sua eloquência não deixava qualquer dúvida.
Um covil de canalhas.
Essas palavras vinham ainda com um ponto de exclamação
embutido, um sinal prenhe de indignação e urgência contra o escárnio — mas lá
se foi também a interjeição, coitada!, uma bengala que reforçava a repulsa da
sociedade a essa ignomínia atroz.
Isso é um achincalhe! Bando de sacripantas! [E eu, editor do blog, acrescentaria, como dizia a turma do saudoso Pasquim: Vis, biltres, escarninhos!]
13.3.15
QUAL A ORIGEM DA EXPRESSÃO "CIDADE MARAVILHOSA"?
UMA VERSÃO AMPLIADA DESTE ESTUDO FOI PUBLICADA EM 2022 PELA REVISTA DO INSTITUTO HISTÓRICO E GEOGRÁFICO BRASILEIRO (NÚMERO 488, PÁG. 265) QUE VOCÊ PODE ACESSAR CLICANDO AQUI
O primeiro registro na imprensa carioca do epíteto Cidade Maravilhosa aplicado ao Rio de Janeiro está na página 2 do jornal O Paiz de terça-feira, 16 de fevereiro de 1904, pleno Carnaval. Lemos ali que os foliões de um carro alegórico que criticava as carrocinhas que tolhiam “a canina estirpe de viver e gozar da plena liberdade das ruas desta capital [...] não contentes com os protestos feitos de viva voz, ainda distribuíam estes versos em avulso:
Na edição de 20-21/3/1913 (pág. 3), A Notícia publica uma crônica, na coluna "Contos de Hoje" de Eugenio de Lemos, sobre como ficou bonita a cidade após as reformas urbanísticas, intitulada A CIDADE MARAVILHOSA (em maiúsculas e negrito). É a primeira vez que o título de uma matéria jornalística refere-se nestes termos ao Rio. A certa altura da crônica, lemos: “Cidade Maravilhosa! É a exclamação de todos que nos visitam.” Mais adiante deparamos com este trecho profético: "A cidade progride e avança; toma o mar e toma as montanhas, e estende-se para as costas, varando as rochas. Ainda não temos os caminhos subterrâneos, mas para lá caminhamos acceleradamente. E quando a cidade tiver tudo isso, quando ella não construir os seus palacios apenas na planicie, mas os levar para as montanhas, quando ella habitar tambem os [sic] ilhas encantadoras de sua refulgente bahia e o mar se encher de elegantes yachts, como hoje as avenidas se enchem de automoveis, então ella poderá desafiar as que mais bellas o forem. Ella já é a cidade maravilhosa."
Em 1922 Olegário Mariano publica pela editora Pimenta de Mello (com uma segunda edição em 1930 da Companhia Editora Nacional) um livro de poesias intitulado Cidade Maravilhosa O poema inicial que dá nome ao livro é uma louvação ao Rio de Janeiro, a "Cidade do Amor e da Loucura", “Cidade do Êxtase e da Melancolia”, “Flor das Cidades”, em suma, “Cidade Maravilhosa!”. (O poema completo pode ser lido na postagem Poemas de Amor ao Rio.)
O primeiro registro na imprensa carioca do epíteto Cidade Maravilhosa aplicado ao Rio de Janeiro está na página 2 do jornal O Paiz de terça-feira, 16 de fevereiro de 1904, pleno Carnaval. Lemos ali que os foliões de um carro alegórico que criticava as carrocinhas que tolhiam “a canina estirpe de viver e gozar da plena liberdade das ruas desta capital [...] não contentes com os protestos feitos de viva voz, ainda distribuíam estes versos em avulso:
MATRICULADOS E NÃO MATRICULADOS
Esta gaiola bonita
Que ahi vai sem embaraços
É a invenção mais catita
Do genial Dr. Passos
As ruas de ponta a ponta
Subindo e descendo morros
Por onde passa da conta,
Dos vagabundos cachorros.
Agarra! Cerca! Segura!
— Grita a matilha dos guardas —
Correndo como em loucura
Com um rumor de cem bombardas.
Terra sempre em polvorosa
Sem igual no mundo inteiro,
Cidade maravilhosa!
Salve, Rio de Janeiro!”
