ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

19.11.08

NA MINHA LAJE OU NA SUA?

Paulo da Mata-Machado Jr.
Para o Paulinho, que gosta do Rio ainda mais que eu


Deu na TV: concurso da “garota da laje” parou o Centro do Rio. As imagens mostravam as moças desfilando em uma rua do “Saara” – aquele tradicional comércio carioca. A tigrada em volta, babando. Olhinhos arregalados, os marmanjos se regalavam com toda aquela plástica eufórica, que só a juventude tem. Quase uma epifania coletiva.

Corta para o subúrbio longínquo lá pros lados da Baixada: um daqueles “jardim” isso, ou aquilo, eufemismos lançados pela especulação imobiliária. Lá estão aquelas centenas de habitações, espremidas em lotes mínimos, em sua maioria de tijolo sem reboco. Por cima a laje nua e só uma caixa de água de amianto - mineral largamente utilizado em nosso país, depois que a indústria provou por A+B que o tipo brasileiro é a crisolita, que faz até bem pra saúde (só não explicaram que se tratava da saúde financeira dos donos do negócio).

Então como eu ia dizendo, a câmara fecha em uma bonita jovem na porta de sua casa, que vai explicando como ela, as amigas e as vizinhas se bronzeiam. Enquanto sobe uma frágil escada do lado de fora da casa rumo ao teto, mostra os accessórios que vai tirando de dentro da grande bolsa: um vidro de loção própria “é para ficar que nem frango de padaria: Lustrosa”... uma canga, óculos escuros marca camelô do Méier, sandálias de salto, vez ou outra uma revista, dessas de fofocas.

Aí já aparece a moça em pé, no alto da laje de sua casa. Um sumaríssimo fio dental adorna sua magnífica nudez, para gáudio da vizinhança masculina e (talvez) inveja das comadres, pois a quase-menina como direi, ainda está com “tudo em cima”.

Bendita moça, de quem não guardei o nome! Bendita basbacaria! Esse talento inventivo nunca faltou ao carioca: não tem grana para os vários ônibus até a praia? Vai pra laje, põe uma piscininha (pequena pra não pesar muito) o último funk berrando no toca discos portátil, algumas vezes uma churrasqueira pra carne de gato e vamos nós! Geralmente vira festa e segue noite adentro. E depois de muito samba, suor e cerveja, imagino a gracinha da moça, enleada pelo galã do pedaço que sussurra tesudo: “Na minha laje ou na sua?”


Texto gentilmente enviado pelo autor. Foto obtida na Internet.

15.11.08

TEMPLO POSITIVISTA

O AMOR POR PRINCÍPIO, E A ORDEM POR BASE; O PROGRESSO POR FIM.


Em pedra e cal, o prédio foi concluído em 1897 e abriga, até hoje, a Igreja Positivista, fundada no Brasil em 1881, por Miguel Lemos. Dentro do espírito eclético, a fachada reproduz a do Panteon de Paris, com robustas colunas e destacado frontão. Uma rosa dos ventos, na entrada do templo, indica a direção de Paris. No Brasil, as idéias positivistas começaram a chegar na segunda metade do século XIX e tiveram grandes divulgadores como Benjamin Constant, Miguel Lemos e Teixeira Mendes. Penetraram nas universidades e no meio militar, atuando como suporte das críticas à Monarquia e da propaganda republicana. Exemplos da influência do positivismo podem ser encontrados no culto cívico a personalidades históricas [Tiradentes, por exemplo] e no lema “Ordem e Progresso” presente na bandeira nacional. (Transcrito do Guia Michelin do Rio de Janeiro.)

O Templo da Humanidade (fotos) fica na Rua Benjamin Constant, 74 - Glória. É um dos três únicos templos positivistas do mundo, os outros situados em Paris (5 rue Payenne) e Porto Alegre (Av. João Pessoa, 1.058). Abre aos domingos a partir das 10 da manhã.


Escreve João do Rio em As religiões no Rio:

Era domingo, à porta do templo da Humanidade, na rua Benjamim Constant. Com o céu luminosamente azul e o sol tépido, havia muita concorrência nessa rua, de ordinário deserta: senhoras, cavalheiros de sobrecasaca, militares, crianças. Uns subiam logo as escadas do templo, cuja fachada recorda um templo grego; outros mais íntimos, seguiam para o fundo, pelo lado direito. Teixeira Mendes fazia a sua prédica dominical. [...]

