ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

27.10.05

AMANHECENDO / ANOITECENDO de ANA LIA VIANNA AMBROSIO


AMANHECENDO

Cedo cedinho despertei. Escuro ainda, olhei para o relógio – horário de verão – cinco e meia da madrugada. Boa noite de sono, apesar das poucas horas. Bem humorado levantei, decidindo por um passeio nas ruas. A pé. Aproveitar das vantagens de morar sozinho, sem ter que dar satisfação a ninguém. Logo me veio à cabeça a violência que impera na cidade e os riscos da minha aventura. Resolvi arriscar. De saída, vi de perto os feirantes arrumando suas barracas, reconhecia alguns deles. Em seguida, peguei o caminho do mar: nas pedras encantei-me com os pescadores apostando nas futuras presas. Alegres, homenageando o oceano, a terra, os sonhos. A noite se despedia, cedendo lugar à nova jornada que, triunfante, clareava. Cachorros solitários abanando os rabos, adolescentes voltando das farras, gente (de todas idades) cuidando da forma. Sem falar nos inúmeros bêbados vagando pelas calçadas. Alguns falando sozinhos, outros cambaleando.

"A esperança equilibrista sabe que o show de todo artista tem que continuar..."

Navio, ao longe, dá margem às recordações do meu tempo de criança. Tempos de muita brincadeira, tempos ingênuos, tempos tristes. De brincar de pique esconde, de cabra cega, de mamãe posso ir. Cantigas de roda, primeiro beijo, malícia entrando no circuito. Como não quer nada. Êta malícia gostosa – provocando arrepios no corpo e na alma. Submarinos: imperdível cenário de nossas imaginações. Nada melhor do que as lembranças!
E a violência? Desta vez nem a percebi. Cego?
Aos poucos, pessoas nas ruas. O trabalho, a escola, a vida. Portadoras, quem sabe, de um emblema invisível chamado Esperança. Que as leva a prosseguir viagem.

"Sem a qual a vida é nada, sem a qual se quer morrer."

Amanheceu no meu caro e fiel bairro - Leme.



ANOITECENDO


Contemplando o céu – horário de verão – fascinado com o belíssimo quadro que me ofuscava os olhos. Retratá-lo? Impossível. Enquanto o sol se despedia, uma faixa de nuvem clara anunciava a noite chegando. Esplêndido único raro momento! Cenário tranquilo. Crianças brincando, amantes se encontrando, gente simples caminhando. Os idosos, satisfeitos, sorriam numa terra de ninguém. Confuso e esperançoso nosso país, imerso em tão formosa ilha, parecia esquecer-se dos inúmeros problemas.
Ilha da fantasia e da realidade.
Pés macios, firmes, poderosos deslizavam numa direção. Mão única. Voltei atrás no tempo, rememorando violentas paixões, amores ternos, eternas amizades. Desejava fotografar cada segundo, perpetuando sonhos fecundos e viáveis. Os inviáveis, maioria, fica para outra vez. Barulho do mar, quase sem ondas – melodia em meus passos. Profana canção. Areias brancas a embalar-me no colo. Feito criança. Lembranças e mais lembranças embelezando minha andança. Andança promissora; olhei de novo para cima – nada se transformara. Faixa de nuvem cristalina no mesmo lugar. Alívio...
Segui até o final. Final de quê? Pouco importa. Revesti-me de coragem, decidindo voltar. Sabia de cor e salteado que na vida tudo tem um fim: triste, fugaz, porém sábio acalanto. Fotografei no coração inesquecível passeio. Noite mal começara. Ao retornar, procurei o quadro perfeito em seus encantos. Desaparecera. Céu escuro por completo, apenas uma tímida estrela ameaçando despontar.

Anoiteceu.

E com a noite as eternas ondas do Leme! Até amanhã.




