ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

27.1.21

AS PONTES, A PONTE, UMA PONTE, de HELIO BRASIL

 

Ponte Rio-Niterói vista da barca para Paquetá

Até os idos de 1940 os arquitetos iniciavam sua formação na Escola de Belas Artes onde aprendiam mais sobre artes e artifícios do desenho do que os engenheiros, voltados para a forte matemática – no antigo templo da engenharia, no Largo de São Francisco. Os primeiros seriam os “sonhadores” entregues a divagações estéticas. Os outros, homens “sérios” voltados para as implacáveis verdades da matemática, da física, a mecânica racional e outras ciências respeitáveis, adquirindo um “saber” mais específico e objetivo. Para alguns engenheiros (naqueles dias...) os arquitetos cuidavam da beleza, coisa adjetiva e de todo inútil... Uma “perfumaria”. Daí o atrito inicial em que as duas profissões – na verdade perfeitamente harmonizáveis e, a meu ver, até complementares – disputavam hipotético mercado.

Para muitos engenheiros, arquitetos seriam “apenas” bons desenhistas, “artistas”, jamais técnicos. Em resposta, para os arquitetos, engenheiros só sabiam matemática, lidar com o cimento e o ferro e nada entendiam de arte... Empate técnico? Felizmente havia prorrogação, sem recorrer aos pênaltis...

Ponte Sant'Angelo sobre o Rio Tibre em Roma

        Separados os cursos, definidos currículos e atribuições (praticamente as mesmas, diga-se) “brigas” e “picuinhas” cavavam o abismo entre as duas profissões. A história nos mostra que pelos séculos a disputa não era bem assim. Grandes arquitetos eram excelentes engenheiros (hábeis construtores) e vice-versa, não havendo o tal abismo que cavaram por imaturidade, incultura ou tolices políticas. Um cruel impeditivo, porém, foi imposto aos arquitetos: era-lhes vedado o projeto de pontes, tarefa de fato, por vezes de alta complexidade... Não insuperável.

Hoje, a legislação não é mais impeditiva, embora os engenheiros, por força da tradição, ainda sejam os donos “do pedaço”. E temos obras notáveis por eles produzidas. Como exemplo, temos a polêmica ponte Rio-Niterói – batizada com um marechalato de má lembrança – criticada mais por razões políticas, mas que se harmonizou com o espelho da bela Guanabara. E jamais deixaremos de falar das pontes arrojadas e belas de Eiffel(*) no século XIX e, na atualidade, as do coleguinha Santiago Calatrava (**).

Ponte Vecchio vista da Galeria degli Uffizi em Florença

             Resumindo: gostaria de ter projetado uma ponte...

Mas aqui, deixo a técnica de lado, pois estou em praia estranha e convido o leitor a outras divagações.

Tento falar sobre meu fascínio pelas pontes. Das pontes romanas em cimento pozolânico (um concreto natural usado pelos romanos, de jazidas no sul da Itália) às projetadas em aço pelo citado Eiffel. E ainda sob nossos olhos descuidados, desde o século XIX, o Estado do Rio de Janeiro possui em suas linhas férreas – criminosamente abandonadas – belas pontes, dando majestade às paisagens, facilitando os caminhos.

Ponte Pietra sobre o Rio Ádige em Verona

             Os professores Eduardo Corona e Carlos Lemos definem ponte como “Sistema estrutural destinado a permitir a passagem de veículos, animais e pedestres sobre rios, vales, estrada de ferro ou caminhos...” e adiante, “Ponte suspensa ou Pênsil, é aquela construída com um taboleiro, sustentado por hastes ou cordas verticais...etc”

No “Aurélio” veremos que o vocábulo ponte tem inúmeras significações, desde a trivial “Obra construída para estabelecer comunicação entre dois pontos separados por um curso de água ou qualquer depressão do terreno”, passando pela anatomia geral até o sentido figurado, como “Elemento de ligação entre pessoas ou coisas” e ao prosaico “Prótese destinada a substituir a falta de um ou mais dentes”.

E se disséssemos, com certa obviedade, que os nossos sonhos serão pontes entre diferentes dimensões da vida?

Pontes sobre o Rio Sena na Cidade Luz

         E então entro com cogitações outras: raramente cruzei a pé uma grande ponte. Em geral, o fiz a bordo de veículos, em rápida marcha, fosse a paisagem bela ou belíssima, como se impelido pela necessidade de não permanecer olhando abismos, rios, vales ou cordilheiras. Na prática turística, para-se à margem da ponte (certas pontes, claro) e faz-se a tradicional pesquisa com o olhar ou com a câmera. Não da ponte, mas do que ela vence ou oferece nos horizontes. Torna-se então a mera “passagem” que se abandona até com pressa. Vi algumas fotografias de pequenas pontes, onde haveria um pescador solitário ou um homem, mãos na amurada (estaria tentando aprisionar o presente?), olhando o rio que escapava de seus olhos em busca de um irmão ou de seu estuário. 

