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TEXTOS (exceto legendas das fotos) EXTRAÍDOS DO LIVRO SANTA CRUZ: UMA PAIXÃO, DE NIREU CAVALCANTI (COLEÇÃO CANTOS DO RIO).
Ruínas do antigo Matadouro Imperial de Santa Cruz (atrás do palacete acima), cuja sede foi inaugurada em 1881 pelo Imperador Dom Pedro II. |
Palácio Real, capítulo do livro Santa Cruz: Uma paixão de Nireu Cavalcanti
Todo monarca português deveria ter, no mínimo, três imóveis diferentes: um palácio requintado na Cidade-Corte, no caso, Lisboa; um palácio de campo, em quinta (chácara) próxima à Corte e um palácio rural, em grande fazenda, para exercício das nobres atividades agropastoris da equitação e da caça silvestre.
Ao chegar e se instalar na cidade do Rio, a Corte recebeu como palácio urbano o antigo Paço dos Vice-reis — na atual Praça Quinze, prédio onde funciona o centro cultural denominado Paço Imperial —, após reforma apressada de pintura e forração de paredes com tecidos. Obras igualmente ligeiras foram realizadas nos prédios do Convento do Carmo e na Casa da Câmara e Cadeia, para anexá-los ao prédio principal.
Portanto, o palácio real, que passou a abrigar o governo monárquico português, ocasionou a expulsão de suas sedes do vice-rei, seus funcionários e lacaios; dos vereadores; dos presos e seu carcereiro e dos frades carmelitas.
O palácio de campo, o príncipe regente D. João ganhou-o de presente do rico negociante Elias Antonio Lopes. Esse senhor era dono de uma chácara localizada em São Cristóvão (parte de uma das propriedades confiscadas aos jesuítas) e a casa sede estava em final de construção, quando D. João foi visitá-la. O príncipe regente ficou admirado com a grandiosidade do imóvel e, ao que dizem, fez comentários elogiosos, o que levou o proprietário a presenteá-lo. Com status de palácio nobre, foi batizado de Palácio Real da Boa Vista.
Por fim, o palácio rural da monarquia foi instalado na Real Fazenda de Santa Cruz! Pronto para ser ocupado, tinha muitos quartos — antigas celas dos jesuítas — salão, cozinha e igreja. Na verdade, seus aposentos não eram dignos de um monarca europeu: necessitavam de grandes reformas, decoração requintada e muitas ampliações. Em agosto de 1808, o príncipe regente D. João já despachou do seu Paço de Santa Cruz. Porém, durante os 13 anos em que governou o Brasil, não fez as obras necessárias para adequar melhor o palácio às funções de residência rural da monarquia.
D. Pedro I, entretanto, encomendou ao seu arquiteto particular, o francês Pierre Joseph Pezerat, autor da reforma do palacete da marquesa de Santos, o levantamento das construções existentes no conjunto do palácio e um projeto de reforma do mesmo. [...]
Do ponto de vista de quem olha o palácio de frente, ele ainda não possuía o trecho da fachada à direita da igreja, construído posteriormente, no governo do imperador Pedro II. Debret e Thomas Ender registraram, em belas perspectivas, esse conjunto de edificações desenhado em planta baixa por Pezerat.
Muitas obras de urbanização e a edificação de novos imóveis em apoio às funções palacianas foram realizadas. O largo em frente ao palácio foi urbanizado e foi melhorada a Real Estrada de Santa Cruz. Novos logradouros foram abertos e neles aforados terrenos para construção de casas térreas e sobrados, alguns requintados, para abrigar atividades comerciais e os nobres e ricaços sequiosos de desfrutar a convivência com o poder real.
Batalhão Vilagran Cabrita na Praça Ruão (300 metros ao norte da estação de trem), antiga sede (ampliada e modificada |
Batalhão Vilagran Cabrita: antigo portal da igreja, único traço barroco que restou do conjunto original. |
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Matriz Nossa Senhora da Conceição (perto da Praça Dom Romualdo) em dia de chuva intensa. |
Igreja de Nossa Senhora da Glória na Praça Santa Cruz num belo dia de sol. |
Casas antigas (Rua Senador Câmara). |
Lembranças pessoais (1971-2003), capítulo do livro Santa Cruz: Uma Paixão de Nireu Cavalcanti
[...]
Imbuído desse novo espírito, fui in loco reconhecer e
apreciar os monumentos históricos de Santa Cruz.
O núcleo principal da fazenda jesuítica, depois,
sucessivamente, da Coroa portuguesa e da brasileira, situado em platô no alto
de uma suave colina, estava profundamente modificado. Do antigo largo do Paço,
hoje praça Ruão, só ficou o traçado, a forma retangular e suas dimensões. No
tocante às edificações, resta apenas o conjunto — muito alterado na volumetria
e estética — da igreja e do palácio. Dos traços barrocos originais do prédio
onde hoje se situa o Batalhão Vilagran Cabrita, só restou o portal da igreja [ver foto acima].
