ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

9.11.06

QUINTA DA BOA VISTA

E O JARDIM ZOOLÓGICO
(com texto de Helio Brasil)



Quinta da Boa Vista em 1947
(época em que decorre o texto)


Gramado e lago


Árvores e lago


Pagode japonês

Caminharam então rumo à Quinta, vencendo o inacabado viaduto de São Cristóvão e logo entrando pelo portão dos fundos, o Seixas querendo apressar o passo, contido pelos protestos dos companheiros. "Calma, vai tirar o pai da forca?"


Antigo Palácio Imperial, atual Museu Nacional

Atingindo o alto da alameda principal, os rapazes podiam ver a Ilha dos Amores e seus visitantes domingueiros: os casais de namorados, a garotada saltando nas pedras rugosas, adultos jovens e maduros, alguns conduzindo crianças pelas mãos, atentos aos barcos que circundavam as margens de desenho irregular. Encostada a uma das colunas das falsas ruínas, Ana era fotografada por Sulamita enquanto Eva, a outra prima, pesquisava o lago, admirando a grande cobra de cimento que emergia das águas esverdeadas.




Dom Pedro II

Os rapazes desceram, ágeis, os degraus da escadaria que rompia a encosta gramada e cruzaram a ponte, com elegância e equilíbrio, desprezando orgulhosos o amparo do parapeito imitando troncos de árvore. As jovens repararam na chegada dos três companheiros, sobretudo Paulo, que refizera o nó da gravata vermelha com listras brancas, destacado no terno de tergal cinzento. [...] Simularam a coincidência do encontro. "Você por aqui?" Desnecessariamente, pois Eva e Sulamita sabiam do interesse da prima pelo jovem morador da Villa Elzira e adoravam o papel de confidentes e alcoviteiras, que afinal lhes reservava a aproximação com os dois amigos de Paulo. E no desmontado templo greco-romano, sob as precárias sombras das colunas dóricas e arquitraves de cimento, os jovens entregaram-se às brincadeiras e conversas propícias ao cenário de inocente romantismo.



Imperatriz D. Leopoldina (mulher de D. Pedro I)

"Vamos ao Parque Shangai?" A proposta, aceita com entusiasmo, foi feita por Ana e logo o grupo tratou de abandonar a ilha em fila indiana para cruzar de novo a ponte, quase uma pinguela em concreto simulando troncos cortados longitudinalmente. As moças exageravam os cuidados, obrigando os rapazes a guiá-las colocando-lhes as mãos delicadamente nos ombros e o expediente agradava sobremodo a Paulo Maluco, uma vez que o vestido de sua eleita tombava um pouco, deixando o ombro direito nu, expostas na pela alva inúmeras marquinhas douradas. Mais que direcionar a jovem, impedindo-a de tombar nas águas limosas, a mão de Paulo tentava esculpir o arredondado e tépido território sem que a dona mostrasse reação negativa. [...]



Jardim Zoológico: Papagaio-de-cara-roxa

Chegaram afinal ao topo e caminharam em direção ao museu, o eixo da alameda bem marcado pela enegrecida estátua do segundo imperador.[...] Tudo resplandecia, as sapucaias floriam e os pássaros cantavam. As campainhas de bicicletas faziam, em sons rascantes, o contraponto à algazarra das famílias, marinheiros e soldados flertando e dizendo piadas para as moças em bandos.



Jacarés

Céu imaculado deixava escorregar o sol a fundir-se em ouro banhando o cenário de alegria quando um carro negro, trepidando, insólito, surgiu na pista de asfalto juncada de folhas. Na direção, o mecânico Melânio testando o motor do Ford quarenta e dois; ao lado, aflito, atento aos ruídos da máquina, seu Jacó Pelcman. Deus e Jeová cochilaram bastante para que um dibuk fizesse engasgar o carburador e o carro veio parando, parando e parando até que o israelita surpreendeu a filha Ana, enlevada, ouvindo as palavras do Seixas, braço passado nos ombros da mocinha. Um metro e noventa de ira milenar deixaram o carro, olhos congestionados, o início da calva avermelhando-se. "O que faz você aqui com um gói?", e estalou a mão ampla, dedos roliços na face de porcelana. Emudeceram pássaros, campainhas, homens e mulheres. No silêncio talvez se ouvisse o pingar das lágrimas da jovem judia. [...] Lançou depois um olhar duro para o moço Seixas. "Filha minha não é para andar por aí com qualquer um". Entrou pesadamente no carro e bateu a porta. [...]


Diana, deusa dos animais selvagens e da caça

Na calçada, os circundantes voltaram à atividade lançando olhares de pena ou de zombaria sobre o rapaz que ficara tão imóvel quanto as colunas da ilha. Sentia-se mais petrificado que os rochedos cinzentos sobre os quais se sentara pouco antes em companhia de Ana. [...] Só conseguiu perguntar: "O que é gói? Que porra é essa?"

Um senhor grisalho que assistira à cena, ainda próximo, quase murmurando, explicou-lhe: "Você é de outra raça, meu filho". E irônico: "Se você fosse preto, seria pior!"


(Do maravilhoso livro de Helio Brasil, A Última Adolescência, um variado painel suburbano dos anos 40, Editora Bom Texto, págs. 172-4.)


Alameda de palmeiras


O lago ao entardecer


Museu Nacional ao entardecer

A Quinta e o Zoológico também estão na postagem COM HELIO BRASIL EM SÃO CRISTÓVÃO. Fotos de Ivo & Mi, exceto a primeira, do Acervo do Arquivo Nacional, que Helio Brasil usou na capa de seu A última adolescência