ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

5.2.24

A ALMA CANTANTE DE STELLA LEONARDOS, de CYRO DE MATTOS

 

Ascendino Leite, Jorge Amado, Nertan Macedo, Salim Atalla, Stella Leonardos, Edna Savaget em noite de autógrafos em 31 de outubro de 1960 no Clube Monte Líbano. Foto da revista O Cruzeiro.

Autora muito premiada, com destaque para nove láureas concedidas pela Academia Brasileira de Letras, Stella Leonardos (Rio de Janeiro, 1 de agosto de 1923 - Rio de Janeiro, 11 de junho de 2019) publicou mais de uma centena de livros, entre romances, poemas, literatura infantil e dramaturgia. Formada em Letras Neolatinas, tradutora do inglês, francês, italiano, espanhol, catalão e provençal, sua estreia aconteceu com Passos na areia, em 1941. Os críticos costumam situar a vasta obra poética de Stella Leonardos na terceira geração do Modernismo, relacionando nessa condição os livros Geolírica (1966), Cantabile (1967), Amanhecência (1974) e Romanceiro da Abolição (1986).

Nome dos mais festejados pela crítica, Stella Leonardos entregou por muito tempo sua vocação poética ao projeto de recriação de um Brasil bem brasileiro. Da sua alma cancioneira e romanceira salta um Brasil de sentimentos românticos, epicidades, ideais, relatos e saberes populares. Brasil iluminado de estados líricos, formado por elementos míticos, que irrompe do lugar onde nasce a história feita de passagens marcantes, ações, tantas razões e casos.

O épico apresenta, o lírico lembra, o dramático articula mundos interiores    dos seres humanos conflitantes na criação da vida. No palco da duração crítica e contínua dos acontecimentos expande-se a poesia de Stella Leonardos. Conota essa maneira íntima do lírico, calcada em permanente mergulho na memória, feita de emotividade, cena histórica e pesquisa. Gentis seus versos, em Memorial da Casa da Torre (2010) recordam vivências nas arcadas, aludem a finíssimos lavores nos salões e aposentos. Abrem-se nos portões com senhores de terras na época de conquista e domínio. Tocam no berço territorial da Pátria, no músculo dos negros, no primitivismo resistente dos indígenas. Restauram o homem através de intenções, ímpetos, sonhos e idealismo. Retiram-no do passado para ser lembrado no desassombro dos sertões vencidos, entoados na música rústica das boiadas.

Poesia é emoção condensada em linguagem mítica, rica, tensa e ambígua. Reflexão em suas formas geométricas calcadas na imagem, sob o pretexto da escrita para revelar uma ideia. Em Stella Leonardos mostra um discurso significante pontuado pelo som, no ritmo que ela imprime em sua maneira particular de sustentar a ideologia. Sua palavra cantante escorre musicalmente com interferência de vozes, tornadas dinâmicas, apropriadas nas lembranças e cenas descritas.

O registro que é feito do fato bom ou triste é mais endereçado aos ouvidos do que aos olhos. Sua dicção musical enceta versos que dialogam com a história, ecoam procedentes de alguém que permaneceu no tempo.  Em seus cancioneiros e romanceiros tão brasileiros, Stella Leonardos canta e conta. Revive o Brasil com maestria de poeta que encanta, consciente de que no rememorar tudo é ilusão, sonhar é sabê-lo, como falou Fernando Pessoa.

Assinalada a terra por armas e brasões de uma gente remota, que aqui chegou por mares nunca dantes navegados, o governo português teve que enfrentar situações desfavoráveis para fazer a colonização. Um desses obstáculos consistia na imensidão da terra descoberta, com a sua mata de sono milenar, jamais incomodada. Foi necessário dividir a terra rica em capitanias, glebas de muitas léguas, e doá-las àqueles que tivessem condições de fixar o homem no solo.

Por quase três séculos, a Casa da Torre distendeu suas cordas e acordes de inúmeros serviços prestados ao Brasil, começando pelas guerras aos piratas, aos holandeses e da Independência. Dali partiram os primeiros desbravadores do Norte brasiliense, as intrépidas bandeiras, as principais entradas dos sertanistas do Nordeste.

