ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

19.8.13

LOUVAÇÃO À CIDADE MARAVILHOSA, de Rogel Samuel


Louvo o Padre, louvo o Filho 
E louvo o Espírito Santo.
Louvado Deus, louvo o santo
De quem este Rio é filho.

Cantou Bandeira. Depois do auge das passeatas, depois do Papa Francisco, depois do frio polar (para nós), o Rio de Janeiro lentamente está voltando a ser o que era dantes, a cidade maravilhosa, porque o sol voltou a brilhar.


Louvo o santo padroeiro
– Bravo São Sebastião –
Que num dia de janeiro
Lhe deu santa defensão.

Esta cidade tem de ter sol, para viver. Como planta. O povo desta cidade não sorri se a chuva ou o vento lhe bate à porta. Ele não atende, não abre.


Louvo a Cidade nascida
No morro Cara de Cão,
Logo depois transferida
Para o Castelo, e de então
Descendo as faldas do outeiro,
Avultando em arredores,
Subindo a morros maiores
— Grande Rio de Janeiro!

No Morro Cara de Cão, onde moro, o Rio é sol, é mar, é chope, é lugar comum. Eu sou um amazonense bem carioca, bem nascido nas ruas e praias, que já cantou o pernambucano Manuel Bandeira, na “ Louvação à Cidade do Rio de Janeiro”.


Cidade de sol e bruma,
Se não és mais capital
Desta nação, não faz mal:
Jamais capital nenhuma,
Rio, empanará teu brilho,
Igualará teu encanto.
Louvo o Padre, louvo o Filho
E louvo o Espírito Santo.



O sisudo, o tímido Machado de Assis escrevia: “É meu costume, quando não tenho que fazer casa, ir por esse mundo de Cristo, se assim se pode chamar à cidade de São Sebastião, matar o tempo. Não conheço melhor ofício, mormente se a gente se mete por bairros excêntricos; um homem, uma tabuleta, qualquer basta a entreter o espírito, e a gente volta para casa 'lesta e aguda', como se dizia em não sei que comédia antiga”.


O Gilberto Gil mandou aquele abraço e disse:

O Rio de Janeiro
Continua lindo
O Rio de Janeiro
Continua sendo
O Rio de Janeiro
Fevereiro e março


Mesmo José de Alencar, o homem de seu mar, escreveu: “A cidade do Rio de Janeiro, com seu belo céu de azul e sua natureza tão rica, com a beleza de seus panoramas e de seus graciosos arrabaldes, oferece muitos desses pontos de reunião, onde todas as tardes, quando quebrasse a força do sol, a boa sociedade poderia ir passar alguns instantes numa reunião agradável, num círculo de amigos e conhecidos, sem etiquetas e cerimônias, com toda a liberdade do passeio, e ao mesmo tempo com todo o encanto de uma grande reunião... temos na Praia de Botafogo um magnífico boulevard como talvez não haja um em Paris, pelo que toca à natureza. Quanto à beleza da perspectiva, o adro da pequena igrejinha da Glória é para mim um dos mais lindos passeios do Rio de Janeiro."


Alô, alô, Realengo
Aquele Abraço!
Alô torcida do Flamengo
Aquele abraço
Alô moça da favela
Aquele Abraço!
Todo mundo da Portela
Aquele Abraço!
Todo mês de fevereiro
Aquele passo!
Alô Banda de Ipanema
Aquele Abraço!


E Pedro Nava, famoso morador da Glória, comentou: “Flanar nas ruas do Rio é prazer refinado. Exige amor e conhecimento. Não apenas o conhecimento local e o das conexões urbanas. É preciso um gênero de erudição. É preciso saber colocar os pés nos locais de Matacavalos onde pisou Osório, na calçada de São Clemente onde andou Tamandaré, nesta Glória onde perpassou o vulto de Capitu — na geografia citadina real e imaginária, no Rio velho de Manuel Antônio de Almeida, Alencar, Macedo, Artur e Aluísio — irmãos Azevedo; de Lima Barreto, João do Rio, Marques Rebelo, Drummond.


Machado, em A mão e a luva, descreve e comenta: “A Corte divertia-se, apesar dos recentes estragos do cólera —; bailava-se, cantava-se, passeava-se, ia-se ao teatro. O Cassino abria os seus salões, como os abria o Clube, como os abria o Congresso, todos três fluminenses no nome e na alma. Eram os tempos homéricos do teatro lírico, a quadra memorável daquelas lutas e rivalidades renovadas em cada semestre, talvez por um excesso de ardor e entusiasmo, que o tempo diminuiu, ou transferiu, — Deus lhe perdoe, — a coisas de menor tomo."


