ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

30.1.16

VELHOS FÍCUS COMO EU, de ARTUR DA TÁVOLA

O advogado, jornalista, radialista, escritor, musicólogo (tinha um lindo programa de música clássica na rádio MEC e estava escrevendo um livro sobre Schumann que nunca veio a lume) professor e político (votei nele para senador) ARTUR DA TÁVOLA (Paulo Alberto Artur da Tavola Moretzsohn Monteiro de Barros) escrevia lindas crônicas em O Dia, algumas reunidas em livros, ocasionalmente sobre as árvores cariocas. Morreu prematuramente, em plena atividade, aos 72 anos, em 2008, deixando saudades. Por isso resolvi "desencavar" esta linda crônica sobre os fícus que havia sido publicada nos primórdios deste blog em 2006.


Campo de Santana: "Vetustos sacerdotes!"

Chamo a sua atenção para os fícus [ficus microcarpa] de nosso Rio de Janeiro, árvore recatada, silenciosa, folha pequena, sem o charme da flor, da categoria de seres que prodigalizam amor em sadio anonimato; quanta gente nem sabe que árvore é o fícus!...

Campo de Santana

Mas ele existe, há séculos, e o Rio guarda alguns dentre os belos e vetustos exemplares de fícus. É árvore de vestes monacais. Despiu-se de vaidades mundanas. Existe para pássaros e sombra, produzindo, porém, para apreciadores especiais, a maior das delícias: as suas bolinhas portadoras das sementes (quase sempre caídas sobre o cimento da cidade grande). São pequenos figos, de onde advém o nome latino "fícus". Eles propiciam a deliciosa sensação de ir pisando as bolinhas que estalam ao peso do corpo, saborosa sensação de pisar crocante.

"...ao lado do Hotel Novo Mundo"

Mas se o amigo leitor ou doce leitora gostou do fícus e sua missão de servir e sombrear silente, após vê-los um a um pela Rua São Clemente ou Praia de Botafogo, Avenida Rui Barbosa e Praia do Flamengo, nesta, ao chegar na esquina da Rua Silveira Martins, olhe para o ângulo final do Palácio do Catete e que confina com a citada rua, ao lado do Hotel Novo Mundo. Ali esplende outra junção notável de fícus, responsável por visual denso, forte, generoso, prova da beleza introvertida desta árvore, benfeitoria anônima do Rio.

Jardim do Palácio do Catete

E, se por acaso for tão doido quanto o cronista e capaz de tanto amar o fícus caladão, saia, então, do bairro e vá para o lugar onde, em silêncio, estão os fícus mais severos e belos do mundo: a Praça da República, o Campo de Santana [foto superior]. Lá imperam, republicanos e centenários, fícus sublimes. Vetustos sacerdotes! Repare-lhes o tronco torcido pelas angústias do viver. Medite sobre as copas descomunais, prodigalizando ajuda, a despeito das dores e desilusões da casca de seu tronco. Consulte a si mesmo, sobre o significado daqueles zilhões de minúsculas folhas lustrosas, alheias a espalhafato. Descobrirá, então, a lição de vida desse monge vegetal.

Praça Nossa Senhora da Paz, Ipanema (antes da obra do metrô)

"Existe para pássaros e sombra..."

"...minúsculas folhas lustrosas, alheias a espalhafato"

"...a maior das delícias: as suas bolinhas portadoras das sementes"

Praia de Botafogo

Crônica extraída do livro Rio, um olhar de amor, de Artur da Távola. Fotos de fícus (da espécie ficus microcarpa) tiradas pelo editor do blog em diferentes pontos do Rio de Janeiro. Postagem originalmente publicada em julho de 2006.

15.1.16

VILA DA PENHA

Você conhece a Vila da Penha? Confesso que só recentemente vim a conhecer, inspirado pela postagem “Vila da Penha - Quanta Coisa” do blog do meu amigo Evandro. Lá ele faz um alerta importante: “Não confunda a obra-prima do mestre Picasso com a pica de aço do mestre-de-obra. Não confunda centavos novos com  sentar nos ovos e nem o cu com as calças. Não confunda, principalmente, Penha com Vila da Penha e com Penha Circular.”