Em Memorial da Casa da Torre, um dos episódios mais significativos da história do Brasil Colônia, oriundo da influência da prole mameluca de Garcia D’Ávila, que levou domínio e ambição às regiões desconhecidas, Stella Leonardos, com idade avançada, demonstra que ainda domina bem o verso e faz uma poesia cativante, bebendo na tradição da poesia de todos os tempos. Usa o arcaísmo e o neologismo para narrar os acontecimentos da pátria nascendo a passo de marcha. Na decorrência de versos que se alteiam com vozes em coro, de viva gesta, acende sinais luminosos da labareda que haveria de contribuir como ideal de heroísmo, cultura e civilização.

É da tradição da poesia ibérica vazar o amor e a saudade como figurantes que convergem para o lirismo e o épico. O registro de vultos e fatos heroicos são recorrências manejadas por rapsodos com inspiração no populário e saberes anônimos. No caso de Stella Leonardos, o relato poético se municia de pesquisa e de saberes locais do populário. Atenta, a poeta não se descuida de rimar memória e fatos que melhor repercutam ao fazer modelar do nosso cancioneiro e romanceiro. Seus livros aí estão espalhados para que sejam lidos como resultado da aproximação mágica de uma alma sensitiva à nossa memória, arrebatada de sentimentos românticos, valendo-se do histórico por quem ama a beleza e o valor exercido pela estima da Pátria.

No poema “In Memoriam”, introdutório ao assunto deste Memorial da Casa da Torre, Stella Leonardos abre seu verso terno para o que vai contar e cantar, com leveza deixa ser conduzida pela inspiração que lhe é particular:

 

No barro desses tijolos

Por mãos índias acalcado

Quanta voz índia não dorme?

Na alvenaria da pedra

Por mãos afras carregada

Quanta voz negra não pesa?

Na torre desse Castelo

Por brancos rostos vigiada

Quanta saudade não se ergue?

 

A autora desses versos torna suficiente a imagem que interpela e, ao mesmo tempo, contempla a passagem do tempo guardada na memória. Apoiada na sensação do que se refaz triste, sob um ritmo que atrai, nos embala e envolve até o final da cantiga. Como estratégia usual de seus cancioneiros e romanceiros, ela sabe tirar efeito na linguagem quando emprega o neologismo através dos vocábulos que inventa: saudadeado, largoandante, longivozes, multivária, plurilínguas, existenciar, surpresada, passilargo, fugileve, impulsada, noviterra, ensonho, sonoite, novihorizontes, azulando.

A Casa da Torre é a primeira grande fortificação portuguesa do Brasil. As pegadas dos valentes que a povoaram com desassombro inigualável dos tempos de Garcia Dávila renascem neste memorial poético de Stella Leonardos. Da cidadela em ruína, muralhas cobertas de musgo, gestos que resvalam por entre sombras, das fendas e rastros do poder extinto, reencontramo-nos na poesia de versos generosos. Das paisagens com passagens cheias de histórias marchamos, somos levados com o mesmo brilho das gerações que fundaram nossa nacionalidade.

O épico em forma de cancioneiro acontece com o Romanceiro do Bequimão (1979) na lírica de Stella Leonardos. Considerada pelos historiógrafos como nativista, embora haja divergência, a Revolta de Beckman aconteceu no Estado do Maranhão, em 1684. Foi um movimento que contestou o estanco, monopólio exacerbado da Companhia do Comércio do Maranhão, que atuava como uma das instituições fundamentais da ordem colonial, tanto quanto o escravismo e o latifúndio. Os que acham que não se tratou de um movimento nativista argumentam que houve apenas uma contestação de natureza econômica ao poder colonial, motivada pelo descontentamento contra o desmando da Companhia de Comércio do Maranhão.

Movimento nativista dentre os primeiros em território brasileiro, embora desencadeado por razões econômicas, foi impulsionado no seu inconformismo pelas discordâncias veementes dos comerciantes locais, que se sentiam espoliados pelo monopólio da Companhia, e os proprietários rurais que entendiam serem insuficientes os preços oferecidos pelos seus produtos. Além disso os apresadores de indígenas estavam inconformados com a aplicação das leis que proibiam a escravidão dos nativos. Nessa conjuntura de inconformismo, a população protestava contra a irregularidade do abastecimento dos gêneros e os elevados preços dos produtos.

