ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

5.9.14

STEFAN ZWEIG NO RIO DE JANEIRO - PARTE 1: CHEGADA DE NAVIO


Antes de emigrar definitivamente para o Brasil fugindo da barbárie nazista, Stefan Zweig já fizera uma viagem pelo país, descrita no ensaio PEQUENA VIAGEM AO BRASIL, escrito no outono de 1936 e incluído no livro ENCONTROS COM HOMENS, LIVROS E PAÍSES, publicado pela Editora Guanabara em 1939 em tradução de Milton Araujo e gentilmente cedido a este blog por Salomão Rovedo. Fotos do Rio antigo extraídas de PPS que circularam pela Internet. O texto aqui reproduzido é um raro relato da entrada de navio na Baía da Guanabara que tanto impressionava os visitantes da Cidade Maravilhosa  incluindo minha mãe como você pode ler em seu diário clicando em Diário de minha mãe no menu à direita — antes do advento da aviação intercontinental. 


De manhã cedo, já todos os passageiros esperam com impaciência e curiosidade, a bordo, munidos de binóculos e câmaras; ninguém quer perder a ocasião de ver a entrada famosa do Rio de Janeiro, mesmo aqueles que já a conhecem de muitas viagens. Ainda o mar brilha azul e metálico como há dias e dias, numa monotonia acalmante e ao mesmo tempo fatigante, e, não obstante, sente-se a proximidade da terra; respira-se a terra antes de vê-la, pois o ar torna-se de repente úmido, doce e mais suave, uma exalação pesada vem voando imperceptivelmente, conglomerada, nas profundidades dos bosques imensas, do hálito das plantas e da umidade dos cálices, aquela exalação das regiões tropicais, indescritível, quente, mormacenta, como o vinho em fermentação, que de maneira ensurdecedora, nos torna ébrios e cansados ao mesmo tempo. Agora, finalmente, muito ao longe, avista-se um contorno: uma cadeia de montanhas destaca-se com alguma incerteza ainda, nebulosa, no horizonte, e, à medida que o navio sulca seu caminho pelas águas, vai sendo avistado mais perceptivelmente; é uma série de montanhas que com braços estendidos protege uma das maiores baías do mundo, a bela baía de Guanabara. Todos os navios de todas as nações caberiam aí ao mesmo tempo, tão vasta e grandiosa ela é, abaulando-se com suas múltiplas enseadas e promontórios. Dentro dessa concha gigantesca arrombada estão espalhadas, como pérolas, inúmeras ilhas, cada uma diferente em forma e cor. Algumas mal aparecem, uniformes e acinzentadas, de dentro do mar ametístico; podia-se tomá-las, à distância, por baleias, tão nuas e peladas são suas costas. Outras são oblongas e pedregosas, estriadas como crocodilos; outras povoadas de casas; algumas são fortalezas, outras assemelham-se a jardins flutuantes com palmeiras e flores; e, enquanto se admira curiosamente essa variedade inesperada das formas, com o auxilio do binóculo, vêm-se destacar ao mesmo tempo, bem ao fundo, plasticamente, as montanhas, também cada uma delas diferente, cheia ·de caprichos. Uma é nua, a outra coberta de um vestido de palmas verdes, esta com penhascos, aquela cingida por um cinto resplandecente de casas e jardins; parece que a natureza, como escultora atrevida, experimentou colocar todas as formas terrestres uma ao lado da outra; e por isso, a fantasia do povo deu nomes terrestres a cada uma dessas figuras de pedra: Morro da Viúva, Corcovado, Cão, Dedo de Deus, e, à mais visível de todas, o nome de Pão de Açúcar. Esta montanha, subindo diante da cidade, com seu declive abrupto, acha-se na entrada do Rio de Janeiro como a estátua da Liberdade diante de New York, ambas como o símbolo antiquíssimo e imóvel destas cidades. Por cima de todos esses monólitos e montanhas vê-se, como capital dessa geração de gigantes, o Corcovado, onde se eleva a imagem de Jesus, de braços abertos (à noite toda iluminada), abençoando o Rio de Janeiro como um padre ao levantar o hostiário sobre os crentes ajoelhados.