A partir daí, vemos referências esparsas à cidade do Rio
como “maravilhosa”, por exemplo:
· Na pág. 1 de O Paiz de 4/5/1904, em matéria
intitulada “Uma Obra Politica”, lemos: “A população comprehendeu bem a grandeza
do serviço que o governo lhe vai prestar, negando-se a crear embaraços á sua
acção, como queriam agitadores profissionais, antes, facilitando todo os
accôrdos e sujeitando-se a todas as prescripções legaes, no bom intento de ver
transformada, embellezada e saneada esta cidade maravilhosa, de cuja
fama e de cuja força depende o equilíbrio da seiva econômica em todos os órgãos
do paiz.”
· Na pág. 3 de A Notícia de 22-23/5/1907, em
matéria intitulada “No Palacio Monroe”, lemos (transcrito na ortografia da época):
“Está ainda na lembrança de todos os habitantes desta cidade maravilhosa
a rapidez com que o general [...] concluio o Palacio Monroe, para o qual
aproveitou o mesmo plano e grande parte de elementos que serviram na
architectura do pavilhão brasileiro da Exposição Universal de S. Luiz”.
· Na pág. 2 de A Notícia de 6-7/7/1909, em matéria
intitulada “Dez Annos Atrás”, lemos: “ [...] passeando esta cidade de tão
lindas ruas novas, percorrendo as avenidas, respirando um ar que não é o das
antigas vielas infectas, habitando uma nova cidade maravilhosa e salubre
[...]”.
Em 1908 montou-se na Urca a Exposição Nacional comemorativa
do centenário da abertura dos portos, na época uma espécie de "cidade
artificial" asséptica & deslumbrante, como hoje, digamos, uma
Disneyworld. Nesse período torna-se comum
na imprensa designar essa exposição de “cidade maravilha” ou “cidade
maravilhosa”.
Nesse contexto, Coelho Neto vem a publicar, na página 3 da edição de 29-30 de outubro de 1908 de A Notícia (e não em 28/10 como afirmam quase todas as fontes), a crônica “Os Sertanejos”, à qual se atribui falsamente a “criação” do termo Cidade Maravilhosa para designar o Rio de Janeiro. Nada mais longe da verdade.
A crônica narra a história de um grupo de sertanejos “contratados para cantar e dansar no recinto da Exposição”. Após conhecerem a cidade em si, “a cidade formidável, a cidade devoradora d’homens, com as avenidas largas, margeadas de palácios colossaes, com o mover incessante de uma multidão apressada, com o reboliço vertiginoso dos vehiculos, com a zoeira dos automoveis, com o troar dos pregões, com todo esse confuso movimento que é a vida, desde o passo subtil, despercebido de um mendigo andrajoso que se esgueira ao longo dos muros, resmungando lamúrias, até a estropeada heroica de um regimento com a bandeira desfraldada ao vento, as armas lampejando ao sol e os clarins resoando em notas marciaes”, ao adentrarem a Exposição, “na avenida dos palácios brancos”, são tomados pelo assombro:
Nesse contexto, Coelho Neto vem a publicar, na página 3 da edição de 29-30 de outubro de 1908 de A Notícia (e não em 28/10 como afirmam quase todas as fontes), a crônica “Os Sertanejos”, à qual se atribui falsamente a “criação” do termo Cidade Maravilhosa para designar o Rio de Janeiro. Nada mais longe da verdade.
Crônica "Os Sertanejos" de Coelho Neto na edição de 29-30 de outubro de 1908 de A Notícia. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional - Brasil. |
A crônica narra a história de um grupo de sertanejos “contratados para cantar e dansar no recinto da Exposição”. Após conhecerem a cidade em si, “a cidade formidável, a cidade devoradora d’homens, com as avenidas largas, margeadas de palácios colossaes, com o mover incessante de uma multidão apressada, com o reboliço vertiginoso dos vehiculos, com a zoeira dos automoveis, com o troar dos pregões, com todo esse confuso movimento que é a vida, desde o passo subtil, despercebido de um mendigo andrajoso que se esgueira ao longo dos muros, resmungando lamúrias, até a estropeada heroica de um regimento com a bandeira desfraldada ao vento, as armas lampejando ao sol e os clarins resoando em notas marciaes”, ao adentrarem a Exposição, “na avenida dos palácios brancos”, são tomados pelo assombro:
— Assumpta, Clodina: não parece que a gente tá vendo uma cidade encantada como aquellas das história [sic]? [...]