Apesar das transformações, esse prédio principal, com três pavimentos,
apresenta volumetria proporcional e guarda certa monumentalidade e traços
neoclássicos de boa arquitetura. O largo ou praça e agradável e imponente e
merece ser vivenciado por quem for a Santa Cruz.
Possui o bairro outro conjunto de edificações do século XIX,
de grande expressividade arquitetônica — que visitei em 1971 e revi
recentemente — onde funcionou o antigo Matadouro, inaugurado solenemente às 9
horas da manha de 30 de dezembro de 1881, com a presença do imperador D. Pedro
II, dos vereadores, de membros do ministério e de grande multidão, tendo
recebido a benção do padre Dâmano do Rego Barros. Localiza-se em ampla quadra
entre as ruas das Palmeiras Imperiais, do Matadouro, do Ferreira e o largo do
Bodegão. Formava um conjunto arquitetônico significativo, como se pode
constatar pelas belas ruínas do bloco principal, do qual restou parte da
fachada com sua interessante seqüência de vãos de portas e janelas dotados de
vergas circulares [ver foto acima]. As edificações de apoio permaneceram, delas destacando-se o
majestoso sobrado onde funcionava a administração do Matadouro, depois ocupado
pela Escola Santa Isabel. Se em minha primeira visita a esse belo conjunto
senti um misto de emoção estética e tristeza por constatar o abandono em que se
encontrava, trinta anos depois encontrei-o revitalizado e abrigando a sede do
Cetep Santa Cruz (Centro de Educação Tecnológica e Profissionalizante), ligado
à Secretaria de Estado de Ciência e Tecnologia, inaugurado em 26 de setembro de
1998. Nesse Centro funcionam uma escola técnica, uma de ensino industrial,
Centro de Informática, um centro referencial de informações, a escola 24 horas
de apoio ao estudante, creche e amplo complexo esportivo. Frequentam o Cetep,
cerca de 10 mil alunos.
O prédio da antiga Escola Santa Isabel
passou por ampla reforma, que o fez renascer e realçou-lhe a beleza
neoclássica. Hoje, abriga o Centro Cultural de Santa Cruz [ver foto do Palácio Santa Isabel acima], com varias
atividades e funções. Foi tombado pelo município em 7 de maio de 1981 e nele
funciona o Ecomuseu e o NOPH, associação cultural guardiã de documentos
manuscritos, de publicações e de peças ligadas à história da antiga fazenda dos
jesuítas. Acham-se ali expostos uma arca e um sacrário em madeira entalhada,
pertencentes à antiga capela do período setecentista.
Outro exemplar significativo do patrimônio histórico do bairro
é o hangar do Zeppelin [foto da capa do livro acima], na Base Aérea de Santa Cruz, tombado pelo município em
24 de novembro de 1992, por sua importância para a história da aviação
brasileira. Trata-se de edificação de grande porte iniciada em 1934 e
inaugurada dois anos depois, para abrigar os dirigíveis (Graff Zeppelin
e o Hindenburg) da linha aérea entre
a Alemanha e o Brasil, na rota Frankfurt-Recife-Rio de Janeiro.
Para nós, arquitetos e urbanistas, o hangar do Zeppelin tem
importância para a história da arquitetura brasileira, pois foi lá que
desembarcou Le Corbusier, vindo da França, a fim de divulgar os princípios da
arquitetura moderna , convidado pelo ministro Gustavo Capanema, do então
Ministério de Educação e Saúde. Em suas memórias, o arquiteto Lúcio Costa
registra a sua ida junto a uma comissão para receber o ilustre visitante:
“"Fomos todos de madrugada [12/07/1936] esperá-lo em companhia de Hugo
Gouthier, então do gabinete do ministro [Gustavo Capanema], chefiado por Carlos
Drummond de Andrade.”
O ponto alto dos monumentos históricos de Santa Cruz é, sem
dúvida, a Ponte dos Jesuítas [ver fotos abaixo], construída no século XVIII pelos inacianos. Além
de ponte, desempenhava a função de comporta reguladora do regime das águas dos
rios que transbordavam no período das grandes chuvas. Na época das secas, as
comportas dos arcos da ponte eram abertas e a água se esvaía, irrigando e
umedecendo o solo ressecado pelo sol. É uma das mais importantes obras de
engenharia hidráulica realizada no Rio de Janeiro colonial. É lamentável que em
seu entorno não haja um complexo turístico com lojas, restaurantes e salas de
exposição com a história das obras jesuíticas no bairro.