No dia da libertação do escravos, disse Lima Barreto que fazia sol: “Havia uma imensa multidão ansiosa, com o olhar preso às janelas do grande casarão. Afinal a lei foi assinada e, num segundo, todos aqueles milhares de pessoas o souberam. A princesa veio à janela. Foi uma ovação: palmas, acenos com lenço, vivas... Fazia sol e o dia estava claro. Jamais na minha vida, vi tanta alegria. Era geral, era total; e os dias que se seguiram, dias de folganças e satisfação, deram-me uma visão da vida inteiramente de festa e harmonia”.


Assim penso que é uma glória o simples estar nas ruas dessa cidade que a todos acolhe. E assim a cantou numa bela manhã de praia Carlos Drummond Andrade:

Umidade de areia adere ao pé.
Engulo o mar, que me engole.
Valvas, curvos pensamentos, matizes da luz
azul
completa
sobre formas constituídas.
Bela
a passagem do corpo, sua fusão
no corpo geral do mundo.
Vontade de cantar. Mas tão absoluta
que me calo, repleto.


Bilac escreveu: “Num dos últimos domingos vai passar pela Avenida Central um carroção atulhado de romeiros da Penha; e naquele boulevard esplêndido, sobre o asfalto polido, entre as fachadas ricas dos prédios altos, entre as carruagens e os automóveis que desfilavam, o encontro do velho veículo em que os devotos urravam, me deu a impressão de um monstruoso anacronismo”.


Louvo o Padre, louvo o Filho
E louvo o Espírito Santo.
Louvado Deus, louvo o santo
De quem este
Rio é filho.



Crônica publicada originalmente na coluna quinzenal de Rogel Samuel no site de cultura Blocos. Fotos do editor do blog tiradas, respectivamente: 1) numa banca de jornais, 2) Centro, 3) Praça São Salvador (detalhe do chafariz), 4) Praia de Copacabana (calçadão), 5) Santa Teresa (chácara do Viegas), 6) idem (vista do Parque das Ruínas), 7) Copacabana (pião), 8) Museu Histórico Nacional (boca do leão), 9) Inhaúma (São Jorge), 10) Lins (antiga Fundição Cavina), 11) Santa Teresa (bondinho), 12) Botafogo (ruína), 13) idem (Consulado de Portugal), 14) descida de Santa Teresa para a Glória (Pão de Açúcar e favela Santo Amaro) e 15) Parque de Madureira.  

9.8.13

O RIO DE JANEIRO DE MACHADO DE ASSIS

Texto extraído do ensaio "A Cidade e o Tempo de Machado de Assis" de Alexei Bueno no livro Machado, Euclides & Outros Monstros


Toda a obra de ficção de Machado de Assis se passa, com raras exceções, como já dissemos, no Rio de Janeiro que viu escoarem-se as suas sete décadas de vida. A cidade, que conheceu como corte, depois como capital federal, é o seu microcosmo, como a Paris de Balzac, a São Petersburgo de Gogol, a Londres de Charles Dickens, para citar uns poucos exemplos entre inúmeros. No Morro do Castelo — a acrópole quinhentista da cidade, estupidamente demolida em 1922 — só como exemplo, passa-se um episodio de Esaú e Jacó assim como o capítulo 75 de Memórias Póstumas de Brás Cubas, onde, recontando as origens de Dona Plácida, aparece a Sé Velha do Rio de Janeiro, talvez o trecho da ficção machadiana que, na nossa opinião, melhor sintetize a sua visão schopenhaeuriana da realidade, da vida intrinsecamente como dor. [...]

No Caminho de Mata Cavalos — rua do Riachuelo desde a vitória naval do mesmo nome, em 1865 —, “a mais carioca das ruas”, no dizer do autor, erguem-se as casas contíguas de Bentinho e Capitu. É numa casinha da Gamboa que Brás Cubas, depois morador de uma chácara no Catumbi, monta o seu ninho de amor com Virgínia. A protagonista de “A desejada das gentes” habita a Glória, onde ficava, aliás, o Clube Beethoven, muito frequentado pelo melômano Machado de Assis. É na Igreja do Carmo que Romão Pires, de “Cantiga de esponsais”, exercia suas funções como músico, a Igreja do Carmo na antiga rua Direita — Primeiro de Março a partir do fim da guerra do Paraguai — apesar de ele haver nascido no Valongo, onde existiu o velho mercado de escravos, e habitar a rua da Mãe dos Homens, nome da igreja do mesmo nome, ainda existente, onde Tiradentes chegou a hospedar-se, a atual rua da Alfândega. Defronte à Capela Real, bem ao lado da Igreja do Carmo, na mesma rua Direita, morreu a avó de Quincas Borba, atropelada por uma carruagem. No aristocrático Botafogo da época viviam Cristiano Palha e Sofia, que enfeitiçou o ingênuo Rubião de Quincas Borba. E assim por diante, numa enumeração que tão cedo não terminaria...

