RIO — E apesar de todo o Centro de Operações Rio (COR) da prefeitura, com aquele monte de telinhas mostrando o trânsito em tempo real, mil funcionários, mil GPS, mil câmeras, a CET-Rio de plantão, nada adiantou e a volta para casa na terça-feira foi um inferno. Sem um plano de contingência e cheia de obras, a cidade parou. Quem tinha aplicativo de trânsito no celular ainda pôde contar com avisos e, de antemão, evitar regiões de confluência congestionadas, como a Avenida Brasil. Quem não tinha, lascou-se.
Ok, ok, terça-feira foi um dia atípico. Mas num dia típico, o trânsito no Rio é muito pior que o de São Paulo por pura ignorância. Ninguém na cidade — motoristas de carro, de ônibus, de táxi, pedestres, ciclistas ou motociclistas — parece fazer o menor esforço para cumprir as leis de trânsito. Carros e ônibus fecham os cruzamentos (e ainda buzinam para os motoristas que se recusam a fazê-lo), pedestres atravessam em qualquer lugar e sem nenhuma atenção (já vi gente atravessando rua mandando mensagem no celular), bicicletas circulam nas calçadas e não param nos sinais (eu já quase fui atropelado duas vezes), motociclistas flertam com a morte em sua leviandade, estacionamento de carros em calçadas é praticamente norma, ônibus ultrapassando carros no limite da velocidade máxima no Aterro do Flamengo é coisa ordinária, motoristas de táxi histéricos, motoristas de carros que aceleram em cima dos pedestres, motoristas de ônibus que desconhecem o que é uma seta, veículos parados horas sobre ciclovias no calçadão.
Psicólogos já se debruçaram sobre o fenômeno do estresse no trânsito e seu poder de reduzir as pessoas a um estado animalesco, mas duvido que alguém consiga explicar o trânsito carioca. Fechar cruzamento não é só ilegal. É burrice. Assim como estacionar em calçadas. Quem gostaria de ver seu filho andando pela rua porque não tem espaço nas calçadas?
As razões dessa maluquice são variadas. Vão da falta de educação pura e simples, passam por anos de descaso no planejamento urbano, por um modelo de crescimento baseado no consumo (de carros subsidiados, inclusive), por uma prefeitura que decidiu abrir guerra contra os motoristas sem ter um transporte público eficiente, pela falta de estacionamentos regulares (quem ainda aguenta flanelinha, gente?), por uma engenharia de trânsito pouquíssimo sofisticada e por fim, por uma fiscalização deficiente.
Há anos que a prefeitura aposta nos agentes de trânsito, os tais “verdinhos”. São uns 800, terceirizados, que não têm poder de multa. São facilitadores. Ora, todo mundo sabe que mudança de hábito em massas se faz com campanhas educativas e fiscalização. Não tem mistério. É assim tanto na China quanto nos EUA. Aqui não temos nem uma coisa nem outra, apesar de a Guarda Municipal, em tese, atuar no trânsito. Em São Paulo, os funcionários da CET, conhecidos como “marronzinhos” (por que essa infantilização da autoridade?), ficam em cruzamentos e ruas a pé, de bicicleta ou de motocicleta com uma espécie de máquina de Cielo na mão. Aquilo emite a multa na hora mesmo. São implacáveis. No Rio, bem, no Rio se os Guardas multassem com empenho a gente não veria tanta infração por aí, não é mesmo? Lembrando que estacionar em calçada custa uns R$ 130 e remoção do veículo. Some-se a isso a clara falta de fiscalização de ônibus e de táxis e o circo está armado.
Assim como no caso dos serviços, há a falta de gentileza. Dia desses, estava num táxi na Rua Almirante Tamandaré, no Flamengo (onde as pessoas estacionam dos dois lados da rua, deixando apenas um fiapo de espaço no meio), quando o táxi da frente parou para o desembarque de uma passageira idosa. Muito idosa. Ou seja, um desembarque lento. Pois o motorista do meu táxi esmurrava enlouquecidamente a buzina, como se ele nunca tivesse passado por isso. Como se o motorista da frente — e a senhora — não merecessem respeito e consideração.
O trânsito do Rio é trágico. Somos todos responsáveis por isso.
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