Era ao cahir da tarde, uma tarde elegíaca, violácea, quieta, sem o silvo de uma cigarra. Os penhascos pareciam de lápis lazuli e os palacios, ainda mais brancos sobre o fundo escuro das rochas portentosas, alvejavam marmóreos. Longe, nos estábulos, o gado tino mugia, nostálgico, pondo no silêncio enlevado a tristeza bucólica das várzeas, em contraste com o requinte da cidade maravilhosa [a saber, a Exposição; para ler a crônica de Coelho Neto completa clique aqui].
Vemos portanto que constitui um erro atribuir a Coelho Neto
a designação de Cidade Maravilhosa para o Rio. E ainda que, em sua crônica, a "cidade maravilhosa" se referisse ao Rio como um todo, ele não teria sido pioneiro nessa designação, como vimos.
De setembro
a dezembro de 1911, a poetisa francesa Jane Catulle Mendès, viúva do escritor e
poeta Catulle Mendès, visitou o Rio de Janeiro, encontrando uma cidade
recém-emergida de um “banho de loja” que foi a reforma urbanística de Pereira
Passos. Encantada com a cidade, sobretudo pela flora e belezas naturais,
escreveu uma série de poemas de “amor ao Rio” publicados em Paris em 1913 em
volume intitulado La Ville Merveilleuse (A
Cidade Maravilhosa).
Já no primeiro poema descrevendo a chegada (de navio, na
época) na Baía da Guanabara, escreve a poetisa: “Jamais tant de splendeurs
n’ont ébloui les yeux! C’est ici le pays de toute la lumière” (Jamais
tantos esplendores deslumbraram os olhos ! Aqui é a terra de todas as luzes) e
no poema final, "Adieu" ("Adeus"), escreve: “Rio douce
et fougueuse au visage doré” (Rio doce e briosa de semblante dourado”). E
no poema “Dans Longtemps” (Daqui a muito tempo) a autora não poupa declarações
de amor à cidade: “Cité voluptueuse et tendre” (Cidade voluptuosa e
meiga) “Cité d’or” (Cidade de ouro) “Rio radieuse, ô Ville des
étoiles” (Rio radiante, ó Cidade das estrelas) “Merveilleuse Rio, Ville
de la Beauté” (Rio Maravilhoso, Cidade da Beleza). (Saiba mais sobre Jane Catulle Mendès e seu livro de poemas clicando aqui.)
Crônica "A CIDADE MARAVILHOSA" publicada na coluna "Contos de Hoje" de Eugenio de Lemos na edição de 20-21/3/1913 de A Notícia. Acervo da Fundação Biblioteca Nacional - Brasil. |
Na edição de 20-21/3/1913 (pág. 3), A Notícia publica uma crônica, na coluna "Contos de Hoje" de Eugenio de Lemos, sobre como ficou bonita a cidade após as reformas urbanísticas, intitulada A CIDADE MARAVILHOSA (em maiúsculas e negrito). É a primeira vez que o título de uma matéria jornalística refere-se nestes termos ao Rio. A certa altura da crônica, lemos: “Cidade Maravilhosa! É a exclamação de todos que nos visitam.” Mais adiante deparamos com este trecho profético: "A cidade progride e avança; toma o mar e toma as montanhas, e estende-se para as costas, varando as rochas. Ainda não temos os caminhos subterrâneos, mas para lá caminhamos acceleradamente. E quando a cidade tiver tudo isso, quando ella não construir os seus palacios apenas na planicie, mas os levar para as montanhas, quando ella habitar tambem os [sic] ilhas encantadoras de sua refulgente bahia e o mar se encher de elegantes yachts, como hoje as avenidas se enchem de automoveis, então ella poderá desafiar as que mais bellas o forem. Ella já é a cidade maravilhosa."
Em 1922 Olegário Mariano publica pela editora Pimenta de Mello (com uma segunda edição em 1930 da Companhia Editora Nacional) um livro de poesias intitulado Cidade Maravilhosa O poema inicial que dá nome ao livro é uma louvação ao Rio de Janeiro, a "Cidade do Amor e da Loucura", “Cidade do Êxtase e da Melancolia”, “Flor das Cidades”, em suma, “Cidade Maravilhosa!”. (O poema completo pode ser lido na postagem Poemas de Amor ao Rio.)