Como é a Vila da Penha? Subúrbio aparentemente tranquilo (mas não imune à criminalidade, como qualquer bairro de cidade grande), ruas de nomes simpáticos (Rua da Inspiração, Rua da Coragem, Travessa da Amizade), casinhas de subúrbio singelas (e um ou outro prédio residencial baixo) e uma particularidade: lindos painéis de azulejos em fachadas de casas, com cenas bucólicas, bíblicas, alpinas, orientais etc. numa profusão que não se vê em nenhum outro bairro do Rio (ao que eu saiba).


O Dicionário da Hinterlândia Carioca do Nei Lopes sintetiza a história do bairro: “Típica região rural, de fazendas, pequenos engenhos e chácaras, sua expansão só começa a ocorrer na década de 1920. Na década seguinte, o arruamento e o loteamento exatamente denominado “Vila Penha”, projetado e executado pela Empresa Industrial de Melhoramentos do Brasil, consolidou a urbanização do bairro, que, com Getúlio Vargas, recebeu também, como vários outros do subúrbio, um conjunto residencial do IAPI, constituído principalmente de casas com pequenos terrenos, algumas das quais ainda existentes em sua forma original.” E vamos às fotos (a maioria, dos painéis, a grande atração do bairro).

Rua da Inspiração

Fiação e as típicas casinhas de subúrbio em meio a um ou outro prédio de classe média

Santa Bárbara no clássico losango de quatro azulejos, em platibanda de casa revestida de pedrinhas coloridas

Jesus Cristo em losango de quatro azulejos com moldura de pastilhas

Santo Antônio e o Menino Jesus

Besouro

Casa rosa

Pedras multicores
Cena bíblica em painel de azulejos de António Igrejas

Cena bucólica de moinho à beira do rio em painel de azulejos com moldura de pedra

Paisagem alpina

Paisagem oriental

Cena bucólica na platibanda de uma casa

Outra cena bíblica de António Igrejas de 1966 em fachada de prédio na Vila da Penha. Fotos do editor do blog.

11.1.16

ESTÁTUA DE NOSSA SENHORA NO LARGO DO MACHADO: DESMASCARANDO UMA LENDA URBANA



No Largo do Machado, no alto de um pedestal, ergue-se uma estátua de Nossa Senhora da Imaculada Conceição que tem uma história interessante e está ligada a uma lenda urbana. A estátua foi inaugurada em 8 de dezembro de 1954 no dia do centenário da promulgação, pelo Papa Pio IX, do dogma da Imaculada Conceição. A estátua, que antes adornava o jardim do Palácio São Joaquim (Nunciatura Apostólica) na Glória, foi doada à Prefeitura pelo Cardeal Dom Jaime Câmara. Em suas Memórias, o cardeal conta que a estátua seria do escultor genovês Canova e teria sido adquirida pelo Cardeal Arcoverde quando construiu o palácio. Uma estátua do eminente Canova numa praça do Rio de Janeiro? Ampliando a fotografia da base da estátua, obtida no excelente site As histórias dos monumentos do Rio de Janeiro da gerente de Monumentos e Chafarizes da Prefeitura, Vera Dias (a estátua está lá no alto e não dá para você, que passa pela praça, fotografar a base), observa-se que a estátua traz esta assinatura: "G NAVONE GENOVA 1907". Ou seja, a estátua não é realmente do Canova, infelizmente, e sim do escultor genovês Giuseppe Navone, “um daqueles numerosos, hábeis e absolutamente esquecidos artífices que criaram pilhas de monumentos funerários no mundialmente célebre Camposanto di Genova”, segundo informa Alexei Bueno, ex-diretor do INEPAC. Ainda segundo Alexei, “Essa história do Canova é mais uma lamentável lenda urbana. De início, a estátua não tem absolutamente nada do seu estilo, nada a ver com aquele seu classicismo muito limpo e elegante. Depois, ainda me dei ao trabalho de examinar, de cabo a rabo, exaustivamente, o volume, que tenho, da Opera completa del Canova [...] e não existe nada que nem se assemelhe”.

