ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

17.5.09

DALLIER E O MORRO DA CONCEIÇÃO




Um oásis de Rio Antigo em meio à agitação do centro da cidade, o Morro da Conceição — ao lado da Praça Mauá — esconde tesouros que poucos cariocas conhecem: a Fortaleza da Conceição, concluída em 1718, o antigo Palácio Episcopal, onde hoje funciona o Serviço Geográfico do Exército, o Observatório do Valongo, a Igreja de São Francisco da Prainha, a Pedra do Sal.

O Morro da Conceição também abriga uma série de ateliês de artistas plásticos (Dallier, Marcelo Frazão, Cláudio Aun, Renato Santana e outros), na Ladeira João Homem e Rua do Jogo da Bola, constituindo o Projeto Mauá.

Visitar o ateliê de Dallier no morro e ouvir suas reminiscências é, ao mesmo tempo, um exercício estético e uma viagem pelo Rio Antigo. A obra de Dallier tem afinidade com o expressionismo abstrato, movimento que combinou a intensidade emocional do expressionismo alemão com a estética antifigurativa das escolas abstratas da Europa. Para Dallier, criar um quadro é como "incorporar um santo".
Abaixo, crônica-depoimento de Dallier.


Três Sambistas, de Dallier

ESSE RIO ONDE NASCI

A velha casa onde nasci ainda teima em continuar de pé, fica situada em uma pequena rua de nome "Estela" e tem uma placa de no 28 presa em uma de suas paredes externas. Fica lá, no finalzinho da Pacheco Leão, hoje uma rua bastante conhecida por ter se tornado um reduto televisivo.

Foi nesse bairro chamado Jardim Botânico, cujo trecho onde nasci foi apelidado de Itália pequena, que vivi minha vida, até alcançar a maioridade e ter servido o exército (Escola de Educação Física), com breve período de ausência, como quando fomos morar na Praça Mauá em uma velha casa construída por meu avô paterno em 1904 e ainda também de pé, de no 52, na Ladeira João Homem, onde nos últimos anos voltei a viver.


Quando tento mergulhar no fundo do poço de minhas memórias, as primeiras imagens que surgem em minha mente são as de uma manhã de Natal lá pelos idos de 1936. Quando eu acabara de completar quatro anos de minha existência nesse mundo de Nosso Senhor Jesus Cristo. De manhã, ao acordar, encontrei junto à cama um carrinho de mão de madeira (parecido com os que são usados em obras) e, dentro dele, uma boneca (brinquei com bonecas até os sete anos). Horas depois, lembro-me bem do meu avô materno e sua oitava mulher, que eu e meu irmão mais velho — éramos apenas dois — fomos acostumados a chamar de avó. Quando os avistei subindo a Ladeira, comecei a gritar – "Lá vem vovô, lá vem a lingüiça do vovô! — pois sempre que ele vinha nos visitar trazia como seu cartão de visitas uma lata de lingüiça "Olderich" em conserva e alguns ovos caseiros. Não me lembro de ter ganho deles um brinquedo.

Outras lembranças dessa época surgem descompassadas: doenças nos olhos, febres constantemente, queimaduras no corpo com café fervente e o acidente que tive no dia em que minha mãe, eu e meu irmão íamos visitar amigos no bairro onde nasci. Estávamos descendo a ladeira; lembro-me bem. Meu irmão e eu vestíamos roupas novas de seda branca com botões de madrepérola; ao olhar para um papa-vento no alto de um sobrado, veio o tombo, quebrei o queixo e fui levado para o pronto-socorro por uma tia do lado paterno de nome Rosa (já que eu tinha duas tias do mesmo nome de lados opostos, morando na mesma casa), onde levei vários pontos. Lembro-me também dos ônibus de dois andares da Light que faziam o percurso Praça Mauá – Jockey Club. Das visitas que fazíamos ao auditório da Radio Nacional para ver de perto Batista Júnior (era pai de Linda e Dircinha) e seus bonecos falantes.

Villa-Lobos no Circo, de Dallier

Também o Carnaval daquela época contagiava toda família — esqueci de dizer que dividíamos a casa com mais quatro irmãos de meu pai e suas respectivas famílias. Fantasiados descíamos a ladeira rumo à Avenida Rio Branco para assistir ao desfile de carros abertos, que carregavam foliões que espalhavam confetes, serpentinas e lança-perfumes (naquela época não era proibido) e parávamos na extinta Galeria Cruzeiro, onde os bondes que chegavam traziam dezenas de carnavalescos vindos de todas as partes e que se juntavam na avenida, formando um grande bloco contagiante onde a pura alegria reinava nos quatro dias de Momo .

