ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

13.4.13

TAMOIOS NO ARPOADOR





Texto de Zuenir Ventura publicado originalmente no encarte "Aniversário do Rio" de O Globo de 1o de março de 2013 e reproduzido com a gentil permissão do autor.

Aconteceu neste verão. Convidado a escrever sobre um canto do Rio, escolhi o Arpoador, porque de lá se costuma desfrutar deslumbrantes entardeceres. Os termômetros marcavam quase 40º, com a sensação térmica beirando os 50º. Sentado nas pedras, apreciava o sol refletir com tal intensidade sobre o mar espelhado que devo ter experimentado aquela ilusão ótica que no deserto se chama miragem. A gente entra num clima onírico e acredita ver o que não existe. De repente, senti uma urgência febril de dividir aquele espetáculo mágico com alguns personagens que cantaram e encantaram o Rio. A primeira aparição foi de Millôr, que veio correndo pela areia, como sempre fazia. Passou pelo largo que agora leva o seu nome, subiu até onde eu estava e repetiu uma de suas geniais definições: “O pôr do sol é de quem olha”. Em seguida, foi a vez de Tom e Vinicius, que atravessaram o Parque Garota de Ipanema carregando o violão. Tinham acabado de acordar, após uma longa noite de boemia. Finalmente, vindo de Copacabana, chegou Oscar Niemeyer, trazendo nos olhos as curvas das mulheres e dos morros cariocas com que fez sua arquitetura.

Como não podia deixar de ser, a conversa girou em torno dessa cidade solar, sensual, exibida que nasceu para ser musa. Falou-se principalmente do narcisismo de quem desde pequena se habituou aos elogios. Era ainda uma criança quando um de seus adoradores, o primeiro governador-geral Tomé de Souza, se desmanchou: “Tudo é graça o que dela se pode dizer”. Alguém lembrou que até os religiosos lançaram sobre ela olhares profanos: “É a mais airosa e amena baía que há em todo o Brasil”, suspirou o padre Anchieta, inteiramente catequizado. Seu colega da Companhia de Jesus, o padre Fernão Cardim, sentiu o mesmo: “É coisa fermosíssima e a mais aprazível que há em todo o Brasil”.

Estimulado pela exuberância sensorial daquela tarde, resolvi corrigir Vinicius, que dizia que ser carioca é um estado de espírito. Acho que é mais. Não se trata apenas de alma, mas de corpo e alma. Ama-se a cidade com todos os sentidos, a começar pelos olhos. Olha que coisa mais linda uma garota de Ipanema a caminho do mar. Ela vai se molhar e se estender nas areias para dourar seu copo quase nu. Segundo Tom, que transformou em música tudo isso, esse rito hedonista, quase erótico, é uma herança de nossos antepassados tamoios, que nos ensinaram a curtir a água, o corpo, a música e a dança.

O sol já estava sendo rendido no seu plantão diário, e os banhistas noturnos começavam a estender suas cangas na areia para o mais novo modismo deste verão: o banho de lua. Foi quando chegou Cazuza para fazer parte do show. Antes de dar um mergulho, cantou: “Vago na lua deserta das pedras do Arpoador”.

Nunca me senti tão tamoio quanto nesse fim de tarde, início de noite nas pedras mágicas do Arpoador.

2 comentários:

Vera Dias disse...

Belíssimo!

Paulo da Mata disse...

Caro amigo,
gostei tanto que postei um link no caderneta de armazém