Santa Cruz mudou muito ao longo do período de 1971 a 2003:
perdeu, sobretudo, seu ar bucólico e tranquilo. A rua Felipe Cardoso (antiga
Estrada Real de Santa Cruz), principal artéria do bairro, viu-se privada da
maioria dos seus antigos casarões, substituídos por prédios novos com linguagem
arquitetônica moderna. [...] Um logradouro que guarda sua imagem de trinta anos
atrás é a avenida Isabel, pois lá ainda se encontram velhos casarões e
arborização frondosa, com alguns espécimes majestosos.
Os antigos campos agrícolas e pastoris foram ocupados por
conjuntos de edifícios residenciais, favelas, galpões e edificações
industriais. Sepetiba emancipou-se de Santa Cruz e suas praias foram poluídas
pelos rios que nelas deságuam[...]
Sem dúvida, Santa Cruz é um Canto do Rio que merece todo
apoio do poder público e de todos os cidadãos que amam a nossa Cidade
Maravilhosa, para que as suas qualidades — especificidades diferenciadoras de
outros bairros, como o seu rico patrimônio histórico, arquitetônico, artístico
e ambiental —, sejam preservadas. Para mim, Santa Cruz continua a ser um belo
Canto do Rio.
Fonte Wallace na Praça Dom Romualdo (sob uma chuva torrencial). De autoria de Charles Auguste Lebourg, foi executada pela Fundições Val d'Osne, França. Tombada pelo Município. |
Marco 11 da Estrada Real de Santa Cruz na Rua Felipe Cardoso, esquina com Av. Isabel (sob chuva torrencial — observe as pessoas se abrigando na marquise da loja). |
Ponte dos Jesuítas (detalhe). |
8 comentários:
Aprecio muito Santa Cruz. Sempre que posso, passo por lá.
Muito bom!
Como de costume, uma publicação recheada de bonitas fotos e muita informação interessante.
Deu vontade de (usando um termo tão presente neste blog) "flanar" por lá!
Fabuloso o seu blog! Mostrar um Rio de Janeiro que ninguém mais se importa de mostrar, fazendo com que conheçam que aqui não é só as praias e morros da Zona Sul!
Moro em Bangu, sou estudante de Gestão em Turismo e pretendo fazer meu TCC sobre as Igrejas da cidade, por isso acabei caindo de paraquedas no seu blog! Divulguei ele lá no nosso grupo do facebook.
No palácio, que hoje é o Centro Cultural de Sta Cruz, trabalhei por um mês durante as obras de restauração :D
Obrigada por manter um registro tão magnífico como esse! Deveria virar livro - ou livroS.
Bjox!
Santa Cruz conheci quando solteira e só lembro do Matadouro. Fui em alguma missão de um projeto do grande e ingratamente ignorado Anísio Teixeira, educador avançado para seu tempo. Eu estudava na Faculdade de Filosofia e queria trabalhar, o que na época era raro. Consegui algo que já não lembro mas por pouco tempo. Claro que meio século altera profundamente qualquer logradouro. Apenas lembrei que quando D. João chegou havia em Santa Cruz uma escola de musica dos jesuítas para meninos negros. Brancos então não tocavam música na colônia, daí a surpresa do soberano quando ouviu muito bem interpretado alguma peça clássica na performance de uma pequena orquestra de mulatos e negros, sob a regência do maestro mulato padre José Maurício, sobre o qual escrevi um conto no última antologia que publicamos. Fiquei espantada com a capacidade, tenacidade e criatividade do músico, pobre, sem poder tocar inventou um pequeno instrumento e se fez padre para inclusive poder tocar nas igrejas. De resto, Nireu é realmente muito competente. (enviado por e-mail)
Que Maravilha! Moro em Santa Cruz. Infelizmente, o que tem prevalecido por essas terras: trânsito infernal de carros, motos e caminhões; prédios históricos cobertos por pichações e moradores sufocados pelo comércio. Guardo um exemplar do livro "Cantos do Rio. Santa Cruz: uma paixão", com dedicatória do autor ao Núcleo Lítero-Dramático Machado de Assis. Estamos por aqui, fazendo teatro de protesto e resistindo ao consumismo. Obrigado pela postagem.
Edwaldo Generozo
Excelente apresentação de Santa Cruz com um belo texto e fotos. Fico feliz em ver a divulgação desse distante bairro da Cidade que guarda reliquias historicas.
Parabens Ivo!
Sou moradora local e AMO Santa Cruz!Obrigada por retratar tão bem meu bairro querido,pois muitos pensam que aqui é "roça" e rodeado de favelas...mais não:também somos cultura e fazemos parte da história!
Amei poder conhecer um pouco da história de Santa Cruz , estou morando à pouco tempo no bairro e já me apaixonei por ele.
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