No Rio colonial os mortos ligados a alguma irmandade religiosa eram enterrados dentro das Igrejas ou nos seus adros, enquanto os indigentes, pobres ou "pretos novos" eram enterrados em covas coletivas em terrenos disponíveis. O primeiro cemitério a céu aberto da cidade, privativo da colônia inglesa, foi o Cemitério dos Ingleses, de 1811. Em meados do século XIX foram criados os grandes cemitérios abertos a todos os cidadãos, de qualquer religião (tanto é que existe uma "ala judaica" no Caju, túmulos positivistas, sem cruz, no S.J. Batista, etc.): São Francisco Xavier (o “Cemitério do Caju”), São Francisco de Paula (o “Cemitério do Catumbi”) e São João Batista. No Caju existe ainda o Cemitério da Penitência, Comunal Israelita e o Cemitério Vertical Memorial do Carmo. A relação de todos os vinte cemitérios do Rio você encontra aqui. A seguir textos de Alexei Bueno, Pedro Nava, Mauro Matos e Cláudio Henrique (extraídos de diferentes livros) sobre os principais cemitérios cariocas.
CEMITÉRIO DOS INGLESES
Os vivos e os mortos |
Lápide no interior da capela, de uma criança, Thomas Barker, falecida em 13 de fevereiro de 1812 aos dez anos. Sob o anjo trombeteir |
Túmulos e capela. Observe que os túmulos protestant |
Durante todo o período colonial no Brasil, as inumações foram feitas dentro das igrejas, ou, quando muito, em catacumbas anexas. [...] Tal hábito começou a declinar com a chegada da Corte portuguesa, fugida de Napoleão, em 1808, e sobretudo com a abertura dos portos às nações amigas, entenda-se Inglaterra. Foi numa encosta do morro da Providência, na Gamboa — o mesmo que, em sua outra face, veria nascer a primeira favela após o desmobilizamento das tropas da guerra de Canudos, sendo por isso também conhecido como morro da Favela —, voltada para o mar, que surgiu o Cemitério dos Ingleses, o primeiro a céu aberto do Rio de Janeiro e um dos primeiros do Brasil.
Pelo Tratado de Amizade e Comércio, assinado entre o príncipe regente D. João e o rei Jorge III, no dia 19 de fevereiro de 1810, ficava permitido "o enterramento de vassalos de Sua Majestade Britânica, que morressem nos territórios de Sua Alteza Real o príncipe Regente de Portugal, em convenientes lugares, que seriam designados para este fim, não se perturbando, de modo algum, por qualquer motivo, os funerais e as sepulturas dos mortos".
Do livro de Alexei Bueno, Gamboa, que faz parte da coletânea Cantos do Rio.
CEMITÉRIO DO CAJU
Crematório |
Covas rasas |
À memória de minha mãe |
Não sei se existe uma história dos cemitérios do Rio de Janeiro. Quase todos foram abertos depois das hecatombes da febre amarela, a partir de dezembro de 1849. O do Caju é anterior. É o mais antigo da cidade. Foi instalado em 1839 por José Clemente Pereira, numa gleba comprada a José Goulart, para enterrar os indigentes e escravos até então sepultados nos terrenos de Santa Luzia, onde se ia erguer o atual hospital da Santa Casa de Misericórdia, no Rio de Janeiro. Foi chamado Campo-Santo do Caju. Seu primeiro defunto foi inumado em 1840.
Em 1851 o nome foi mudado para o de Cemitério de São Francisco Xavier. Entretanto, não só persiste a antiga denominação, como ela entrou nas frases feitas. Assim, quando se diz — um dia, Pedro, irás para o Caju — quer dizer — um dia, Pedro, ai! de ti, também morrerás, e serás enterrado. Naquele ano o campo-santo é ampliado e juntaram-se às terras de José Goulart, as da antiga Fazenda do Murundu, de Baltasar Pinto dos Reis. Em 1858 desmembra-se o terreno que vai ser o Cemitério da Venerável Ordem Terceira da Penitência e em 1859 o que vai ser o Cemitério da Venerável Ordem Terceira do Carmo.
Essa vasta área corresponde, mais ou menos, ao que é hoje limitado pela Avenida Brasil, pelas Ruas Carlos Seidl, Indústria e Monsenhor Manuel Gomes e nela estão os quatro cemitérios [os três citados e o Cemitério Comunal Israelita], fábricas, depósitos e favelas; as ruas novas dos fundos das necrópoles; e o Hospital São Sebastião. Os aterros, em frente, fizeram desaparecer os cais [...]
