Meu pai contava que “no seu tempo” no bonde de primeira
classe só se podia viajar de terno. Eu próprio peguei a época em que no
Municipal só se entrava de terno e gravata (na minha insubordinação adolescente
cheguei a ser barrado naquele austero teatro por querer burlar o regulamento). E havia um restaurante no
Centro, Timpanas, que só aceitava comensais de terno. Até hoje em certos cargos
— desembargador, diretor, senador — o traje passeio completo é de lei. Em
em pleno Centro do Rio 40 Graus no verão vemos gente empapada de suor padecendo nos seus
ternos, embora ultimamente um movimento pela dispensa desse traje no verão e até
pelo uso de bermudas tenha se esboçado.
Em suas crônicas jornalísticas
postumamente reunidas em Ecos de Paris, o grande escritor português Eça
de Queiroz aborda o tema do calor de 40 graus no Rio e em Paris e prevê que no
dia em que os trajes se tornarem mais informais “toda a cidade vai sambar” (não
foram bem esses termos que ele empregou mas...) E uma consideração final: quem
acha que calores de quarenta graus são novidades do aquecimento global tem no
texto de Eça o devido desmentido.
"Aí no Rio, segundo me afirmam, mesmo no Verão, se anda
de sobrecasaca de pano. É um lamentável excesso de decoro social. Ainda se
compreendia no tempo do império, quando a constante sobrecasaca preta do
imperador dominava nas instituições, e portanto determinava os costumes. Hoje a
república devia apagar esse verdadeiro vestígio do velho regime, e derrubar a
tirania do pano e do chapéu alto. Estou convencido mesmo que essa grande
reforma influiria vantajosamente no estado dos espíritos. Um povo que com quarenta
graus de calor, anda entalado em casimiras sombrias e sobrecarregado com um
chapéu alto de cerimônia, é necessariamente um povo constrangido, cheio de vago
mal-estar, propenso à melancolia e ao descontentamento político. Que a esse
povo seja permitido pôr na cabeça um fresco chapéu de palha, e refrigerar o
corpo com cheviotes claros, alegres e leves – e ele respirará consolado, e tudo
desde logo lhe parecerá aprazível na vida e no Estado.
Paris fugiu de Paris. Com este calor de fenômeno (quarenta
graus à sombra) em que se pode torrar o café dentro das casas, só com
estendê-lo simplesmente sobre o chão, a população abandonou a cidade, num
verdadeiro êxodo, e maior que o de Moisés, porque esse foi só de quarenta mil
hebreus, e daqui, segundo afirmam os jornais, abalaram ontem, em centenas de
comboios, cerca de cento e trinta mil pessoas.
Só ficaram os empregados públicos. E ainda assim, havia há
dias uma administração de bairro em que todos os empregados, desde o chefe ao
contínuo, se achavam no campo ou no mar.
Era um vizinho da repartição, um lojista, que fazia o
serviço, por dedicação cívica.
Em todos os Campos Elísios, só raramente se avista alguma
carruagem arquejante. Toda a folhagem das árvores secou.
Aqui e além, nas ruas desertas, passa por vezes, fugindo à
pressa, um guarda-sol: é um dos derradeiros parisienses que corre do café onde
se atestou de cerveja para outro café onde se vai inundar de limonada. Os
cavalos das carroças trazem chapéu; e a acreditar os jornais, já se pensa em
lhes fazer usar, por causa da grande reverberação da luz, lunetas defumadas.
Todavia Londres está mais ardente. Aí o calor produz quase
uma crise nos costumes. Ontem os membros do parlamento celebraram a sessão, na
Câmara dos Comuns, em mangas de camisa.