Esses fatos, somados aos privilégios concedidos aos jesuítas, conduziriam à eclosão da revolta. Teve como líder Manoel Beckman, senhor de engenho, que contou na sua façanha de rebelado destemido com o auxílio do irmão Thomas, encarregado de escrever os cordéis e distribuir entre as gentes indignadas. 

Ante essa forma de opressão imposta pelo monopólio da Companhia, surge a figura do revolucionário Manoel Beckman, o Bequimão, português radicado no Brasil. Seu desempenho de rebelado contra a forma tirânica de atuar pela Coroa Portuguesa e que culminou na morte pela forca faz com que alguns estudiosos o considerem mártir da Independência do Brasil muito antes de Tiradentes.

A revolta foi debelada com a chegada de tropas a São Luís sob o comando do tenente-general Gomes Freire de Andrade. Foi expedida ordem de prisão contra Manuel Beckman, que fugira, oferecendo-se por sua captura o cargo de Capitão das Ordenanças. Para obtê-lo, Lázaro de Melo, afilhado e protegido do líder revolucionário, traiu o padrinho e o entregou preso às autoridades portuguesas.  Apontados como líderes da revolta, Manuel Beckman e Jorge Sampaio de Carvalho receberam sentença de morte pela forca. Os demais envolvidos foram condenados à prisão perpétua.

Esse o quadro histórico que motivou a poeta Stella Leonardos escrever o Romanceiro do Bequimão, não fazendo como de costume, no seu discurso lírico e épico, poesia da história, “mas contando sonhos sem conta”, inventando com uma lírica que encanta e uma épica que tudo apresenta esse tempo de cobiça e intriga. Com mergulhos da alma dentro do que aconteceu e diálogos oportunos com pessoas e fatos, através de linguagem cadenciada na rima herdada de suas raízes ibéricas, faz com que rudes brasis convirjam e brilhem nos intertextos que esplendem no ritmo de baladas e acalantos, permeados com elementos africanos, indígenas e populares.

 

Lá dos antigos sobrados

De azulejos feito a mão

Uma saudade em pedaços

Me conta do Maranhão

(página 15).

 

Sabe-se que a Lira é vista como a poesia do eu, da confissão ou da emoção. A palavra revela-se associada à música, à melodia que escorre de seu ritmo. Na poesia épica, o poeta apresenta os fatos singulares de um povo, narra os feitos de um herói através de acontecimentos extraordinários. A poesia lírica nas raízes mostra-se associada aos cancioneiros, reunião de canções, transmitida por via oral com seus temas populares. O romanceiro é atividade poética luso-espanhola, de natureza épica e lírica, anônima, foi transmitida por via oral durante a Idade Média, configurada nos romances, compilada em volume integral ou antológico.

Tanto no cancioneiro como no romanceiro, o que se nota na poética de Stella Leonardos é uma paixão de escrever com uma vontade preocupada com a conscientização de nossas raízes, com vistas a um alcance de nossa possível e complexa identidade cultural.  A natureza multiforme cultural e rigor disciplinar com bases no método que lhe é peculiar, fincado nas raízes ibéricas, encontram-se juntos em Stella Leonardos formando uma apetência consciente incomum, soltando uma voz inconfundível como forma de atitude existencial, que faz a autora possuidora de planos poéticos envolventes para a sustentação de sua prodigiosa inventividade literária.  E assim, com uma postura até certo ponto nativista, com assuntos colhidos na história e nas tradições populares, ativados na memória do coração, Stella Leonardos vem escrevendo uma monumental obra cancioneira e romanceira. Um extenso mapeamento lírico que se distribui por um conjunto de volumes tendo como marca a atenção máxima de nossa rica e multiforme formação cultural, a se alimentar de um portentoso filão brasílico.

Poeta que inventa e reinventa assuntos entranhados em nossa história, forma seu discurso literário enorme constituído muitas vezes de aproveitamento de outros discursos, os quais passam a ser reconstituídos por um eu poético criativo, no qual usa a linguagem arcaica, que nele se renova com graça e beleza. Retoma os elementos ancestrais trazidos de outras fontes para o texto presente, que se apresenta assim enriquecido por uma sensibilidade apurada, com manejo profícuo dos recursos da língua, achados no nascedouro longínquo.