Agora percebe-se a cidade após a passagem por um complicado labirinto de ilhas. Não se avista, porém, toda de uma vez. Não é como em Nápoles, na Argélia ou em Marselha, cujas cidades aparecem num panorama de casas, como uma arena aberta com degraus de pedras, logo à primeira vista. Quadro por quadro, parte por parte, plano por plano, desdobra-se a cidade do Rio de Janeiro como um leque, e é por isso que a sua entrada é tão dramática, tão inexpressivelmente admirável e surpreendente. Cada uma dessas baías povoadas, de cuja reunião resulta a sua costa, é separada uma da outra por meio de cadeias de montanhas — são como as varetas do leque, que isolam cada quadro, reunindo-as ao mesmo tempo. Finalmente avistamos a praia arqueada. Aspecto encantador! Um passeio vasto ao longo da praia, continuamente espumada pelas ondas, com casas, praças e jardins; distingue-se claramente o hotel de luxo e, elevando o olhar, os outeiros com as vilas cercadas de árvores — porém, novo engano! É somente a praia de Copacabana, uma das mais belas do mundo, um bairro novo e chic, não a própria cidade. Ainda é preciso passar o Pão de Açúcar, que impede a vista; somente então é que se vê a cidade maciça e branca, olhando para o mar e deslizando nas alturas verdes. Veem-se os jardins públicos das praias, recentemente feitos, e o campo de aviação, que há pouco tempo foi ganho do mar. Já vamos atracar e a impaciência será satisfeita. Mas não! Era novamente um erro. Desta vez é a enseada de Botafogo e a praia do Flamengo; o vapor ainda deve ser pilotado; ainda é preciso abrir-se outra folha desse leque divino, resplandecente, com todas as cores; ainda é necessário passar a ilha da marinha e aquela outra pequena com o palácio gótico, onde o imperador D. Pedro, dois dias antes de sua deposição deu, sem nenhum pressentimento, o último baile. E só agora podemos saudar as casas altas, uma só massa vertical; agora o vapor pode atracar e estamos na América do Sul, no Brasil, estamos na cidade mais maravilhosa do mundo — o Rio de Janeiro.


Essa entrada de uma hora é um acontecimento único no seu gênero e comparável somente à impressão irresistível daquela de New York, porém a saudação de New York é mais dura, mais enérgica, como um golfo setentrional com seus cubos amontoados, brancos como gelo. Manhattam nos oferece uma saudação viril, heroica; é a vontade humana indômita da América, uma irrupção da força acumulada. Rio de Janeiro estende-nos os seus braços meigos de mulher, recebe-nos com carinho, atrai-nos, entrega-se ao espectador, com uma certa voluptuosidade. Tudo aqui é harmonia; a cidade, o mar, o seu verde e as montanhas, tudo desliza como que ao som de uma música; mesmo os arranha-céus, os navios, os reclames luminosos de muitas cores não perturbam; e esta harmonia repete-se em acordes sempre novos. Diferente é a cidade vista do alto dos outeiros e vista do mar; contudo, é sempre harmonia, multiplicidade desprendida num conjunto completo, natureza que ficou cidade, e uma cidade que causa o efeito da natureza. Pela maneira grandiosa e generosa que o Rio nos recebe, já se sabe de antemão que a vista não se cansará de apreciar e a alma não se fartará dessa cidade extraordinária. 



23.7.14

DESPEDIDA DE JOÃO UBALDO RIBEIRO, de Cyro de Mattos


Nascido em 23 de janeiro de 1943, na Ilha de Itaparica, o escritor João Ubaldo Ribeiro faleceu na última sexta-feira (18), no seu apartamento, do bairro Leblon, Rio de Janeiro, vítima de embolia pulmonar. Jornalista, contista, romancista, cronista, tradutor e roteirista de cinema. Laureado com o Prêmio Jabuti duas vezes, Golfinho de Ouro (Rio), Prêmio Camões, para autores brasileiros e portugueses. Esse baiano de Itaparica deixa uma obra de altíssimo nível no corpo das letras brasileiras. Destacam-se na sua vasta produção os livros Sargento Getúlio (1971), Viva o povo brasileiro, (1984) O sorriso do lagarto (1989), romances, e Livro de histórias (1981). Formado pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, na turma de 1962, nunca exerceu a advocacia.