- Mas este templo como foi feito?
- O Apostolado deixou a sede da rua Nova do Ouvidor para a rua do Lavradio. A mudança determinou o lançamento de um empréstimo em 1891 para a construção do templo, no que muito concorreram Pereira Reis, Otero, Rufino de Almeida, Décio Vilares. A inauguração foi em 1894, e a igreja custou 250 contos.
- É mais uma prova da importância do Centro no regime republicano.
- A nossa intervenção no início da República foi de primeira ordem. Basta citar a Bandeira Nacional, a separação da Igreja do Estado, a liberdade dos professores, a reforma do código no caso da tutela de filhos menores. [...]

O templo da humanidade é lindo. Ao alto, junto ao teto correm janelas que arejam o ambiente. Todo pintado de verde-mar, está-se dentro como num suave banho de esperança.




Fotos do editor do blog.

2.11.08

HISTÓRIA DOS CEMITÉRIOS DO RIO DE JANEIRO


No Rio colonial os mortos ligados a alguma irmandade religiosa eram enterrados dentro das Igrejas ou nos seus adros, enquanto os indigentes, pobres ou "pretos novos" eram enterrados em covas coletivas em terrenos disponíveis. O primeiro cemitério a céu aberto da cidade, privativo da colônia inglesa, foi o Cemitério dos Ingleses, de 1811. Em meados do século XIX foram criados os grandes cemitérios abertos a todos os cidadãos, de qualquer religião (tanto é que existe uma "ala judaica" no Caju, túmulos positivistas, sem cruz, no S.J. Batista, etc.): São Francisco Xavier (o “Cemitério do Caju”), São Francisco de Paula (o “Cemitério do Catumbi”) e São João Batista. No Caju existe ainda o Cemitério da Penitência, Comunal Israelita e o Cemitério Vertical Memorial do Carmo. A relação de todos os vinte cemitérios do Rio você encontra aqui. A seguir textos de Alexei Bueno, Pedro Nava, Mauro Matos e Cláudio Henrique (extraídos de diferentes livros) sobre os principais cemitérios cariocas.

CEMITÉRIO DOS INGLESES


Os vivos e os mortos

Lápide no interior da capela, de uma criança, Thomas Barker, falecida em 13 de fevereiro de 1812 aos dez anos. Sob o anjo trombeteiro o versículo de Jó 19:25.

Túmulos e capela. Observe que os túmulos protestantes são mais despojados que aqueles encontrados em cemitérios católicos (quase tão despojados quanto os túmulos judaicos).

 Túmulo do General João Tarcísio Bueno (1906-1963), nome lendário na história da FEB e do Exército Brasileiro, um dos grandes heróis brasileiros, ator central do mais sangrento e épico dos ataques brasileiros a Monte Castelo, em 12 de dezembro de 1944. Sobre ele seu neto Alexei escreveu o livro "João Tarcísio Bueno, o herói de Abetaia"

Durante todo o período colonial no Brasil, as inumações foram feitas dentro das igrejas, ou, quando muito, em catacumbas anexas. [...] Tal hábito começou a declinar com a chegada da Corte portuguesa, fugida de Napoleão, em 1808, e sobretudo com a abertura dos portos às nações amigas, entenda-se Inglaterra. Foi numa encosta do morro da Providência, na Gamboa — o mesmo que, em sua outra face, veria nascer a primeira favela após o desmobilizamento das tropas da guerra de Canudos, sendo por isso também conhecido como morro da Favela —, voltada para o mar, que surgiu o Cemitério dos Ingleses, o primeiro a céu aberto do Rio de Janeiro e um dos primeiros do Brasil.

Pelo Tratado de Amizade e Comércio, assinado entre o príncipe regente D. João e o rei Jorge III, no dia 19 de fevereiro de 1810, ficava permitido "o enterramento de vassalos de Sua Majestade Britânica, que morressem nos territórios de Sua Alteza Real o príncipe Regente de Portugal, em convenientes lugares, que seriam designados para este fim, não se perturbando, de modo algum, por qualquer motivo, os funerais e as sepulturas dos mortos".


Do livro de Alexei Bueno, Gamboa, que faz parte da coletânea Cantos do Rio.


CEMITÉRIO DO CAJU


Crematório

Covas rasas

À memória de minha mãe

Ala judaica (do tempo em que ainda não havia o Cemitério Comunal Israelita) na parte nordeste do cemitério. Ao contrário da maioria dos túmulos judaicos, despojados conforme a tradição, este ostenta uma escultura de Moisés segurando uma das tábuas da Lei. 

Não sei se existe uma história dos cemitérios do Rio de Janeiro. Quase todos foram abertos depois das hecatombes da febre amarela, a partir de dezembro de 1849. O do Caju é anterior. É o mais antigo da cidade. Foi instalado em 1839 por José Clemente Pereira, numa gleba comprada a José Goulart, para enterrar os indigentes e escravos até então sepultados nos terrenos de Santa Luzia, onde se ia erguer o atual hospital da Santa Casa de Misericórdia, no Rio de Janeiro. Foi chamado Campo-Santo do Caju. Seu primeiro defunto foi inumado em 1840.