Romanceiro do Bequimão é a confirmação das considerações de que Stella Leonardos tem uma obra épica e lírica das mais expressivas na poesia brasileira. Dos meios torpes e obscuros, das baladas e acalantos, ela sabe tecer com fina sensibilidade as vozes seresteiras das duas filhas do Bequimão, fazendo-as ressurgir do fundo da memória com alegria e tristeza, tecer o pasmo neste homem, que não se submete aos lacaios da Companhia.

 

Em oratória ignorante?

Mas por instinto, tribuno,

 

Das janelas do senado

Convertidas em tribuna

 

Falava ao povo constante

E o povo aplaudia, uno

 

Manuel do verbo alumbrado.

Bequimão único e íntegro

(pág. 94)

 

Do que está escrito e do que não está escrito, do que não se conta, mas que se acredita, de um povo tolerante, desse cavaleiro que Deus deu voz alta, repelido de uns, esquivados de outros, depois de sentenciado, sabe-se nesse romanceiro quando se deu o momento em que foi sentida a grandeza eterna no exemplo raro. Solidário e justo quando os corpos penderam.

 

Tocando de novo a terra,

Foi tão-só que a luz se fez,

E fez sentir algo novo.

(pág. 151)

 

LEONARDOS, Stella. Memorial da Casa da Torre, Gráfica Santa Marta, João Pessoa, Paraíba, 2010.

---------------------------- Romanceiro do Bequimão, Edições SIOGE, São Luís, 1979.

 

*Cyro de Mattos é autor de mais de 65 livros pessoais, de diversos gêneros. Premiado no Brasil, Portugal, Itália, México e Cuba. Editado e publicado em Portugal, Itália, França, Espanha, Alemanha, Cuba e Dinamarca. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia. 

18.10.23

MOSAICOS CERÂMICOS: ARTE NA PORTARIA DOS EDIFÍCIOS – Obras de José Moraes e Paulo Werneck, grandes artistas, são documentos de uma época.

Texto de Rogério Marques para o Quarentena News, aqui reproduzido com autorização do autor.


Na correria diária dos grandes centros, muita gente não percebe os mosaicos cerâmicos, uma técnica milenar, que estão em vários pontos do Rio. São trabalhos deixados, como um presente à cidade, por dois grandes artistas cariocas, José Moraes (1921-2003) e Paulo Werneck (1907-1987).

José Moraes foi pintor, escultor, muralista, gravador, ilustrador, professor da FAAP (Fundação Armando Álvares Penteado), de São Paulo, e do Departamento de Artes Plásticas da Universidade Federal de Uberlândia.

Paulo Werneck, além de artista versátil, foi ativista político, com preocupações sociais, ligado ao Partido Comunista Brasileiro (PCB). É considerado um dos maiores nomes do mosaico moderno brasileiro no século XX. Deixou centenas de painéis em várias cidades brasileiras, inclusive na capela de São Francisco de Assis, na Pampulha, Belo Horizonte, projetada por Oscar Niemeyer.

No Rio, os trabalhos de Moraes e principalmente os de Werneck estão em várias portarias de edifícios residenciais e comerciais. Muitas vezes, quem entra e sai dos prédios, ou passa pelas calçadas em frente, não sabe quem foram os autores daquelas obras, e até mesmo não reparam nelas. Geralmente, esses painéis, atualmente tombados, são assinados apenas com as iniciais dos artistas – JM e PW. Bem que poderiam ter, ao lado, uma pequena placa com informações sobre os autores.

No Edifício Azul e Branco, na Rua Almirante Tamandaré, 50, no Flamengo, José Moraes deixou no saguão dois belos murais que retratam brincadeiras das crianças de antigamente. O prédio foi construído no final da década de 50, muito antes da popularização de computadores e smartphones.

Quanta beleza, quanta arte naqueles trabalhos, de visível influência modernista. Em um dos painéis, meninas brincam de roda. No outro, de cabra-cega, as crianças parecem voar.


Painéis de José Moraes em portaria de edifício no Flamengo: brincadeiras de antigamente (Fotos Rogério Marques)


Em Copacabana e no Leme, Paulo Werneck tem trabalhos da época em que aqueles bairros estavam sendo verticalizados. No Leme, são de sua autoria dois grandes painéis retratando indígenas, no hall imponente do Edifício Maracati, na Rua General Ribeiro da Costa.