Começou a escrever muito cedo, publicando os primeiros contos nas coletâneas Panorama do conto baiano (1959), Reunião (1961) e Histórias da Bahia (1963). O romance Sargento Getúlio, que virou filme e, há pouco tempo, foi adaptado ao teatro, colocou João Ubaldo Ribeiro como um valor excepcional na moderna literatura brasileira. O livro foi traduzido por ele mesmo para o inglês e publicado nos Estados Unidos. Foi editado também na França. Com Livro de histórias (1981), o modo debochado de narrar do autor baiano mais uma vez retorna com incursões nas venturas e desventuras do povo de Itaparica e do sertão da Bahia.

Com Viva o povo brasileiro (1984), magnífico romance, com seu prodígio técnico, conhecimento incomum de linguagem e fala brasileira, vasto cabedal de informações sobre a vida e cultura do povo, João Ubaldo Ribeiro passa a ser reconhecido como um dos escritores mais significativos da América latina, ao lado de Jorge Amado, Gabriel Garcia Márquez, Mario Vargas Llosa, Carlos Fuentes e outros.

É triste, muito triste, essa despedida física de João Ubaldo Ribeiro. Ele foi meu amigo, companheiro de geração em Salvador e colega na Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia, no período compreendido entre 1958 e 1962.

Quando estudante universitário, uma das coisas que eu gostava era de ir à Rua Chile. Quase todos os dias, visitava a Livraria Civilização como uma necessidade que o tempo me impunha, semelhante àquela quando se tem sede ou fome. Era lá que eu me encontrava com os companheiros de geração, à qual alguns deles pertenciam por afinidades eletivas, enquanto outros em razão da idade. Ildásio Tavares, Alberto Silva, Ricardo Cruz, Marcos Santarrita, Orlando Sena, Olnei São Paulo, Adelmo Oliveira, Carlos Nelson Coutinho e, presença indispensável, João Ubaldo Ribeiro. Lá estava o jovem de voz gutural, contador de casos como o primeiro sem segundo, sorriso largo e franco, olhos por trás de óculos com lente forte e armação grossa. De bom humor com tudo que viesse de graça e da graça da boa terra baiana.

E não é que, neste instante, pregando mais uma de suas travessuras e saindo da memória de repente, eis que risonho vejo diante de mim o colega que deu as mãos à criação literária como meio de leitura crítica da vida? João Ubaldo Ribeiro, com o seu jeito brincalhão de circular naquela querida Faculdade de Direito. Ele era encontrado na cantina, às vezes namorando com Belô, a moça mais bonita da faculdade. Comentava-se que feio como ele só mesmo sua inteligência rara poderia levá-lo à conquista do coração daquela moça, que, quando passava, arrancava suspiros dos estudantes universitários, de tão bela. Lá mesmo na cantina contava alguma história de sua gente de Itaparica aos colegas Davi Sales e Ildásio Tavares, o primeiro mostrando que sua vocação era para crítico literário e o segundo para a poesia, e não para a profissão de advogado. 

Uma vez fez uma prova de Direito do Trabalho em versos e ganhou do professor Elson Gottschalk a nota máxima. Outra vez, quando soube que havia passado de ano, subiu numa cadeira da cantina e, em transe, como se algum espírito de luz tivesse se apossado dele, começou a recitar Shakespeare em inglês clássico. Com aquela cabeça grande de baiano em que formigavam histórias, gozações repentinas, que pegavam os colegas sem defesa, só podia João Ubaldo Ribeiro dá no que deu. Em vez de advogado militante, dotado de vasto saber jurídico, fôlego de sete gatos para enfrentar os litígios forenses, tornou-se em pouco tempo o romancista consagrado de Sargento Getúlio e Viva o povo brasileiro, entre outros livros soberbos.

Era membro da Academia Brasileira de Letras. Seus livros foram traduzidos para oito idiomas. 

14.7.14

ADEUS, COPA!