     O belo filme de Clint Eastwood, “As pontes de Madison”, apresenta construções especiais, cobertas, envolvidas em significados psicológicos. Passado, presente e futuro? Alguém, sob a proteção de um teto, escolheria não chegar ao outro lado? Tudo isto reforça meu sentimento de que a ponte é um “não lugar”, uma experiência passageira que venceu abismos e que nos levará sempre a novos caminhos. Procuraremos uma ponte que nos permita vencer um obstáculo ou um período difícil. “Ponte” pode designar um amigo que nos ajuda, uma empresa a que recorremos. Um golpe do destino. Será uma rápida passagem para se chegar a ponto seguro, mais à frente, sem retornar – porém - ao ponto de partida.

A ponte nos deixou do “outro lado”, em “outra situação”, um breve futuro logo feito passado, o mesmo mundo de sonhos onde deixamos nossa “ponte”.

Devo perguntar: Que “ponte” estará cruzando nosso querido Brasil?


(*) Gustave Eiffel (1832 – 1923) engenheiro e arquiteto francês, bastante conhecido pelo projeto e construção do grande marco mundial em Paris, a torre para a exposição das indústrias, de 1889.

(**) Santiago Calatrava (19 - ) arquiteto espanhol


Ponte sobre o Rio Limmat e velhas igrejas em Zurique

Ponte Rio-Niterói

Ponte sobre o Rio Kwanza em Angola

7.1.21

BRAZIL PITTORESCO (BRASIL PITORESCO), DE CHARLES RIBEYROLLES & VICTOR FROND


BRAZIL PITTORESCO (BRASIL PITORESCO na ortografia atual) foi uma obra bilíngue (francês/português) sobre a "HISTÓRIA – DESCRIÇÕES – VIAGENS – INSTITUIÇÕES – COLONIZAÇÃO" do Brasil (conforme consta da folha de rosto) dividida em três tomos, de autoria do jornalista e político francês Charles Ribeyrolles (1812-1860), publicada em 1859, acompanhada por um "álbum de vistas" (PANORAMAS – PAISAGENS – COSTUMES, ETC. ETC.) anexo (uma espécie de quarto tomo) lançado em 1861 composto de litografias, executadas em Paris por diferentes gravuristas, baseadas em fotografias de Victor Frond, e não mais em desenhos como era costumeiro antes. Assim, podemos dizer que é o primeiro "álbum de fotografias" publicado no Brasil. 


Charles Ribeyrolles 
(1812-1860) foi um jornalista e político republicano francês exilado da França por Napoleão III. Chegou ao Brasil em julho de 1858 e, cerca de dois anos depois, faleceu em Niterói, como informa o artigo O fotógrafo francês Jean Victor Frond (1821 – 1881) e o “Brasil Pitoresco” no site Brasiliana Fotográfica.

O fotógrafo francês Victor Frond, igualmente republicano e exilado da França em 1852, chegou ao Brasil em outubro de 1856 e em 1857 tornou-se proprietário de um estúdio fotográfico no Rio de Janeiro. Além da cidade do Rio de Janeiro, fotografou, para O Brasil Pitoresco, fazendas do interior com seus trabalhadores da roça, livres e escravos, Campos dos Goitacazes, São Fidélis e Bahia (Salvador). Em 1860, acompanhando a viagem do naturalista e explorador suíço Johan Jacob von Tschudi, produziu registros fotográficos do Espírito Santo, tanto de Vitória como das colônias agrícolas de imigrantes, segundo informa também o artigo supracitado.  Em meados da década de 1860 retornou à França onde faleceu em 1861. 

Uma curiosidade: na equipe de tradutores do francês para o português estava o então jovem poeta, cronista e crítico teatral Machado de Assis. Mais informações sobre a obra podem ser obtidas aqui e aqui.

A seguir uma seleção de dez imagens do álbum comentadas e acompanhadas de citações (entre aspas) de trechos do segundo tomo da obra.

Aqueduto do Rio de Janeiro (Arcos da Lapa) com Convento de Santa Teresa (canto superior direito) e Igreja da Glória (ao fundo, à esquerda). “Salvo o aqueduto que tem bom aspecto, realmente, com as suas duas arcadas, no Rio não há um único monumento publico, nem uma colunata, nem uma estátua. Será esquecimento, preguiça ou bom senso?” (Brazil Pittoresco, tomo 2, pág. 57).


 Foto tirada do Morro da Babilônia mostrando o Morro dos Urubus, Morro da Urca e Pão de Açúcar. “Estávamos defronte do Pão de Açúcar, e posto que tivesse já caído a noite, eu via em fusco perfil, a algumas braças de mar, esse bloco enorme de granito, postado ali como um gigante de atalaia à entrada da baía.” (idem, pág. 26)

Igreja da Glória no outeiro de mesmo nome e antigo Mercado da Glória (direita). “Os verdadeiros passeios do Rio são os que se fazem aos morros. Mas árduas são as subidas do Castelo, da Glória, de Santa Teresa. Só os artistas, os estrangeiros ou os negros, se lhes atrevem no pino do sol, e o melhor é escalar pela madrugada, antes que a cidade e a baía fiquem abrasadas.” (pág. 49) 

Hospício D. Pedro II, atual Palácio Universitário da UFRJ (ver aqui). Em frente, onde hoje está o Iate Clube, ficava a Praia da Saudade. O personagem Policarpo Quaresma, de Lima Barreto, ficou internado um período neste hospício.