Mosaico de Paulo Werneck na entrada do Edifício Maracati, no Leme (Foto: Vicente de Mello/Divulgação)


No Centro da cidade, o hall dos elevadores do Instituto de Resseguros do Brasil, na Rua Marechal Câmara, é outro exemplo da arte de Paulo Werneck.

 Hall dos elevadores no Instituto de Resseguros do Brasil, no Centro. Painel de Paulo Werneck (Foto: Vicente de Mello/Divulgação)


Em Laranjeiras, bairro em que morou e teve um ateliê, Werneck deixou um painel em mosaico na fachada do Edifício Paulo Dalio, na Rua Leite Leal, 14, esquina com Rua das Laranjeiras. Somente há pouco tempo uma amiga que mora no prédio ficou sabendo a história e a importância daquele mural. Com muitos moradores acontece o mesmo.

Painel de Paulo Werneck em edifício na Rua Leite Leal, Laranjeiras. O artista morou no bairro. (Foto Rogério Marques)


Os painéis cerâmicos na decoração de edifícios foram uma tendência entre os anos 40 e 60. Tempos mais tranquilos, em que as crianças podiam brincar nas ruas, perto de casa. Hoje, as meninas de José Moraes no Edifício Azul e Branco, na Rua Almirante Tamandaré, ainda brincam de roda e de cabra-cega, mas atrás de grades (que evitei nas fotos) e outros esquemas de segurança.

Os tempos mudaram, mas a arte de José Moraes e Paulo Werneck felizmente sobreviveu.

4.8.23

ESSE RIO QUE EU AMO; HEI DE SEMPRE AMAR, de CLAUDIO ARAGÃO

A previsão do tempo dava chuvas espaças no decorrer do dia. Frio. Devia me agasalhar, pegar minha sombrinha pra ir ao Centro do Rio de Janeiro. Ando com minha imunidade baixa. Problemas de autoestima... sei lá ...

 

Central do Brasil

Saí nesta segunda de casa, na minha Vila São José, às 8,20 da manhã, Peguei na estação Gramacho o trem das 8:45 rumo a Central do Brasil, deixando pra trás um Gramacho tão querido meu. De minha infância no circo Império onde um cantor em início de carreira fazia apresentações, depois entrava em seu fusquinha e se mandava. O nome dele era Roberto Carlos. Ali, aprendi em 1972 a Datilografia, pra entrar com tudo no acirrado mercado de trabalho. A-S-D-F-G...

 
Jairzinho

O trem passou pelo pequeno bairro de COPACABANA, onde Jairzinho, furacão, artilheiro, recordista, tricampeão  da copa de 70 nasceu e ninguém diz. Parou na recém criada estação Corte Oito. Dali pro Centenário é um pulo. No campo do Tricolor, careca, joguei grandes peladas. O clássico do lugar era Tricolor versus União. Também ali brinquei no Bloco do China só por causa de tanta menina bonita.

 

as meninas eram lindas

“O. lelé, o lá lá/ se segura, fica devagar/ abram alas pro bloco do China passar...” Eu era tímido pra cacete mas as meninas eram lindas...

 
um punho cerrado e altivo no meio da comunidade 

Estação Duque de Caxias. Centro. Da janela olho um imenso chapéu de Cardeal  ocupando a nossa praça de tanto romantismo. Último projeto do gênio Oscar Niemeyer. Ali, os velhos ficavam em seus carteados. Pipoqueiros, árvores, dois cinemas Santa Rosa e um grande de nome PAZ, onde aprendi meus primeiros golpes de Kung Fu com o astro Wang Yu. Hoje é uma C & A sem graça. Muita gente entrou e o próximo destino é Vigário Geral. Tão sofredora. Percebo por um punho cerrado e altivo no meio da comunidade como a pedir justiça que nunca veio. Lembro dos “cavalos corredores” e pra esquecer, melhor ir pra Parada de Lucas, onde reina o Galo dourado da Leopoldina, Unidos de Lucas, que tem o único samba enredo que me faz chorar, Sublime Pergaminho:

 

Uma voz na varanda do paço ecoou

 Meu Deus, meu Deus, está extinta a escravidão.

 

Como não quero chorar a próxima estação é Cordovil, cuja capital é Cidade Alta. Controlada pelo Complexo de Israel e dele eu não falo. Mas sim que o bairro tem um dia, 2 de Outubro, e que na Cidade Alta, o imarcável ponta esquerda do Flamengo, Julio Cesar Uri Gueller ensaiou seus primeiros dribles.