Se perdemos a Copa futebolisticamente falando (e ainda por cima batendo vários recordes negativos, como a pior goleada já sofrida por nossa seleção, a pior goleada numa semifinal etc.), ganhamos a Copa no sentido de que apresentamos ao mundo um espetáculo primoroso & inesquecível. Os aeroportos não entraram em pane, os transportes públicos deram conta das multidões, nosso povo maravilhoso recebeu os turistas de braços abertos, projetamos uma imagem positiva do país ao bilhão de telespectadores da Copa mundo afora, e a aliança do mal dos blac blocks + sindicalistas tresloucados + partidos de ultraesquerda + certos movimentos sociais apequenou-se ante a euforia do povo que torcia pela (até então gloriosa) seleção canarinho. Valeu a pena porque a alma brasileira não é pequena! E agora vamos nos preparar para as Olimpíadas (aqui em nosso Rio) e a Copa seguinte (em mais um BRIC, a Rússia)! Bola pra frente!


28.6.14

TEVE COPA, SIM!

O mascote Fuleco (de futebol + ecologia) no Norte Shopping
A Santa Aliança agressiva e antidemocrática do “Não Vai Ter Copa” de black blocs fascistas, partidos ultraesquerdistas, políticos de passado sombrio, sindicalistas tresloucados e os chatos-de-galocha de plantão fez tanto estardalhaço que abafou algumas verdades óbvias, quais sejam, 1) que somos, sim, o país do futebol, 2) adoramos de coração a nossa gloriosa Seleção canarinho e 3) futebol e política são como água e óleo, não se misturam. Enfim as bandeiras se desfraldaram, os torcedores perderam o medo e estamos curtindo uma das melhores Copas de todos os tempos, tanto no nível técnico das partidas como na empolgação de turistas e brasileiros irmanados numa grande festa. E passada a Copa, nada de descambar novamente no mau humor. Lembremos que em outubro temos uma chance magna de passar o país a limpo: eleições!


Trio de Ouro

Felipão

Fuleco

Bandeiras nas janelas de um prédio do Cachambi, Zona Norte

Bandeiras em Copacabana

Fitas verdes e amarelas (e velhos sobrados) na Glória

Nossos heróis

Templo Positivista na Glória. Os dizeres "Ordem e Progresso" da bandeira foram tirados de um lema positivista.

Camisetas à venda. Fotos do editor do blog.

18.6.14

GRAFITAGEM NA COMUNIDADE TAVARES BASTOS


A Comunidade Tavares Bastos, no alto de um morro entre o Catete e Laranjeiras, tem duas características: lá fica a sede do Batalhão de Operações Policiais Especiais — o famoso BOPE — e escondido em sua viela principal está a pousada The Maze Inn (a palavra inglesa maze significa labirinto), do inglês Bob Nadkarni, ex-cinegrafista da BBC, pintor e músico que chegou à favela Tavares Bastos vinte anos atrás e por lá ficou. Uma vez por mês Bob promove uma noitada de jazz, e a vista da pousada é espetacular (como costumam ser as vistas das comunidades da Zona Sul carioca). No dia 12 de junho rolou uma grafitagem para a Copa do Mundo e pelo fim da violência contra a mulher, promovida pela rede NAMI e Instituto Avon. Aqui estão algumas fotos que tirei.



Amor e perdão começa em casa e revoluciona a nação!

MULHERES LIVRES



Cartão vermelho para a violência doméstica!



Amor na Copa, na cozinha, na sala, no quintal...



Pão de Açúcar visto do alto da comunidade. Fotos do editor do blog.

12.6.14

3 x COPA DO MUNDO



1- COPA DE 1950 (trechos de A HISTÓRIA DA SELEÇÃO BRASILEIRA EM CORDEL do cordelista CLAUDIO ARAGÃO à venda por R$12,00 na LIVRARIA DA TRAVESSA)

Dois de agosto de 1, 9, 4, 8
teve início, afinal, a construção
do maior estádio de futebol
o templo da magia e da paixão
Em um ano e dez meses, tempo recorde
todo o Rio já tinha uma visão
da oitava maravilha do mundo
o mais belo postal desta nação
Em dezesseis de junho, afinal
surge o Maracanã, fenomenal!