Costumávamos, nós os moradores do Morro da Conceição, participar do banhos à fantasia na Praia do Flamengo. Íamos todos descendo o morro e tínhamos também nossos carros alegóricos que eram empurrados pelos participantes, e em determinado ano eu saí em um deles vestido com roupa de papel crepom, como ajudante de motorista um primo da mesma idade de nome Ézio. E lá íamos nós em nosso carro de madeira empurrado por familiares enquanto todos dançavam e cantavam ao som das antigas marchinhas.

A primeira lembrança do bairro onde nasci é de quando, com seis anos, já pertinho dos sete, nos mudamos de volta. É o caminhão de mudanças chegando à Rua Lopes Quintas, e a velha e pequena casa em que fomos morar. Foi nesse dia que eu conheci Lucília (onde andará?), a primeira paixão de menino, que durou alguns anos, até que ela veio a conhecer aquele que viria a ser seu marido.

Aos domingos freqüentávamos as matinês do Cinema Floresta, que fizeram surgir em mim a paixão por Alice Faye. Via e revia seus filmes (muitas vezes às escondidas), alguns (três) ao lado da brasileiríssima Carmen Miranda.

Só mais tarde, já adolescente, surgiria em mim uma nova e definitiva paixão: Emilinha Borba. Era com ansiedade que esperava os sábados para ouvir a voz de César de Alencar anunciar:
- A minha, a sua, a nossa favorita: Emilinha Borba!

Continuo a afirmar que, junto com a minha mãe, foram elas que nortearam a minha vida, e, até hoje estão presentes no meu dia-a-dia, através de lembranças, discos e filmes, que ouço e vejo para diminuir a solidão e fazer dela uma boa companheira.



Rua do Jogo da Bola, no Morro da Conceição

9 comentários:

Anônimo disse...

Maravilhoso. Um presentão. Obrigado mesmo, Paulo Dallier (enviado por e-mail)

Anônimo disse...

Ao pintor Dallier

Gostei muito de seus quadros de vigorosos traços, muita harmonia e brasilidade! Gosto de viajar no Rio de outras décadas e encontar as delícias que você narrou!
Sucesso em sua exposição e que seu olhar continue captando sutilezas, transmitindo-nos tanta beleza e vitalidade !
Parabéns !
Léa Madureira

Anônimo disse...

Sou daquelas poucas cariocas que costuma visitar as coisas antigas desta cidde. Mesmo assim, por esse ou aquele motivo, não cheguei a visitar o Morro da Conceição.

Wilton Chaves disse...

Olá!
Meu caro Ivo, muito obrigado pela ajuda na procura de mais subsídios sobre o pintor Menelau.Percorremos os mesmos caminhos para localizar a mesma fonte, o que me deixou muito feliz. Li o material que você postou, e em minhas andanças pela net, me deparei com as suas referências ao seu texto, na comunidade orkutiana sobre o Rio de Janeiro.Gostei do que li.Um grande abraço.

Laura_Diz disse...

Gostei do seu blog.
Amo o Rio, morei lá 30 anos.
Abs laura

Anônimo disse...

Oi meu caro amigo escritor!

Fiquei encantada com o Paulo Dallier. Pela foto e olhar, parece realmente ser uma pessoa do bem, além de muito talentoso. Foi muito bom saber de sua existência.
Sucesso para ele e você também.

Anônimo disse...

Dallier meu querido, adorei te ver em vários momentos aqui na net.Os seus blogs, com sua característica força de homem guerreiro, o meu favorito dentre tantos artistas que lutam nesta caminhada pelos caminhos das cores, das emoções e dos traçados fortes com a garra dos mestres. Você é o meu mestre em vários sentidos, sim, um mestre que segue a sua caminhada sempre sorridente, sempre amigo dos amigos, sempre sendo aquele grande pintor que conhecí há alguns anos aqui em Niterói e que, jamais perdi de vista. Sabe porque? Porque você clama pela vida, pela arte, pela luz que irradia do seu próprio ser. Eu te admiro muito meu querido amigo. Parabéns pelas belas e marcantes obras. Só suas, seu estilo e sua força jamais serão copiadas. BEIJOS,Neyde Noronha

Anônimo disse...

Muito bom o Blog, parabéns.

Anônimo disse...

Nesse último fim de semana, 06.09.2008, levei uma amiga para conhecer o Morro da Conceição, com suas ruas tortuosas,suas casas centenárias e a Rua do Jogo da Bola. Até mesmo uma cervejinha entrou no roteiro cultural.Foi como voltarmos a um século atrás.