O Rio de Janeiro é, portanto, para Machado de Assis, o anfiteatro em que ele vê desfilar a dança macabra do egoísmo e da baixeza dos homens [...].

Do conjunto de chalés da Condessa de São Mamede dos quais Machado ocupou um, este à direita é o único sobrevivente, dando portanto uma ideia de como teria sido o de Machado. O chalé do escritor ficava à esquerda deste, junto com mais um terceiro, na área correspondente ao prédio amarelo baixo, conforme pesquisa do historiador Nireu Cavalcanti a ser publicada oportunamente em livro. Portanto, a placa no prédio alto da esquina (Edifício Machado de Assis, Rua Cosme Velho, 174) de que "NESTE LOCAL VIVEU MACHADO DE ASSIS DE 1883 ATÉ SUA MORTE EM 1908" está equivocada.  

Após sua morte, quase todos os traços físicos de Machado de Assis na sua cidade natal, na sua cidade de eleição, foram desaparecendo, pouco a pouco. Da casa em que nasceu, casa de agregados da Quinta do Barroso, nada resta, como a própria chácara, e nem sabemos o ponto exato em que se erguia. [Nota do editor do blog: No Morro do Livramento, perto da antena da Embratel, existem ruínas do que pode ter sido a chácara onde a mãe de Machado foi agregada. Ver postagem Morro do Livramento: Nos Passos de Machado.] Os prédios que abrigaram as repartições em que trabalhou foram todos demolidos. O chalé da rua Cosme Velho, em que residiu por um quarto de século com Carolina, e no qual escreveu grande parte de sua obra, foi posto abaixo no ano do seu centenário de nascimento, 1939, para dar lugar a uma mansão, demolida por sua vez no final na década de 1980 para que se levantasse um edifício de apartamentos, com uma pizzaria no térreo, que lá esta [foto acima]. Um ano após a sua morte, no dia 29 de setembro de 1909, um grupo de acadêmicos inaugurou uma placa de mármore na fachada do chalé, capitaneados por Rui Barbosa, tendo Olavo Bilac proferido um discurso na ocasião. O chalé foi demolido, mas a placa se conserva no Pátio dos Canhões, no Museu Histórico Nacional, numa grande ironia machadiana, ou um retrato de um pais em que se destroem as casas históricas e se conservam as suas respectivas placas comemorativas. [Nota do editor do blog: A referida placa encontra-se agora na reserva técnica do MHN, que gentilmente cedeu a foto abaixo.] 





Sala Machado de Assis, com a escrivaninha e quadro do autor, no Petit Trianon da ABL. Foto gentilmente cedida pelo Arquivo da ABL. Visitas guiadas podem ser agendadas pelo e-mail visita.guiada@academia.org.br

O Silogeu Brasileiro, onde ele presidiu a Academia e onde foi velado, também foi posto abaixo. De todas as casas em que viveu, a da rua da Lapa, onde esteve com Carolina, por uns poucos meses, logo após o casamento, parece que ainda existe, salvo um erro na confrontação das numerações. [Nota do editor do blog: A casa fica na Rua da Lapa, 242, e foi tombada pelo Município em 2008. Outra casa tombada no mesmo ano onde Machado também teria morado fica na Rua dos Andradas, 147.] Todas as outras desapareceram. A capela em que se casou, nos fundos da casa do conde de São Mamede, no Cosme Velho, esta ainda existe, sem altar ou outro resquício de função religiosa [foto abaixo], assim como a própria casa onde ele ia jogar gamão quase todas as noites. 



Seu túmulo, finalmente, e de Carolina, no Cemitério de São João Batista, o “leito derradeiro” do soneto, foi desmantelado no final da década de 1990. Suas cinzas — pouco mais do que isso resta de um corpo enterrado por noventa anos no úmido e ácido solo carioca — foram, juntamente com as de sua mulher, recolhidas ao Mausoléu dos Imortais, no mesmo cemitério.

Lápide do túmulo original de Machado e Carolina conservada no mausoléu da Academia.
No final da década de 1990 os restos mortais de Machado e Carolina foram transferidos para este jazigo no Mausoléu da Academia Brasileira de Letras.

Seu espectro, este persevera por todos os recantos do velho Rio de Janeiro, um espectro a mais, a observar os outros cinco que enumeramos acima.



Agora você está convidado a assistir ao meu vídeo onde conto a história de minha velha paixão pelo "bruxo do Cosme Velho":