Cariocas e paulistas fizeram
a chamada partida inaugural
e o primeiro gol, quem assinalou
foi Didi, numa bomba genial
Os paulistas viraram, três a um
todos acharam muito natural
Os paulistas, por muito tempo, vinham
ao Maraca e faziam carnaval
A Copa, em cinquenta, já estava
contagem regressiva começava

[...]

Nesse tempo, o Brasil de ponta a ponta
não ficava com o radio desligado
Logo após o massacre da Espanha
o povo não fazia de rogado
e o clima "já ganhou" foi se espalhando
Contam que um delegado entusiasmado
deu bandeiras pros presos e os soltou
depois, no xadrez foi trancafiado
Esse era o clima que predominava
a semente do que nos esperava

[...]

Os jornais não cansavam de insuflar
com manchetes pra quebrar o moral
do Uruguai e levantar o Brasil
Pelas ruas, alarido geral
"Hoje é dia de sermos campeões!
Uruguai vai brincar o Carnaval!
Salve o Brasil, o campeão do mundo!"
De todo o território nacional
vinha gente com o mesmo sentimento
Me bateu estranho pressentimento

Uruguai que merecia respeito
a Celeste de glórias mundiais
Obdulio Varela, Schiaffino
Julio Perez e Gigghia, geniais
Pra mexer com os brios uruguaios
Obdulio adquiria jornais
e botando no chão, todos pisavam
e o grande capitão pedia mais
que deixassem o sangue no gramado
e só Deus pra dizer o resultado

Enfim, o dia dezesseis de julho
Jogadores em estado de tensão
acordaram irritados de manhã
tinham tudo, menos concentração
Empresários, repórteres, políticos
nesse dia, chamavam a atenção
"Parecia que a Copa já acabara!"
 As palavras do grande capitão
Mestre Ziza, de um lado pro outro andava
temendo pelo que se aproximava

Aos catorze e cinquenta e cinco deu-se
o toque inicial dessa partida
Ademir pra Danilo, e esse a Bauer
Duzentas mil pessoas, a torcida
Dum lado, a habilidade do Brasil
do outro, a garra uruguaia conhecida
Zero a zero o primeiro tempo e agora
essa Copa seria decidida
Logo o segundo tempo começou
e uma grande surpresa preparou

[...]


A coruja agourenta da má sorte
trinta e quatro minutos nos sorriu
Julio Perez dá combate a Danilo
rouba a bola e velozmente partiu
troca passes com Miguez, toca a Gigghia
devolvendo pra Perez que sentiu
grande espaço no nosso lado esquerdo
com talento, lançou, ninguém cobriu
o Brasil se calou, ele avançou
entre a trave e Barbosa colocou

O Maracanã em sua primeira "encarnação"

Essa foi a tragédia do Maraca
no Brasil, dizem que não houve igual
morreu gente no Brasil e no Uruguai
ambulâncias na porta do hospital
jogadores chorando, pesadelo
ambiente de um grande funeral
Duzentas mil estátuas presas ao solo
era um quadro dantesco, infernal
Se queimavam jornais, sonhos, bandeiras
cinzas junto a lágrimas brasileiras

o soluço foi tanto que no Olimpo
os deuses acordaram, foram ver
Um menino pegou o pai chorando
junto a um rádio de pilha e quis saber
Ele disse: "Meu filho, vai andando
É que o Brasil acaba de perder
uma Copa em pleno Maracanã!"
Respondeu: "Papai, pare de sofrer
uma Copa, prometo conquistar!"
E sapatos saiu pra engraxar

O Maracanã em sua primeira "encarnação" (detalhe)

2- A TAÇA DO MUNDO É NOSSA de IVO KORYTOWSKI

Não sou nenhum Pelé ou Ronaldinho, mas as Copas do Mundo fizeram parte também de minha vida.