Saiba mais sobre Ana Lia Vianna visitando seu blog "Prosa Hoje" em http://prosahoje.blogspot.com/

26.10.05

DOIS NOVOS ASTROS

Dois novos astros brilham no firmamento poético: Wanda Lins, poesia radicalmente original, paranormal, paradoxal, paralática. Wanda Lins nasceu no Rio de Janeiro em 1949. Aos doze anos foi viver na França, onde se formou pela École Supérieure d’Interprètes et Traducteurs. Em 1986, publicação do livro Les Monstrillons. Em novembro de 99 volta para o Brasil, em janeiro de 2000 começa a escrever em Português. Seu livro de estréia: 50 tempestades (Oficina do Livro, 15 reais). E-mail para contato: wlins@superig.com.br

se fosse
Wanda Lins


se fosse uma curva seria parabólica
saída do chapéu cônico de uma bruxa diabólica

se fosse uma linha seria duas paralelas
retas infinitas magrelas

se fosse um ângulo seria paralático
nada como ser um ângulo galático

se fosse um objeto sem dúvida um parabelo
verde e amarelo

e se fosse um raciocínio
seria pitbullmente paradoxal

mas não sou nada disso
sou

eu

parahybana e paranormal


Isabel Corsetti, nascida em Antônio Prado, RS, e criada no Rio de Janeiro, formação básica em artes visuais. "Poetar permitiu conectar-me à literatura, magnífica forma de arte que alia todos os sentidos em um só meio de expressão, sulcando as marcas e traçando as trilhas de nossos descaminhos." Poesia lânguida, sensória, devaneante. Seu livro de estréia: Plano de Fundo (Oficina do Livro, 20 reais). E-mail para contato: isabel.orlandi@bcb.gov.br


Tango
Isabel Corsetti


Olhaste para mim tantas vezes
por vezes de modo profundo
pintaste as mais belas cores
e flores em plano de fundo.

Tuas mãos me tocaram a esmo
e logo segui o teu mundo
teceste comigo mil planos
e o tempo passou num segundo.

Tua voz acalmava-me os passos
devassos perdidos soturnos
e assim estreitaram-se os laços
teus braços e um sono fecundo.

E foste pintando com calma
a me aprisionar nessa trama
e emparedar-me na alma
e a contracenar nesse drama.

E a tela a princípio simplista
tornou-se real como um todo.
Ao desvencilhar-me do artista
lancei-me perdida no lodo.

Fotos de Wanda (acima) e Isabel (abaixo) tiradas por Ivo no lançamento de seus livros.

19.10.05

RIO DE JANEIRO A DEZEMBRO

Vilma Duarte (a cronista de Araxá)



Ser brasileiro é ter certidão de Estados da graça.
Qualquer um, tem o seu charme de seduzir.
Mas o cortejo do Rio... cativação para sempre.
Quem pode resistir?

Inspirar beleza e expirar poesia, função vital de coração de poeta.

Desvendar a alma do Rio... ousadia de quase morrer lindamente, de emoção.

Deixar as praias, os "points" da moda, os shoppings, todos os lugares-comuns e mergulhar de cabeça nas origens da terra de São Sebastião.

Aninhar-me no centro da cidade maravilhosa, fazer amor com a história e acordar redimida e saciada com as badaladas musicais dos sinos da Candelária.

Cansar as pernas e refrescar a alma no entra e sai das Igrejas Majestosas do Rio, sentir verde Brasil no peito benzendo-me no Largo São Francisco, posando faceira no Largo da Carioca, senhora da paz na ternura da rua tombada como patrimônio da cultura e da sensatez.

Resfriar o calor do corpo com o chope do Bar Luiz, inaugurado em 1887 na rua da Assembleia, e desde 1927 na Rua da Carioca, para desfrute da boemia famosa como Bezerra da Silva, Ziraldo, Chico Caruso, Jaguar, João Bosco e simples e sedentos mortais como nós.

Sentir as batidas da brasilidade no coração com a restauração caprichosa do Centro Administrativo da Colônia, no Paço Imperial, amar cada detalhe, e gritar que a Praça Quinze, é uma das mais belas alegorias da Escola-Anais do Rio de Janeiro.