A edição de 10 de novembro de 1927 do Jornal do Brasil (que você pode consultar na Hemeroteca Digital) publica uma nova versão da já citada crônica de Coelho Neto, agora denominada simplesmente "Sertanejos", bastante modificada, onde a Exposição Nacional dá lugar a um cinema e, agora sim, a cidade maravilhosa alude ao Rio.
Em 1928 Coelho Neto publica seu livro de contos A Cidade Maravilhosa, mas ao contrário do que se pensa, a "cidade maravilhosa" que dá nome ao conto inicial não é o Rio, é uma "cidade de sonho", imaginária, evocada à noite por uma queimada. "
Em 1928 Coelho Neto publica seu livro de contos A Cidade Maravilhosa, mas ao contrário do que se pensa, a "cidade maravilhosa" que dá nome ao conto inicial não é o Rio, é uma "cidade de sonho", imaginária, evocada à noite por uma queimada. "
Aqui a tem, a sua cidade maravilhosa. Viu-a de longe, era linda. Veja agora. Ilusões, fanciulla [criancice]. Adriana olhava estarrecida. Mas não era a destruição das árvores, não eram aquelas cinzas pardacentas, ainda mornas, não eram aqueles troncos denegridos, aqueles ramos que rechinavam [=queimavam] amojados de seiva que a comoviam, mas a lembrança da cena da estrada, a sedução do homem sinistro a mostrar-lhe, ao longe, no fogaréu rutilante, a cidade maravilhosa, cidade do sonho, cidade do amor." (Para ler o conto inteiro clique aqui.)
Em 1o de setembro de 1933, o locutor César Ladeira estreou na Rádio
Mayrink Veiga, lendo as “Crônicas da cidade gozada”, de Genolino Amado, mas
depois de receber cartas e telefonemas criticando o título, mudou-o para
“Crônicas da Cidade Ma-ra-vi-lho-sa”, conforme lemos em Henrique Foréis
Domingues, No Tempo de Noel Rosa: O Nascimento do Samba e a Era de Ouro da
Música”.
Em 1935 o mesmo César Ladeira escreve uma revista, que inclui três canções de Ary Barroso (“Garota colossal”, parceria com Nássara, “Grau dez”, parceria com Lamartine Babo e o samba “Foi ela”), intitulada "Cidade Maravilhosa”, apresentada no Teatro Recreio.
Em 1935 o mesmo César Ladeira escreve uma revista, que inclui três canções de Ary Barroso (“Garota colossal”, parceria com Nássara, “Grau dez”, parceria com Lamartine Babo e o samba “Foi ela”), intitulada "Cidade Maravilhosa”, apresentada no Teatro Recreio.
No Carnaval de 1935, a marcha Cidade Maravilhosa de
André Filho, gravada por Aurora Miranda, enfim consagra o termo pelo qual hoje
todos conhecemos o Rio de Janeiro, Patrimônio Cultural da Humanidade, com muito
orgulho, com muito amor...
Foto do Mirante do Pasmado tiradas pelo editor do blog. Pesquisas em periódicos antigos realizadas pelo editor do blog na Hemeroteca Nacional e Biblioteca Nacional.
Foto do Mirante do Pasmado tiradas pelo editor do blog. Pesquisas em periódicos antigos realizadas pelo editor do blog na Hemeroteca Nacional e Biblioteca Nacional.
ADENDO EM 20/12/2015: TEXTO DE ALEXEI BUENO SOBRE A ORIGEM DO EPÍTETO "CIDADE MARAVILHOSA":
Jane Catulle Mendès chegou ao Rio de Janeiro com o
prestígio, no momento mais francófilo da história do Brasil, de ser a viúva de
Catulle Mendès, um dos poetas mais conhecidos da França na segunda metade do
século XIX, e fundador, com Jean-Xavier de Ricard, do famoso Le Parnasse
Contemporain, publicação da qual surgiu a escola parnasiana, verdadeiro
estilo literário oficial entre nós na época. Encarecia-lhe ainda mais o
prestigio a aura da tragédia, pois dois anos antes, em 1909, Catulle Mendès morrera de forma estúpida, em Saint-Germain-en-Laye, ao cair e ser esmagado
pelo trem em que viajava, pensando já haver chegado à estação.