Por exemplo — acredite se quiser — estive na fatídica final da Copa de 1950, aqui no Maracanã. É bem verdade que, oficialmente, eu sequer havia nascido (nem se trata de regressão a vida passada), mas minha mãe já carregava a sementinha no ventre quando foram, ela e meu pai, assistir à partida. A vitória brasileira, tão certa como o fato de que no dia seguinte o sol se levantaria. Mas o sol não se levantou! Quantas vezes ouvi meu pai narrando o silêncio, a desolação de enterro que se abateu sobre aqueles quase 200 mil espectadores: todos saíram do estádio cabisbaixos, depressão coletiva, ninguém ousando puxar conversa com ninguém. Meu pai me contou.

Da Copa de 58 guardo vagas lembranças: todos ao pé do rádio, vibrando, brado de guerra: “aleguá” (sabe-se lá o que isso significava?). E a canção:

A Taça do Mundo é nossa,
Com brasileiro não há quem possa!

Na Copa de 62 o rei se contundiu logo nos primeiros jogos e a estrela foi “Seu Mané”: assim os locutores esportivos se referiam a Mané Garrincha, a Alegria do Povo. Alegria de pobre dura pouco.

Quatro anos depois, só um cético empedernido duvidaria de que traríamos o tri. O dia em que Brasil perdeu de Portugal, ainda na primeira fase, de grupos, viu-me em São Paulo, em visita à vovó. Aliás, o apartamento de minha avó, na Avenida Angélica, dava para o Pacaembu: a gente conseguia ver os jogos. Pois foi da janela do apartamento de vovó que, certa feita, vi (com auxílio do binóculo de corridas de cavalo do vovô) Pelé jogando pelo Santos. Teria sido contra o Vasco?

A Taça do Mundo é nossa,
Com brasileiro não há quem possa!

1970. Ditadura militar. Noventa milhões em ação, pra frente Brasil, salve a seleção! Saldanha quis barrar Pelé da Seleção: acabou barrado do cargo de técnico (ao resistir à pressão de Médici pela convocação de Dario). A seleção ia mal das pernas, só mesmo um otimista empedernido acreditava na possibilidade do tri. Foi a primeira Copa televisionada: a imaginação, que antes transformara a descrição radiofônica em imagens do jogo, agora transformaria o preto-e-branco em vistosas cores. A turma se reunia no Castelinho (bar na Vieira Souto em forma de castelo medieval, já demolido), que instalou uma televisão do lado de fora — acho que foi pioneiro nesse hábito hoje generalizado de instalar televisões em locais públicos. Eu andava solitário, sem namorada, na época. Ganhamos o tri!

A Taça do Mundo é nossa,
Com brasileiro não há quem possa!

Levamos longos 24 anos pra repetir a proeza. E muita água rolou sob a ponte: o Brasil se redemocratizou e a Copa de 94 me vê casado, pai de um encantador menino, bem-sucedido tradutor. Meu grande sonho ainda irrealizado: o sucesso como escritor. Sozinho: filho e esposa passam as férias em Minas. Solidão, eterna sina. Meio de porre. O tri de 1970 vem à lembrança: folheio antigos diários em busca de alguma referência à velha Copa. Encontro umas filosofias de botequim que escrevinhei naquela ocasião, embalado pela euforia geral. Euforia que agora se repetia.

A Taça do Mundo é nossa,
Com brasileiro não há quem possa!

E eis que o pentacampeonato, na Copa de 2002, me vê descasado, escritor enfim. E solitário como nas Copas anteriores! Eterna sina?

Assim terminei esta crônica originalmente escrita em julho de 2002 e que agora retomo. (Da Copa de 2002 lembro ainda que foi disputada do outro lado do mundo, as partidas travadas de madrugada pelo horário daqui, deu pra ver quase nada.)  

Desencalhei, voltei a casar. A Copa de 2006  na Alemanha curti a dois (a Alemanha foi a terra pela qual meus dois avôs, materno e paterno, arriscaram a vida na Grande Guerra para depois serem escorraçados por serem judeus). A Copa de 2010 do outro lado do oceano foi bem animada por aqui, a gente se identificou com os irmãos africanos... Vuvuzela, jabulani...