Do segundo livro de memórias de Pedro Nava, Balão cativo.
CEMITÉRIO DO CATUMBI
Portal |
Nichos (esquerda), capela do cemitério (direita) e o Corcovado lá atrás (sobre a extremidade direita dos nichos) |
Jazigo perpétuo |
Nichos no fundo do cemitério e Morro da Mineira atrás |
Inaugurado em 19 de março de 1850, o cemitério de São Francisco de Paula ou cemitério do Catumbi, como é mais conhecido, foi o primeiro do Brasil construído a céu aberto destinado a não-indigentes. Antes, somente religiosos e ricos eram sepultados nas criptas das igrejas.
Na época, devido ao efeito devastador das epidemias na cidade do Rio de Janeiro, principalmente da febre amarela, foi construído com urgência o cemitério pela Ordem Terceira de São Francisco de Paula, com aprovação do Império. O resumo histórico e ilustrado da Ordem atesta a compra do terreno que pertencia ao proprietário Dionísio Orioste tendo sido lavrada em cartório pela Irmandade em 12 de maio de 1849.
De fato, já no primeiro ano, foram sepultados cerca de 3 mil corpos com morte provocada pela epidemia da febre amarela, além de 323 irmãos da Congregação, como atestam os documentos da Ordem. Em seguida foram para lá transladados cerca de 450 restos mortais, na sua maior parte da nobreza brasileira que estavam sepultados na igreja de São Francisco de Paula.
Do livro de Mauro Matos, Catumbi, um bairro do tempo do império. Você pode ler o livro em versão pdf clicando aqui.
CEMITÉRIO SÃO JOÃO BATISTA
Pórtico |
Capela |
Túmulo de Ary Barroso |
Mausoléu da Academia Brasileira de Letras |
Nelson Rodrigues |
Em 1852 foi inaugurado o Cemitério São João Batista, historicamente importante por ter sido, junto com o do Caju, o primeiro da cidade a permitir enterros para pessoas de qualquer classe social. Até então pobres e ricos viravam pó em lugares diferentes — e em igrejas. Há um registro sinistro da "estréia" do cemitério: consta que era uma menina de apenas quatro anos, Rosaura.
Além de abrigar belíssimas obras em gesso, mármore e bronze, o São João Batista, sem dúvida, é o Père Lachaise carioca: estão enterrados ali, entre outros, Vicente Celestino, Evaristo da Veiga, José de Alencar, Benjamim Constant, Floriano Peixoto, Gustavo Capanema, Oswaldo Aranha, Machado de Assis, Ari Barroso, Nelson Rodrigues, Francisco Alves, Miguel Couto, o escultor Rodolfo Bernardelli, Luis Carlos Prestes, Carmem Miranda, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Cazuza, Clara Nunes, Chacrinha, Jardel Filho e Santos Dumont.
Do livro de Cláudio Henrique, Botafogo, pp. 51-2 (Coleção Cantos do Rio).
Visite também a postagem Cemitério São João Batista & Poemas Mórbidos no meu outro blog, o Sopa no Mel. Uma dica: O jornal O Globo de 22/9/14 publicou uma ótima matéria sobre os cemitérios do Rio. Para ler uma monografia de Ana Cristina Alves Gavinha sobre a história dos sepultamentos no Rio clique aqui.
20 comentários:
Ivo querido
Todos os cemitérios do Rio são um passeio pela história.
Adoro todos eles, pelos exemplos de arte em mausoléos.
Passeio imperdível!
Estou muito contente com a possibilidade de rever seu irmão ápós 20 anos mais ou menos, bem que poderíamos nos ver também, né ?
Beijos
Moira
Prezado Ivo,gostei muito da História dos Cemitérios do Rio de Janeiro.Após visitar seu blog,ganhei mais um pouco de cultura!
Sucesso!
Siomara de Cássia Miranda
MÊ-DO !!!!
:)
Coloquei-me em dia com seu blog, sempre uma leitura e vista agradável, competente, aos olhos e à mente. (Perdoe a rima infame.) (enviado por e-mail)
Seu blog está cada vez melhor! Estou em Paris com saudade do Rio, só sei viver no Rio. (enviado por e-mail)
Nada contra, amigo.