 

Brás de Pina

Olhando pro alto, sinto o trem se encaminhar pra Brás de Pina, que já foi bairro de elite. Era chique morar em Brás de Pina. Aliás, o dito Sr. Brás de Pina tinha uma ligação com o balneário mais badalado do Brasil, Armação de Búzios. Pois que na Praia dos Ossos as baleias eram esquartejadas, deixados seus ossos ali (daí o nome) e o aproveitável seguia para o Sr. Brás de Pina que fazia o fabrico. Óleo de Baleia, por exemplo. Pra esquecer essa prática, prefiro lembrar que neste ex. suntuoso bairro, a lendária e genial Dolores Duran aprendeu sus primeiras notas ao piano. Antes das portas se fecharem pra próxima estação, vejo as comunidades do Pica Pau e das Cinco bocas.

 

Estação Penha

Estação Penha. Ali meu coração fraqueja. Menino de cinco anos, descido de um caminhão “pau-de-arara” em 1964, fui morar na rua 4, Morro do Parque Proletário da Penha. Aprendi juntar letrinhas na Escola Monsenhor Rocha com a Professora Cecília. Me divertir no Parque Shangai e a ter Fé subindo os 365 degraus da escadaria  até chegar aos pés de Nossa Senhora. No campo de terra do Ordem e Progresso, auri-verde invencível, joguei minhas primeiras peladas. Até vir pra Duque de Caxias em 1969. Marejando os olhos, sei que a próxima estação é Olaria. Se percebe pela quantidade de prédios azul e branco e o nome Álvaro da Costa Mello. Dono de Olaria e do Olaria Atlético Clube, de Romário, Cané, Gonçalves, Airton, Roberto Pinto, Afonsinho, Altivo, Alfinete, Miguel. O “Alçapão da Rua Bariri” fazia qualquer valente tremer. Também a Invernada, comandada pelo Homem de ouro Humberto de Mattos. Do alto do morro meu ficava da janela vendo ela cruzar a fronteira com a Penha, poeira subindo, indo atrás de malandros desocupados no jogo da ronda, o grande crime da época. Depois voltava cheia... quase arrastando no chão.

 
Imperatriz Leopoldinense

No vagão onde estou passa por mim somente velhas guardas. O homem rouco que vende sabonete da raspa do Joá, que serve pra tudo. Passa Escobar e sua pomada Canela de velho e o eterno “cuem, cuem” com as legítimas bananadas de Campos dos Goitacazes. Compro três por dois reais e quando olho, chegamos a Ramos. Tá na cara. É só olhar a imensa tamarineira no Cacique, onde uma revolução no samba se fez, num Fundo de Quintal.  Ao lado, na Professor Lacê, a Imperatriz  Leopoldinense  que um dia foi pequena mas que Zé Katimba e Rosinha Magalhães a tornaram gigante. Ademais, e o Piscinão de Dicró é onde? E por falar em grandeza, a FIOCRUZ é onde? Viva a Ciência!  Acho que o Capitão Ramos, que deu nome ao bairro, deve estar orgulhoso onde quer que esteja.

 
Teleférico

Se o tema é orgulho, a próxima estação é Bonsucesso, sobrenome de uma das proprietárias primeiras no bairro. Aqui o Diamante Negro Leônidas da Silva, nosso primeiro Pelé, deu seus primeiros passos justamente no Bonsucesso Futebol Clube, que tem a camisa igual a do Barcelona. Bonsucesso de tantos problemas com poluição. Mas de comércio pulsante. Da Praça das Nações. E do Teleférico subindo pra Comunidade do Adeus. Sinto meu coração acelerar e já sei que a próxima estação é Triagem. Meu primeiro emprego de carteira assinada em 1974 foi ali, na Prefeito Olimpio de Mello, fábrica de cintos, malas e artefatos de metais COFABAM. Tinha apenas 15 anos. Da estação seguia a pé até a fábrica, bairro Benfica. Passava pelo quartel de soldados carrancudos prendendo em trens soldados relapsos, depois a saudosa CCPL, cooperativa de leite e a rua dos Lustres. Lembranças tantas e tantos planejamentos... em 1974... O trem sai lentamente pra me doer mais ainda. Ouço gritos de gols e sei que se trata da estação Maracanã. Lembranças dos  trens cheios, barulhentos, bandeiras desfraldadas, Geral e copos de xixis arremessados em cima de nós, pobres, que não tinha grana pra ir de arquibancadas. Hoje o Maracanã é “arena”. Acabaram com a geral e mandaram pobres pros botequins. Quase ninguém entra na Estação Maracanã e rumamos pro Imperial Bairro de São Cristóvão. Da Quinta da Boa Vista. Do Jardim Zoológico, onde minha família tinha como programação principal ver os animais e depois estender uma toalha no gramado com os alimentos. Lembrança boa de se ter... inda mais quando sei que uma parte de mim está em São Cristóvão. A “Feira dos Paraíbas”.