No período em que esteve no Rio de Janeiro, entre 20 de
setembro e 6 de dezembro de 1911, Jane Catulle Mendès foi a convidada de honra
das mais importantes figuras da elite da Capital Federal, visitou os mais
elegantes salões que entre nós existiam, foi recebida pelo presidente da
República e deu três conferências com grande sucesso, uma delas no Theatro
Municipal, intitulada "Les femmes de lettres françaises". Se
imaginarmos quão bem ela foi recebida, e a época realmente gloriosa para a
cidade em que isso se passou — o pouco mais de decênio e meio entre o fim da
gestão de Pereira Passos e a destruição do morro do Castelo e inicio da
verticalização da cidade — fica claro o motivo do encantamento que a inspirou a
escrever e publicar, em 1913, em Paris, o livro de poemas intitulado La
Ville Merveilleuse, Rio de Janeiro, poèmes. Extasiada com a beleza da
cidade, os poemas, muitos deles dedicados a ilustres figuras da época — o
presidente Hermes da Fonseca, o senador Pinheiro Machado, a mecenas e grande
dama da sociedade Laurinda Santos Lobo — faziam a apologia em regra da cidade
e, graças ao título do livro, nascia o seu epíteto plenamente consagrado. É
óbvio que em textos anteriores, especialmente na imprensa, tal expressão ja
fora usada, como bem pesquisou Ivo Korytowski, o que deve ter acontecido com
todas as cidades notáveis do mundo. Na obra-prima de Jean Vigo, L'Atalante,
de 1934, apenas como exemplo, o personagem Père Jules, interpretado por Michel
Simon, interpreta uma canção cujo primeiro verso é: “Paris, Paris, ville
infâme et merveilleuse”. Apesar do infâme
pelo meio, nela encontramos a exata expressão ville merveilleuse, que nunca
substitui, no entanto, o de Ville Lumière para Paris. Parece-nos,
portanto, que a hoje totalmente esquecida Jane Catulle Mendes foi, senão a
criadora, a oficializadora do epíteto do Rio de Janeiro.
(Texto de Alexei Bueno extraído de Rio Belle Époque: Álbum de imagens, Bem-Te-Vi, 2015)
1.3.15
LA VILLE MERVEILLEUSE (A CIDADE MARAVILHOSA) de JANE CATULLE MENDÈS
Jane Catulle Mendès em ilustração do frontispício do livro |
A poetisa francesa Jane Catulle Mendès (1867-1955; nome de solteira:
Jeanne Nette), "um nome feminino que é a um tempo o maior expoente das letras e da elegancia de seu sexo na capital da civilização occidental" (O Paiz, 20/9/1911, p. 5, anunciando sua chegada) viúva do escritor e poeta Catulle Mendès, visitou o Rio de 20 de setembro a 6 de dezembro de 1911,
sendo regiamente recebida nos melhores salões da nossa Belle Époque, dando três conferências, a última no Theatro Municipal (intitulada "Les Femmes de Lettres Françaises"), chegando a ser recebida em audiência especial pelo Presidente da República.
Encontrou uma cidade recém-emergida de um “banho de loja” que foi a reforma urbanística de Pereira Passos. Encantada com a cidade, sobretudo pela flora e belezas naturais, escreveu uma série de poemas de “amor ao Rio” publicados em Paris em 1913 em volume intitulado La Ville Merveilleuse - Rio de Janeiro - Poèmes.
Encontrou uma cidade recém-emergida de um “banho de loja” que foi a reforma urbanística de Pereira Passos. Encantada com a cidade, sobretudo pela flora e belezas naturais, escreveu uma série de poemas de “amor ao Rio” publicados em Paris em 1913 em volume intitulado La Ville Merveilleuse - Rio de Janeiro - Poèmes.