Hospital da Santa Casa da Misericórdia, existente até hoje, só que não mais de frente para o mar devido aos aterros. Atrás dele o Morro do Castelo, já demolido. O hospital ainda sem a nova ala com o grande pórtico central (ver aquiconstruída posteriormente em frente à antiga fachada. “O hospital da misericórdia é um esplêndido e vasto edifício, dividido em quarteirões, em grandes salas, e magnificamente assente na praia que faz frente à entrada da baía. Tem ricas dependências, sucursais na cidade, ótimos rendimentos [...]. É um estabelecimento de primeira ordem. Paris e Londres não possuem melhor.” (pág. 55)

 Morro do Castelo. Na ponta esquerda do morro a antiga igreja dos jesuítas e o hospital militar onde antes era o Colégio dos Jesuítas e onde depois se instalou o Observatório Nacional. Para ver minha postagem sobre a demolição desse morro histórico clique em "Morro do Castelo" no menu da barra vertical direita. “Viam-se apenas as fraldas longínquas em que se escondem os montes e as pequenas ilhas; mas o Castelo com seu farol de sinais brilhava como um Sinai, e os olhos seguiam, luz após luz, a bela garganta de mar que ondula até Botafogo.” (pág. 27)


Vista de São Cristóvão, em ângulo raro a partir da Ilha Pombeba, como observou meu amigo Raul Félix. Na época um bairro de chácaras como Botafogo e Catumbi. Também lá os aterros empurraram o mar para mais longe. Vemos, da esquerda para a direita: Hospital dos Lázaros (que existe até hoje como você pode ver aqui), Morro do Barro Vermelho, Igrejinha de São Cristóvão. Morro do Tuiuti, Morro de São Januário, Morro do Retiro da América (ou Pedregulho). Ao fundo a Pedra do Conde e Pico da Tijuca. O acesso a São Cristóvão dava-se por barcas, como lemos no Ribeyrolles: “Há pequenas barcas que fazem o tráfego de Niterói, Botafogo, Baía de São Cristóvão, etc. Mas conta-se apenas duas ou três estações de ônibus, e quanto a carros e cabriolés da praça, conquanto flanqueiem as ruas e em distâncias convenientes, não são de fácil acesso.” (pág. 45)

Quinta Imperial da Boa Vista, na época em arrabalde afastado, como lemos no texto de Ribeyrolles. “Ha ainda outros sítios encantadores, mas bastante afastados tais como as gargantas da Tijuca onde a cascata murmura, Boa Viagem de Niterói, o Saco da Jurujuba, garganta estreita que abre para um dos ninhos da baía, orlada de picos, a ponta do Caju, Boa Vista de São Cristóvão, residência Imperial, e entre todos o Jardim Botânico, fechado, ou antes, perdido nas lagoas de S. João de Freitas [Rodrigo de Freitas], no fundo de Botafogo.” 

Foto tirada da Ilha das Cobras. Vemos, entre outras coisa: Morro de Santa Teresa (esquerda), Morro de Santo Antônio com o convento (pouco abaixo), Corcovado, Igreja da Candelária (centro) e Arsenal da Marinha (direita).  No final do século XIX, a Candelária era a mais alta construção da cidade (62,24 metros de altura do chão até o zimbório), visível à distância. “No Rio, cada uma das oito freguesias tem a sua igreja, algumas têm mais, sem contar as capelas e ermidas; e como julgamos que o leitor acharia fastidioso olhar aqui a nomenclatura minuciosa e circunstanciada de cada uma, escolheremos de todos esses quase monumentos, aquelc que nos pareceu mais notável, pelas suas formas arquitetônicas, pela altura e construção das suas torres; é a Candelária, mas entaipada em uma pequena rua, essa igreja fica afrontada.” (idem, pág. 51)

Vista da Ilha das Cobras. Em frente, o Mosteiro de São Bento, que até hoje tem o mesmo aspecto como você pode ver na foto abaixo que tirei da mesma Ilha das Cobras. À esquerda do mosteiro, o Palácio Episcopal (atual Serviço Geográfico do Exército), no Morro da Conceição, e em frente ao mosteiro os prédios do Arsenal da Marinha, alguns existindo até hoje como você vê na foto abaixo. “Na Europa, impelido pelos sopros dos séculos, o convento tem desaparecido, mas no Rio ainda existe; no meio da baía, depois de passar a ilha das Cobras, olhai em frente e vede. Aquele pesado edifício, de formas grossas, como um antigo castelo, é o mosteiro de S. Bento. Sua fundação é remota, e para o país é uma verdadeira antiguidade.” (pág. 52)