 

“Feira dos Paraíbas”

O maquinista agradece, deseja bom trabalho e avisa que a próxima estação, Central do Brasil, o desembarque é obrigatório. Ponto final e eu olhando aquele imenso e histórico Relógio lá no alto que não dá as horas. Local de tantas manifestações, protestos, discursos, numa desses um certo presidente foi pro saco e a longa noite desceu.

 

Santo Guerreiro

Atravessei a roleta, parei na Lanchonete DOURADO, Seu Brás, 30 anos de casa, já sabe meu gosto. Média de café com leite e pão na chapa. Conversamos e ele nunca deixou de reclamar. Me despeço e cruzo a Presidente Vargas. Entro no abandonado Campo de Santana. Não olho pra direita, residência do mal agradecido, escroto Marechal que deu o golpe no Imperador que o promoveu. Saio pela esquerda. Dou de cara com São Jorge em seu cavalo. Entro, me ajoelho, rezo, peço ao Santo Guerreiro que me proteja dos olhares maldosos, dos dragões do dia a dia. Acendo uma vela, compro três canetas e uma fita vermelha que boto no pulso. Sigo e passo pela Alfandega, Buenos Aires, no prédio do TCE mudo de calçada, retomo e viro na Rua da Constituição. Dali, Praça Tiradentes. Mitológica. da Gafieira Estudantina da inesquecível Maria Antonieta. Teatro Carlos Gomes, João Caetano. Agora entro na Rua da Carioca famosa. Todas as lojas fechadas compradas por um banco oportunista (Sim! Sei que é um pleonasmo!!!) menos o outrora suntuoso, aristocrático CINE-THEATRO ÍRIS, que se viu obrigado a mudar para o ramo erótico e sobreviver. Paro a olhar toda aquela arquitetura e três porteiros me olham e dão um folheto com a programação daquela noite. Agradeço. Cruzo a Rio Branco, o Buraco do Lume, a Primeiro de março, estou na Praça XV a olhar o magistral Chafariz do Mestre Valentim. Depois passo sob o Arco do Telles, travessa do Comércio, Rua do Ouvidor. Ali, o Toca do Baiacu está repleta de gente almoçando. A barriga está nas costas. Ao lado da Toca está uma deslumbrante e sagrada Igreja; Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores, de 1753, depois de três anos restaurada e linda demais. Ela tem uma bala explosível de canhão alojada em sua torre desde muito tempo que um navio revoltoso disparou contra ela.  Mesmo ao lado do sino trepidando constantemente, até hoje não explodiu; Milagre.

 

Bala que atingiu a torre da Igreja de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores. Na verdade, não está mais alojada na torre, e sim exposta na sacristia.

Entro, me ajoelho, olho, peço, registro. Em Jejum, minha oração tem mais chance de chegar ao céu. 

Ao lado da Igreja está um dos últimos bastiões na luta da verdadeira identidade carioca; a Livraria FOLHA SECA, de Rodrigo Ferrari (Digão) e seu fiel escudeiro, Miguelzinho. Nos abraçamos, botamos o papo em dia e levei um Aldir Blanc; o delicioso “ UMA CAIXINHA DE SURPRESAS” .

 

o essencial CCBB

Agora, o essencial CCBB. Ver a programação com música, teatro, exposições. Fui lá especificamente pra uma sobre HEITOR DOS PRAZERES. Me identifiquei e subi pro segundo andar.