Já no primeiro poema
descrevendo a chegada (de navio, na época) na Baía da Guanabara, escreve a
poetisa: “Jamais tant de splendeurs n’ont ébloui les yeux! C’est ici le
pays de toute la lumière” (Jamais tantos esplendores deslumbraram os olhos
! Aqui é a terra de todas as luzes) e no poema final, "Adieu"
("Adeus"), escreve: “Rio douce et fougueuse au visage doré”
(Rio doce e briosa de semblante dourado”). E no poema “Dans Longtemps” (Daqui a muito tempo) a autora não poupa declarações de amor à cidade: “Cité voluptueuse et tendre” (Cidade voluptuosa e meiga) “Cité d’or” (Cidade de ouro) “Rio radieuse, ô Ville des étoiles” (Rio radiante, ó Cidade das estrelas) “Merveilleuse Rio, Ville de la Beauté” (Rio Maravilhoso, Cidade da Beleza).
Poderíamos então dizer que Jane Catulle Mendès criou a designação Cidade Maravilhosa para o Rio? Criar, propriamente, não criou, em um ou outro artigo de jornal já havia sido empregada. Por exemplo, em matéria em A Notícia de 22/5/1907 intitulada "No Palacio Monroe" lemos (transcrevo na ortografia da época): “Está ainda na lembrança de todos os habitantes desta cidade maravilhosa a rapidez com que o general [...] concluio o Palacio Monroe, para o qual aproveitou o mesmo plano e grande parte de elementos que serviram na architectura do pavilhão brasileiro da Exposição Universal de S. Luiz”. Nesse mesmo jornal, na edição de 6 de julho de 1909, na matéria “Dez Annos Atrás” lemos: “ [...] passeando esta cidade de tão lindas ruas novas, percorrendo as avenidas, respirando um ar que não é o das antigas vielas infectas, habitando uma nova cidade maravilhosa e salubre [...]”. Idem em exemplares de A Notícia de 1909 e 1910. E a edição de 20/3/1913 apresenta um artigo inteiro sobre as belezas de nossa cidade intitulado A CIDADE MARAVILHOSA (assim em maiúsculas e negrito; mas isto será objeto de outra postagem futura).
Se Jane Catulle Mendès não foi exatamente a "criadora" da expressão Cidade Maravilhosa, foi a primeira a empregá-la como título de uma obra literária. O livro em que tanto enalteceu nossa cidade hoje é uma raridade bibliográfica, nunca foi reeditado. Em comemoração aos 450 anos de sua fundação reproduzo aqui estão alguns poemas (no original francês, muito bem construídos, bem ritmados, bem rimados, bem metrificados). Para quem domina o idioma de Corneille e Racine é sopa no mel...
Agradeço a Alexei Bueno por ter gentilmente permitido a consulta a este livro de sua biblioteca. As fotos do Rio Antigo, da época em que Jane esteve por aqui, dão uma ideia do que ela teria visto e foram obtidas na Biblioteca Nacional Digital.
Se Jane Catulle Mendès não foi exatamente a "criadora" da expressão Cidade Maravilhosa, foi a primeira a empregá-la como título de uma obra literária. O livro em que tanto enalteceu nossa cidade hoje é uma raridade bibliográfica, nunca foi reeditado. Em comemoração aos 450 anos de sua fundação reproduzo aqui estão alguns poemas (no original francês, muito bem construídos, bem ritmados, bem rimados, bem metrificados). Para quem domina o idioma de Corneille e Racine é sopa no mel...
Agradeço a Alexei Bueno por ter gentilmente permitido a consulta a este livro de sua biblioteca. As fotos do Rio Antigo, da época em que Jane esteve por aqui, dão uma ideia do que ela teria visto e foram obtidas na Biblioteca Nacional Digital.
La Ville Merveilleuse - RIO DE JANEIRO - POÈMES. |
Frontispício. A epígrafe de VICTOR HUGO diz: "Ah! Ce navire fait le voyage sacré." |
Primeiro poema descreve a chegada na Baía da Guanabara |
CRÉPUSCULE
A M. Nabuco de Gouvêa
Belle Rio courbée
autour du flot chantant,
Que baigne une
atmosphère ambrée et diaprée
De topaze,
d’opale e d’agate cendrée,
Dans la docilité
du doux soir consentant,
Sous le ciel
rapproché de ce sublime instant,
Rio muette ainsi
qu’une femme sacrée
Et pâle de porter
une ardeur ignorée,
Quel est l’amant
divin que ton silence attend ?