Em 1851 o nome foi mudado para o de Cemitério de São Francisco Xavier. Entretanto, não só persiste a antiga denominação, como ela entrou nas frases feitas. Assim, quando se diz — um dia, Pedro, irás para o Caju — quer dizer — um dia, Pedro, ai! de ti, também morrerás, e serás enterrado. Naquele ano o campo-santo é ampliado e juntaram-se às terras de José Goulart, as da antiga Fazenda do Murundu, de Baltasar Pinto dos Reis. Em 1858 desmembra-se o terreno que vai ser o Cemitério da Venerável Ordem Terceira da Penitência e em 1859 o que vai ser o Cemitério da Venerável Ordem Terceira do Carmo.


Essa vasta área corresponde, mais ou menos, ao que é hoje limitado pela Avenida Brasil, pelas Ruas Carlos Seidl, Indústria e Monsenhor Manuel Gomes e nela estão os quatro cemitérios [os três citados e o Cemitério Comunal Israelita], fábricas, depósitos e favelas; as ruas novas dos fundos das necrópoles; e o Hospital São Sebastião. Os aterros, em frente, fizeram desaparecer os cais [...]

Do segundo livro de memórias de Pedro Nava, Balão cativo.

CEMITÉRIO DO CATUMBI

Portal

Nichos (esquerda), capela do cemitério (direita) e o Corcovado lá atrás (sobre a extremidade direita dos nichos)

Jazigo perpétuo

Nichos no fundo do cemitério e Morro da Mineira atrás


Inaugurado em 19 de março de 1850, o cemitério de São Francisco de Paula ou cemitério do Catumbi, como é mais conhecido, foi o primeiro do Brasil construído a céu aberto destinado a não-indigentes. Antes, somente religiosos e ricos eram sepultados nas criptas das igrejas.


Na época, devido ao efeito devastador das epidemias na cidade do Rio de Janeiro, principalmente da febre amarela, foi construído com urgência o cemitério pela Ordem Terceira de São Francisco de Paula, com aprovação do Império. O resumo histórico e ilustrado da Ordem atesta a compra do terreno que pertencia ao proprietário Dionísio Orioste tendo sido lavrada em cartório pela Irmandade em 12 de maio de 1849.


De fato, já no primeiro ano, foram sepultados cerca de 3 mil corpos com morte provocada pela epidemia da febre amarela, além de 323 irmãos da Congregação, como atestam os documentos da Ordem. Em seguida foram para lá transladados cerca de 450 restos mortais, na sua maior parte da nobreza brasileira que estavam sepultados na igreja de São Francisco de Paula.


Do livro de Mauro Matos, Catumbi, um bairro do tempo do império. Você pode ler o livro em versão pdf clicando aqui.

CEMITÉRIO SÃO JOÃO BATISTA

Pórtico

Capela

Túmulo de Ary Barroso

Mausoléu da Academia Brasileira de Letras

Nelson Rodrigues



Em 1852 foi inaugurado o Cemitério São João Batista, historicamente importante por ter sido, junto com o do Caju, o primeiro da cidade a permitir enterros para pessoas de qualquer classe social. Até então pobres e ricos viravam pó em lugares diferentes — e em igrejas. Há um registro sinistro da "estréia" do cemitério: consta que era uma menina de apenas quatro anos, Rosaura.

Além de abrigar belíssimas obras em gesso, mármore e bronze, o São João Batista, sem dúvida, é o Père Lachaise carioca: estão enterrados ali, entre outros, Vicente Celestino, Evaristo da Veiga, José de Alencar, Benjamim Constant, Floriano Peixoto, Gustavo Capanema, Oswaldo Aranha, Machado de Assis, Ari Barroso, Nelson Rodrigues, Francisco Alves, Miguel Couto, o escultor Rodolfo Bernardelli, Luis Carlos Prestes, Carmem Miranda, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Cazuza, Clara Nunes, Chacrinha, Jardel Filho e Santos Dumont.


Do livro de Cláudio Henrique, Botafogo, pp. 51-2 (Coleção Cantos do Rio).

Visite também a postagem Cemitério São João Batista & Poemas Mórbidos no meu outro blog, o Sopa no Mel. Uma dica: O jornal O Globo de 22/9/14 publicou uma ótima matéria sobre os cemitérios do Rio. Para ler uma monografia de Ana Cristina Alves Gavinha sobre a história dos sepultamentos no Rio clique aqui.