Assinatura da estátua (foto obtida no site de Vera Dias)

Memórias de Dom Jaime Câmara organizadas pelo Monsenhor Ivo Calliari (foto cedida por Vera Dias) 

1.1.16

RIO (e PARIS) QUARENTA GRAUS NO TEMPO DE EÇA DE QUEIROZ

Meu pai contava que “no seu tempo” no bonde de primeira classe só se podia viajar de terno. Eu próprio peguei a época em que no Municipal só se entrava de terno e gravata (na minha insubordinação adolescente cheguei a ser barrado naquele austero teatro por querer burlar o regulamento). E havia um restaurante no Centro, Timpanas, que só aceitava comensais de terno. Até hoje em certos cargos — desembargador, diretor, senador — o traje passeio completo é de lei. Em em pleno Centro do Rio 40 Graus no verão vemos gente empapada de suor padecendo nos seus ternos, embora ultimamente um movimento pela dispensa desse traje no verão e até pelo uso de bermudas tenha se esboçado.

Em suas crônicas jornalísticas postumamente reunidas em Ecos de Paris, o grande escritor português Eça de Queiroz aborda o tema do calor de 40 graus no Rio e em Paris e prevê que no dia em que os trajes se tornarem mais informais “toda a cidade vai sambar” (não foram bem esses termos que ele empregou mas...) E uma consideração final: quem acha que calores de quarenta graus são novidades do aquecimento global tem no texto de Eça o devido desmentido.


"Aí no Rio, segundo me afirmam, mesmo no Verão, se anda de sobrecasaca de pano. É um lamentável excesso de decoro social. Ainda se compreendia no tempo do império, quando a constante sobrecasaca preta do imperador dominava nas instituições, e portanto determinava os costumes. Hoje a república devia apagar esse verdadeiro vestígio do velho regime, e derrubar a tirania do pano e do chapéu alto. Estou convencido mesmo que essa grande reforma influiria vantajosamente no estado dos espíritos. Um povo que com quarenta graus de calor, anda entalado em casimiras sombrias e sobrecarregado com um chapéu alto de cerimônia, é necessariamente um povo constrangido, cheio de vago mal-estar, propenso à melancolia e ao descontentamento político. Que a esse povo seja permitido pôr na cabeça um fresco chapéu de palha, e refrigerar o corpo com cheviotes claros, alegres e leves – e ele respirará consolado, e tudo desde logo lhe parecerá aprazível na vida e no Estado.


Paris fugiu de Paris. Com este calor de fenômeno (quarenta graus à sombra) em que se pode torrar o café dentro das casas, só com estendê-lo simplesmente sobre o chão, a população abandonou a cidade, num verdadeiro êxodo, e maior que o de Moisés, porque esse foi só de quarenta mil hebreus, e daqui, segundo afirmam os jornais, abalaram ontem, em centenas de comboios, cerca de cento e trinta mil pessoas.

Só ficaram os empregados públicos. E ainda assim, havia há dias uma administração de bairro em que todos os empregados, desde o chefe ao contínuo, se achavam no campo ou no mar.

Era um vizinho da repartição, um lojista, que fazia o serviço, por dedicação cívica.

Em todos os Campos Elísios, só raramente se avista alguma carruagem arquejante. Toda a folhagem das árvores secou.

Aqui e além, nas ruas desertas, passa por vezes, fugindo à pressa, um guarda-sol: é um dos derradeiros parisienses que corre do café onde se atestou de cerveja para outro café onde se vai inundar de limonada. Os cavalos das carroças trazem chapéu; e a acreditar os jornais, já se pensa em lhes fazer usar, por causa da grande reverberação da luz, lunetas defumadas.

Todavia Londres está mais ardente. Aí o calor produz quase uma crise nos costumes. Ontem os membros do parlamento celebraram a sessão, na Câmara dos Comuns, em mangas de camisa.