L’a-bas, la
Tijuca semble un nuage mauve,
Le Couchant
soufre a l’air d’un oiseau qui se sauve
Pour qu’au monde
plus rien ne trouble ton repos ;
Mais à quoi
rêves-tu dans ton ombre irisée,
A quels
enivremens fanatiquement beaux,
Rio couleur de
perle et pleine de rosée...
PRAIA VERMEILHA
A Madame Laurence de Lalande.
O Praia
Vermeilha, douce, ronde, irisée,
O plus petite
perle et la plus ravissante
Du beau collier
cernant la Ville éblouissante,
Fieur de nacre,
riant joyau, grain de rosée,
Parmi tant de
beautés hautes et spacieuses,
Etroitement
divine et seulement jolie,
Vous offrez, coin
du monde où le monde s’oublie,
Une châsse dorée
aux âmes bienheureuses.
Luisante entre
les monts quel pouvoir est le vôtre !
Vous semblez
grande à peine autant qu’une fenêtre,
Et pour vous
visiter, n’est-ce pas? il faut être,
Alors que l’on
est deux, serrés l’un contre l’autre.
O Praia
Vermeilha, charme, rêve, folie,
Asile caressant,
droite à votre terrasse,
Je vous livre
ardemment en cet instant de grâce,
Ma solitude
altière et ma mélancolie.
Ah! Reviendrai-je
un jour, refuge qui flamboie,
Un front contre
mon front, un bras à mon épaule,
Forte comme
l’azur, pliante comme un saule
Et le cœur
plein d’un dieu, vous confier ma joie...
NOCTURNE
A M. R. G. de Sigueira-Fritz.
Dans la nuit de
caresse et d’attirant mystère
Où rôdent les
dangers adorés de l’été,
La Tijuca drapée
en sa sombre beauté,
Dressa sa grâce
douce, auguste et volontaire.
Au fond de
l’ombre molle où tout bruit va se taire,
La Ville qui
s’allume est un ciel répété,
Et la montagne
avec sa tendre majesté,
Joint aux astres
d’en haut les astres de la terre.
Un musical secret
comble le cœur humain,
Des rèves immortels parcourent le chemin,
On entend murmurer des choses invisibles ;
Un faune léger passe, échappé d’un beau parc,
Et contre un bananier, sous les palmes sensibles,
L’âpre Amour embusqué tend doucement son arc.
CE SOIR...
Ce soir, un
délirant crépuscule s’étale
Sur le Corcovado
rempli de papillons,
L’abîme de
feuillage est criblé de rayons
Dont chacun est
un chaud et flamboyant pétale.
Ce soir est tout
entier comme une grande fleur,
Comme les fleurs
d’ici, sanglantes et lascives ;
Ah ! mon cœur exalté,
se peut-il que tu vives
Si surchargé d’émois, de parfums, de chaleur.
Les rouges papoûlas, ardents de mille fièvres,
Dans les branchages verts où brûlent leurs aveux,
Tremblent de volupté, comme sous des cheveux
Un visage caché ne montrant que les lèvres.
On ne peut
respirer l’air cruellement doux,
Le mont est
embrasé de soupirs et d’arômes,
Les flots
phosphorescentes sont chargés de fantômes,
Tant d’azur est
au ciel qu’il va tomber sur nous.
Tout est trop
grand, trop fort, trop lourd, trop charmant même,
Je ne peux plus
subir cet excès de beauté,
Rien qu’une odeur
de plus, rien qu’un mot ajouté...
Je mourrais si
quelqu’un me disait : « Je vous aime. »
SOIR MARIN
A M. A. Gasparoni.
Mer qui frappes
ton cœur contre le roc du Lème
Avec les battements de ton beau sang nerveux,
Mer chaude de désir et tremblante d’aveux,
Ton cri d’amour, ce soir, est plus grand que toi-même
Sur ton sein soulevé, tendre et couleur de gemme,
La Copacabana pose un collier de feux ;
Mais le mont insensible aux splendeurs que tu veux
Met la borne du monde à ton appel suprème.
Mer que dompta Jésus, d’où naquit Asterté,
Mer qui reçus la foi, qui donnas la beauté,
Mer des miraculeux exils, je te dédie,
En ce soir de messie où le divin est vrai,
Mon rêve impatient, mon cœur de mélodie,
Et je goûte le sel de ton flot consacré !