Em 2014, quando enfim a Copa volta às nossas plagas e temos a chance de nos exibirmos ao mundo e alavancarmos nossa indústria do turismo, nosso velho complexo de vira-lata e uma "Santa Aliança" de black blocs fascistas, ultraesquerda, políticos de passado suspeito, sindicalistas radicais, movimentos sociais de sem isto e sem aquilo afagados pelo desgastado PT e os ranzinzas-chatos-de-galocha-mal-humorados-cricris de sempre tenta gorar tudo, pôr água no nosso chope. Mas quando a bola começar a rolar, a verdadeira natureza lúdica e alegre e descontraída do brasileiro virá à tona, e vai rolar a festa, vai rolar!

Reforma do Maracanã para a Copa de 2014



3- COPA DO MUNDO 50, de CYRO DE MATTOS (texto gentilmente enviado pelo autor para este blog)

Já vão longe aqueles idos. Tento tirar da memória alguns momentos daquele mundo que rolava com a infância na bola. Da fumaça do tempo procuro encontrar o menino que jogava pelada nos campinhos improvisados dos terrenos baldios, espalhados pela cidade pequena, com alguns bairros e poucas ruas calçadas. Às vezes o campinho era improvisado em algum fundo de quintal ou pastagem de uma roça perto do centro da cidade. O jogo era disputado debaixo de chuva ou sol escaldante.

Havia o Campinho do Fole no outro lado do rio. Ali eram jogadas aos domingos, pela manhã, as partidas mais importantes. O time de garotos da rua de cima contra o da rua de baixo. No vaivém do jogo não faltavam empurrões, bate-bocas, xingamentos e algumas brigas intensas. Terminando o jogo, o banho na correnteza de águas límpidas serenava os ânimos. Uma amizade feita de relações naturais logo se refazia com mergulhos e saltos a partir dos barrancos íngremes.

O pai levava-me para ver os jogos dos times amadores da cidade no Campo da Desportiva. No início cercado com folhas de zinco, depois murado, o Campo da Desportiva era uma festa aos domingos. As folhas de zinco que cobriam a arquibancada zuniam forte quando as rajadas de vento penetravam entre suas frestas. Dava arrepios, parecia que algumas folhas de zinco na cobertura da arquibancada podiam se soltar a qualquer momento e causar danos entre os torcedores.

Lá, naquele campo de grama maltratada, o menino viu lances para não esquecer. Os dribles do meia-esquerda Macaquinho faziam os torcedores sorrir, a bola ficava grudada no seu pé, ninguém conseguia tomar dele. Delicado era um maestro, como sabia tocar a bola com sutileza para o companheiro. Carrapeta tinha uma visão de jogo que só o craque possui. Distribuía o jogo com a cabeça erguida, lançava a bola para o atacante fazer o gol, sem maior esforço. Mais adiante, na época da seleção amadora de ouro, conheci o centroavante Zé Reis, um artilheiro que se o marcador desse uma bobeira sabia marcar sua presença. Não era jogador técnico, mas longe de ser cabeça de bagre. Cumpria bem a sua missão de fazer gol. Jogou no Fluminense local, na seleção de Itabuna e no Leônico de Salvador, onde foi artilheiro do campeonato por várias temporadas.


E a pior derrota? Em 1950, Brasil contra Uruguai, final do campeonato mundial, no Rio. O Brasil jogava pelo empate. Um gol fazia balançar o estádio com 200 mil pessoas. Foi de Friaça no início do segundo tempo, lenços acenavam para os valentes atletas uruguaios. “É campeão! É campeão!” Todos os brasileiros cantavam o grito de glória numa só corrente de vasto amor. Veio o gol de empate dos uruguaios, Schiafino o autor da proeza. Um calafrio penetrava ossos e nervos do Maracanã com a lotação máxima. O inexorável iria acontecer aos 34 minutos. O ponteiro Gighia chutava a bola e a grama. Ninguém acreditava no que se estava vendo, a bola entrando entre a trave e o goleiro Barbosa. Lenços já não acenavam. Aquela coisa que só infundia medo, estupidamente sem tamanho, percorria todo o estádio. Dominava o ar de milhões de brasileiro. Ninguém podia reverter o capricho dos deuses. Contava o locutor que, encerrado o jogo, a procissão de mortos saía do Maracanã, o país em chuteiras, que pensava e amava pelos pés naquele dia, em caos desencantava-se.