Comover-me literal e literariamente com o Real Gabinete Português de Leitura e deixar escondido, no meio das estantes de preciosidades, lágrimas de pesar pelo pó enegrecido que destrói sem piedade as palavras dos imortais das letras.

Embrenhar-me nas ruelas encantadoras, onde o tempo cunhou a poesia e suspirar com a dicotomia do homem: A Bolsa de Valores capitalista, vizinha de grito do despojamento da casa da "Pequena Notável".

Enfeitar os sentimentos de ufanismo na rua Gonçalves Dias, e regalar-me com o Festin de Rois no segundo piso da coquete e chique, Confeitaria Colombo.

Aprender ao vivo nos centros históricos, subir Santa Teresa no último bonde de ofício regular desse país variado, cumpliciar aquele jeitão de interior do bairro comportado nas barbas da metrópole, arquivar sua beleza doce na alma, ver a Baía de Guanabara de longe...lá de cima...e pedir desculpas ao mar por traí-lo seduzida pela magia do Rio colonial.

Caminhar pela orla marítima em Copacabana, depois de conhecer-lhe ângulos nunca dantes nem sonhados. O estilo dos prédios quarentistas, o lugar dourado do começo da bossa-nova, tudo debaixo de chuva, essa coisa divina de escritor, rezando com a mesma fé no breviário do guia-nativo, conhecedor do seu hábitat, gentil e generoso, nada mais nada menos que Ivo Korytowski, o escritor, carioca da gema e querido das multidões.

No arremate da semana da cinderela deslumbrada na carruagem da história do Rio, café com glamour literário na "Letras e Expressão" em Ipanema, rodeada de livros e cobrões das letras, oferecendo a amizade de primeira com laços de fita vermelha, como presente de Natal.

Já nem sei quantas vezes fui ao Rio, mas esta, teve gosto e cheiro de primeira vez.

Convidada pela Academia Brasileira de Letras, Global Editora, Ministério da Cultura e Fundação Biblioteca Nacional para o lançamento da Enciclopédia de Literatura Brasileira, com carona de biografia modesta no maior inventário da literatura já publicado no Brasil, como não ir e amar?

Vi os notáveis, os amigos dos notáveis e mesmo pequenina, senti a energia tribal acalorar-me as emoções.

Vi muitas pessoas, vestidas com o fardão da simplicidade com motivos de sobra da gente amar para sempre.

Vi e arquivei um outro Rio, que a sensibilidade à flor da pele, com bronzeado na alma pede licença para repetir:
" O Rio de Janeiro continua lindo..."


Vilma Duarte, a "cronista de Araxá", publica crônica semanal no Correio de Araxá e em O Planalto.



Algumas informações para quem quiser seguir o roteiro da Vilma:

As "igrejas majestosas", barrocas, estão no Centro da cidade. As principais: Igreja e convento de Santo Antônio, no Largo da Carioca, Igreja da Candelária, na Praça Pio X, Igreja e mosteiro de São Bento, na Rua Dom Gerardo 68. Mas há outras, muitas outras.
A "rua tombada como patrimônio da cultura e da sensatez" é a Rua da Carioca.
O centenário Bar Luiz, onde se bebe o melhor chope do Rio, fica na Rua da Carioca, 39.
O Paço Imperial fica na Praça XV de Novembro (onde saem as barcas para Paquetá e Niterói) e funciona como centro cultural.
O Real Gabinete Português de Leitura foi abordado na postagem "Programas de Bibliófilo".
As "ruelas encantadoras" podem ser acessadas penetrando-se no Arco do Teles, verdadeiro "túnel do tempo", na Praça XV. A casa da pequena notável fica lá.
A Confeitaria Colombo, de atmosfera art nouveau irresistível, fica na Gonçalves Dias, 32.
Santa Teresa já foi objeto de várias postagens neste blog.
Os "prédios quarentistas" em estilo art déco ficam nas imediações da Praça do Lido. E "o lugar dourado do começo da bossa-nova" hoje abriga boates de garotas de programa e fica na Rua Duvivier, entre a Avenida Atlântica e a Nossa Senhora de Copacabana.
A charmosa Livraria Letras e Expressões fica na Visconde de Pirajá, quase esquina com Vinicius de Morais.
A Academia Brasileira de Letras foi abordada na postagem "Programas de Bibliófilo".