Afinal os corpos têm que ser enterrados em algum lugar. E realmente temos alguns cemitérios no Rio que são classificáveis como monumentais. (enviado por e-mail)
Rapaz Ivo,
espetacular este seu espaço. Incrível como as pessoas se doam nestes tempos. Falo do seu desprendimento em gastar seu tempo com esta página.
Parabéns e Sucesso.
Abraço cordial direto do Distrito Federal.
Dimas
Ivo, obrigada pelo carinho por ocasião do Primeiro Aniversário do Business Opportunities Weblog Brasil.
bjsss
Cris Zimermann
Virtual Entrepreneur
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Hi Ivo,
Interessante as estorias de cemiterio, gosto dos antigos onde existem obras de arte, assim como os do Rio. Sao anjos barrocos e imagens belissimas de santos!Recordo-me da cidade em q nasci, voltei la anos apos a minha saida e vi uma placa no portao do cemiterio "Nao ha vagas".
Mas o mais engracado foi qdo construiram o novo cemiterio e nao morria ninguem, ai o prefeito ficou conhecido como Odorico Paraguassu.
Com a modernidade, ate a estadia nos cemiterios e temporaria, aqui vc tem o direito a ficar enterrado 5 anos. Depois, junta-se os ossinhos e cremam, isso sem contar q agora neguim come grama pela raiz. Sinal dos tempos, se o homem ja perdeu o valor enquanto ta vivo, imagine depois de morto?
Beijinhos c carinho
Toronto - Ca
Vocês são chiques até no cemitério !
Muy bonito , gracias.
Saludos de nuevo desde Costa Rica.
Oi, Ivo
Vivendo e aprendendo nesse passeio pela História, agora, entre outras coisas, fiquei sabendo que Machado está enterrado no São João Batista.Valeu!
bjks,
Mariza
Oi, Ivo! Muito bonito seu blog sobre o Rio, recheado de boa literatura. Vou linkar você no Umbigo do Sonho. Um grande abraço.
Olá, Ivo,
Continuo consultando periodicamente o seu blog e me deliciando com os seus textos e fotos. (enviado por e-mail)
Ivo
Esqueci de um detalhe...
No cemitério da Ordem Terceira, onde temos um carneiro perpétuo desde o Dezembargador Albuquerque meu bisavô, só podem ser sepultados quem pertenceu a Ordem de alguma forma, como toadas as filhas dele eram Filhas de Maria, seus descendentes podem usar este carneiro.
É a terceira sepultura entrando pelo portão principal à esquerda.
Pertence à família há mais de 100 anos.
Beijos
Moira
VC SABE QUE EU ADORO O TEU BLOG!!! É DEMAIS E AS FOTOS SÃO ÓTIMAS!!! MAS FIQUEI TRISTE PORQUE VC NÃO INCLUIU A DO TÚMULO DO MEU ADORADO CAZUZA!!! AINDA BEM QUE O NOME DELE ESTÁ NO TEXTO!!! (enviado por e-mail de Buenos Aires)
Prezado Ivo,
Acessar o seu blog é uma alegria e um passeio pela cultura. Retribuo, como seu leitor e visitante, os votos para 2007. No capítulo dos cemitérios, assunto que muito me interessa, nunca pude apurar com certeza o "boato" de que o primeiro ocupante do São João Batista foi o poeta Álvares de Azevedo, f. em 1852, seria possível? Li em algum lugar que ele foi transferido de um cemitério perto da praia Vemelha, que inundou. Suas fotos, caro Ivo, são da melhor qualidade. Repito: sou um admirador de seu blog, e do autor deste. Abraços,
Waldir.
É Ivo, até um assunto que pode ser considerado triste, para alguns, até neste, fica muito bom no seu blog e rico pelas fotos. Agora, senti falta de fotos do "...da Saudade". Realmente não é tão pomposo como os apresentados, pois têm um outro enfoque (é como um "Jardim").
Estou no Rio com saudades de Paris.
Estoutonto, Ca´com o que a Cana dá.
Manoel
(desculpe a brincadeira).
Parabéns pelo excelente blog. Uma verdadeira aula de história, de arte, de literatura e de amor ao Rio. Como carioca fiquei envaidecida pela beleza das fotos, por deltalhes que não conhecia e doida para fazer uma visita ao São João Batista. Obrigada pela aula... Hilde - Roseira, SP
Caro Ivo,
Obrigado pela historia dos cemiterios no Rio. Estava a procura de informacoes de onde o meu antepassado foi enterrado. E-me impossivel visitar pois estou no outro lado do mundo.
Optimas fotos.
Obrigada,
Lia
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