DANS LONGTEMPS
A M. F. Guimaraes.
Quand vous ne
serez plus la Ville que vous êtes,
Que vous serez
plus belle encor, belle Rio,
Quand mon nom
lumineux qui nomma deux poètes
Ne sera plus
qu’un son gravé sur un tombeau
Quand, ô blance
Cité voluptueuse et tendre,
Toute la
cérébrale et lasse humanité
Viendra se
reposer du devoir de comprendre
Dans le sein
naturel de ta jeune beauté,
Quand la
mélodieuse et fraîche poésie
Eteinte aux durs
pays de forge et de métal,
O seule vérité
dont le cœur s’extasie !
Chantera pour toujours dans les nuits de cristal,
Quand dans nos bois mourra notre dernière fée
Et que peut’être, un jour, une de tes forêts,
Une vierge forêt verra revivre Orphée
Et les lions couchés à ses beaux pieds distraits,
Alors, ô Cité d’or que j’aurai tant chantée,
Dont j’aurai la première et d’une telle ardeur,
Comme Pygmalion anima Galathée,
Eveillé l’âme éparse au fond de la splendeur,
O Rio radieuse, ô Ville des étoiles,
Dans longtemps, dans longtemps, lorsque je dormirai
Sous la pierre blanchâtre et sous les blanches toiles,
Conserve un peu pour moi de souvenir sacré.
Que penché sur ce livre où j’ai dit ta jeunesse,
Plein de recueillement un jeune cœur rêveur
Mèdite mon brûlant poème et reconnaisse
Comme pour ta beauté j’ai montré de ferveurs.
Qu’un jeune homme pareil à ceux-ci que je voie
Vers mon front réfléchi lever leurs grands yeux noirs,
Sente éclater en lui une soudaine joie
A retrouver l’accent de tes premiers espoirs.
Que la tête en se mains, dans la Bibliothèque
Construite près des monts où poussent des fleurs d’or,
Où l’enfant indolent dévore une pastèque,
Où la mer vient briser son éternel essor,
Il songe à ce passé de sa belle patrie
Dont mon livre sera l’harmonieux gardien,
Que d’un cœur favorable et d’une âme attendrie
Il aime mon pays puisque j’aimais le sien.
Et puis que contemplant ma souriante image,
Tout ce qui restera de celle que je fus,
Son cœur vivant me rende encore un doux hommage
Et soit pris lentement de regrets imprévus.
Qu’il pense trop à moi, qu’il m’aime enfin, qu’il m’aime,
Puisque je n’ai jamais rien voulu que l’amour,
Que par-delà l’instant de mon souffle suprême,
Je sois aimée encore une heure, encore un jour !
— Et qu’un vieillard aussi dire : « Je l’ai
connue ;
« Ecoute, ô cher enfant serré sur mes genoux,
« C’est de la France un jour qu’elle nous est venue,
« La France, tu sais bien, le pays le plus doux... »
Que l’enfant
sérieux et que le vieillard grave,
Ah ! que
tous deux encor me prennent dans leur cœur,
Quand je
repouserai dans la pierreuse entrave,
Que leur amour
sur moi tombe comme une fleur.
Si par ma douce voix tu fus un peu charmée,
Merveilleuse Rio, Ville de la Beauté,
Aime-moi quelque temps ; quelque temps être aimée
C’est tout ce que je veux pour immortalité.
ADIEU
A M. Amaral França.
Quelques jours
s’éteindront, et puis je partirai.
Je ne serai plus
là, tendre et contemplative,
Avec mon cœur
docile à ce qui le captive,
Rio douce et fougueuse au visage doré,
J’aurai chanté ta force et ton charme admiré,
Le secret enflammé de ta foi primitive,
Ton angoisse de toute haute tentative,
Et prédit l’avenir qui vient selon ton gré.
Je t’aurai fait le bien que l’on fait quand on aime,
Je te dirai merci de ta beauté suprême,
Et puis, me détournant une dernière fois,
Je partirai. — Puisses-tu, Ville éblouissante,
Garder un peu de temps l’ombre de la passante
Et l’écho recueilli de sa légère voix.
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