Fotos do Bar Luiz, Paço Imperial, casario colonial e Confeitaria Colombo tiradas pelo editor do blog.

12.10.05

PROGRAMAS DE BIBLIÓFILO


Três programas pra bibliófilo nenhum botar defeito, carioca ou em visita ao Rio. Primeiro, conhecer a Academia Brasileira de Letras. Pode ser uma visita virtual ao Petit Trianon (o prédio antigo da Academia, cópia de uma construção existente em Versalhes, doado pelo governo francês em 1923). Mas também é possível fazer uma visita guiada gratuita, nos meses de abril, maio, junho, agosto, setembro e outubro, às segundas ou quartas, às 14 ou 16 horas. Reservas devem ser feitas com Therezinha pelo telefone 3974.2526 ou pelo e-mail visita.guiada@academia.org.br. A Academia fica à Avenida Presidente Wilson, 203 - Centro.


Programa número 2: a Folha Seca, na rua do Ouvidor, 37 (perto da Praça XV), uma simpática livraria especializada em MPB, futebol e Rio de Janeiro. Lá você encontrará maravilhas como A alma encantada das ruas, de João do Rio (ver trecho abaixo), História das ruas do Rio, de Brasil Gerson ou Um passeio pela cidade do Rio de Janeiro, de Joaquim Manuel de Macedo (autor de A Moreninha). Lá tem até o Édipo, meu livro de contos premiado pela União Brasileira de Escritores.



Terceiro programa: Real Gabinete Português de Leitura, à Rua Luís de Camões, 3 (entre o Largo de São Francisco e a Praça Tiradentes - foto acima). A maior biblioteca de autores portugueses fora de Portugal, em prédio no estilo manuelino que lembra o Mosteiro dos Jerônimos de Lisboa, existe desde os tempos de Machado de Assis. Aliás, Machado a freqüentou, e algumas das primeiras reuniões da Academia (ainda sem sede própria) realizaram-se ali. É inacreditável, é ver pra crer. Parece uma daquelas bibliotecas saídas da imaginação de um Borges.


A RUA
João do Rio

Eu amo a rua. (...) Os séculos passam, deslizam, levando as coisas fúteis e os acontecimentos notáveis. Só persiste e fica, legado das gerações cada vez maior, o amor da rua. (...) A rua é um fator da vida das cidades, a rua tem alma! (...)

Para compreender a psicologia da rua não basta gozar-lhe as delícias como se goza o calor do sol e o lirismo do luar. É preciso ter espírito vagabundo, cheio de curiosidades malsãs e os nervos com um perpétuo desejo incompreensível, é preciso ser aquele que chamamos flâneur e praticar o mais interessante dos esportes – a arte de flanar. (...)

Que significa flanar? Flanar é ser vagabundo e refletir, é ser basbaque e comentar, ter o vírus da observação ligado ao da vadiagem. Flanar é ir por aí, de manhã, de dia, à noite, meter-se nas rodas da populaça, admirar o menino da gaitinha ali à esquina, seguir com os garotos o lutador do Cassino vestido de turco, gozar nas praças os ajuntamentos defronte das lanternas mágicas, conversar com os cantores de modinha das alfurjas da Saúde...

É vagabundagem? Talvez. Flanar é a distinção de perambular com inteligência. Nada como o inútil para ser artístico. Daí o desocupado flâneur ter sempre na mente dez mil coisas necessárias, imprescindíveis, que podem ficar eternamente adiadas.

Do livro A alma encantadora das ruas (Companhia das Letras, 1997). Também é possível fazer download do livro no site
Domínio Público.

Fotos de Ivo & Mi: Estátua de Machado de Assis na Academia Brasileira de Letras; Livraria Folha Seca; Real Gabinete Português de Leitura; clarabóia do Real Gabinete.