Na cidade pequena, eu via as ruas desertas, bares fechados, a praça em silêncio. O padre não rezou a missa das oito da noite. Daí para frente o canto amargo da memória iria lamber as chagas daquele menino que ficou frustrado no cais da vida, esquecido de si, preso ao nada.

Ainda tentei reagir àquela frustração sem igual com os amigos de minha rua. Soube na semana que, em cada domingo, o Cine Itabuna iria projetar na tela as partidas do Brasil no Campeonato Mundial de Futebol. Meus olhos ávidos não perderiam um lance em cada partida da nossa seleção. Hipnotizados acompanhariam cada jogada, drible, chute contra a meta adversária. Vibraria com a garotada em cada gol que o Brasil marcasse. Contra a Suécia e a Espanha tinha sido demais.

O plano que armei com os outros meninos para driblar as sombras de um pesadelo que se alojava em meu pequeno coração era simples. Não assistiríamos mesmo, na tela do Cine Itabuna, a derrota do Brasil na final contra o Uruguai. Em algazarra sairíamos pela rua gritando “É campeão! O Brasil é campeão!”, batendo com pau nas latas vazias.

Eu liderava o desfile, ia na frente da turma, segurava o cartaz com o letreiro grande:

BRASIL CAMPEÃO MUNDIAL DE FUTEBOL 1950. 


O novo Maracanã

Valeu a pena? Tudo vale a pena se a alma não é pequena.

Fotos do editor do blog
  

9.6.14

VIAGEM NO BRT TRANSCARIOCA DO AEROPORTO INTERNACIONAL À ESTAÇÃO DE METRÔ VICENTE DE CARVALHO



O BRT sai do aeroporto de meia em meia hora e leva trinta minutos para chegar a Vicente de Carvalho, aqui condensados em 6 minutos e meio. O que é o BRT? É um sistema de ônibus, de que Curitiba foi pioneira há décadas, modernos, articulados, trafegando em faixas exclusivas, onde você embarca já tendo pago a passagem, como num trem ou metrô. São 4 os BRTs planejados para o Rio, um em funcionamento total (TransOeste), outro em fase de implantação (TransCarioca) e dois ainda na fase do "será-que-um-dia-vai-ficar-pronto"? Tomara que fique. 

O sistema de BRTs, aliado ao trem leve sobre trilhos interligando todo o Centro, a expansão do metrô, a substituição dos trens antigos por novos na Supervia e o novo bondinho de Santa dotarão a cidade de um sistema de transportes razoável. Uma mudança da água para o vinho. Salve o prefeito, Eduardo Paes, visionário mentor desse grandioso projeto. (Aos pessimistas de sempre, que são contra tudo e contra todos, e que a esta hora já estão xingando minha progenitora só posso dizer: "Os cães ladram e a caravana passa!" Xô pessimismo! Esconjura!)


2.6.14

BIBLIOTECA PARQUE ESTADUAL


Foi preciso que um estrangeiro (meu professor de francês) me chamasse a atenção para o nível de primeiro mundo da Biblioteca Parque para eu me decidir a ir lá. Um espaço de exercício cultural democrático (“pode entrar com celular, se estiver no silencioso; pode conversar, se não falar alto; pode entrar com suas coisas, se deixar no guarda-volumes; pode vestir-se como quiser, se não estiver sem camisa ou com roupa de banho”) e labiríntico onde você pode brincar de se perder em meio a uma profusão de ambientes aconchegantes e culturalmente amigáveis, com livros, jornais, revistas, computadores, o escambau, tudo meio que espalhado, feito pra você pegar e manusear. Um lugar desses, digamos, em Paris seria um orgulho para a cidade, todo mundo ia visitar, mas aqui nos tristes trópicos com nosso complexo de vira-lata... Só posso dizer uma coisa: Vá lá!!! Fica na Presidente Vargas, 1.261 - Praça da República (mais informações aqui). E não me venha com essa conversa de que lá é perigoso, que tem pivete, tem cracudo. Se você não cometer a insensatez de ostentar em plena rua cordão de ouro ou smartphone de mil e quinhentos reais não vai acontecer nada...