 

“Mangueira teu cenário é uma beleza

Que a natureza criou”

 

foi grande nas Artes Plásticas

Esse magistral artista Multi foi Compositor, Ator, Cantor, participou da fundação das primeiras escolas de samba do Brasil e foi grande nas Artes Plásticas com uma pintura que abordava comunidades com um viés alegre, cheio de cores. Certa vez a jovem Rainha Elizabeth esteve numa exposição e ao ver seus quadros perguntou a alguém : “Quem é esse artista extraordinário?!”

 

Pois é. Nas paredes, seus quadros, matérias em jornais daqui e do estrangeiro. Roupas de desfiles, instrumentos, vídeos.

 

esse Rio que eu amo; hei de sempre amar.

Ufa! Banho de Brasil, banho de Rio de Janeiro. Imunidade lá nos píncaros. Deixei então o CCBB, todo janotas. Segui a pé pra Central do Brasil. Em lá chegando pedi ao Seu Brás dois “Joelhos” Presunto e queijo. Um suco de acerola. Seu Brás sorriu; sorrimos. Depois na roleta da gratuidade peguei o trem ramal Gramacho horário 16:45. E da janela vendo de novo esse Rio que eu amo; hei de sempre amar. 

O AUTOR

Claudio Aragão foi retirante da seca do Ceará, cursou faculdade de Letras no Rio de Janeiro, gerenciou restaurantes famosos como o lendário bistrô francês Le Bec Fin, frequentado pelo pai do editor deste blog, e tem várias obras publicadas, destacando-se a série sobre futebol em forma de literatura de cordel.

8.4.23

CENTRAL DO BRASIL: ESTRADA DE FERRO, DE GENTE E DE MÚSICAS, de ROGÉRIO MARQUES

Texto publicado originalmente no Quarentena News, uma página de jornalistas no Facebook.

Central do Brasil. (Foto: Rogério Marques)

Quantas histórias de trabalhadores e quantas músicas estão gravadas naquele caminho de ferro que começa no grande relógio de quatro faces, o Relógio da Central. Tirei essa foto da janela de um ônibus, a caminho de Niterói, e lá fui eu pensando nessas histórias.

Na minha infância e adolescência morei no Rocha, subúrbio carioca, e usei muito os trens da Central, atualmente SuperVia. Antes da popularização das máquinas de lavar, lembro das lavadeiras que vinham de longe, até de municípios da Baixada Fluminense, com suas trouxas grandes e pesadas. Desciam na estação Central do Brasil, aquelas guerreiras, às vezes acompanhadas de filhos pequenos, que não tinham com quem deixar, e pegavam os ônibus para a Zona Sul, onde moravam seus clientes.

Havia também os baleiros, os vendedores de mariolas, de amendoim, os pingentes que volta e meia despencavam. Na hora do rush, os batedores de carteiras e os famosos bolinas, hoje chamados de assediadores, aproveitavam-se da superlotação dos vagões para agir.

Muito antes das fake news, lendas urbanas corriam os subúrbios na velocidade dos trens. Como a do sujeito que urinou do alto de uma passarela sobre a linha férrea e morreu eletrocutado, quando "acertou" a rede aérea de alta voltagem.

MARCHINHAS DE PROTESTO


Em carnavais passados, a vida dura dos passageiros era retratada em marchinhas de protesto de grande sucesso. Como na música "O trem atrasou" (Paquito, Estanislau Silva, Artur Vilarinho), sucesso no Carnaval de 1941 na voz de Roberto Paiva, mais tarde gravada por outros artistas, entre eles Nara Leão. Naquela época, quando o trem atrasava, a Central do Brasil dava um memorando aos passageiros, para eles apresentarem aos patrões. Velhos tempos!

"Patrão, o trem atrasou
Por isso estou chegando agora
Trago aqui um memorando da Central
O trem atrasou meia hora
O senhor não tem razão
Pra me mandar embora."


"Mundo de zinco", de Wilson Batista e Antônio Nássara, retrata uma época em que as favelas e seus barracos, de madeira com teto de zinco, eram muito mais pobres do que atualmente. Na Rua Visconde de Niterói, de frente para a linha férrea, os trens sempre fizeram parte da Estação Primeira. Gravada por Jorge Goulart, “Mundo de zinco” foi uma das músicas mais cantadas nos carnavais do começo dos anos 1950.

"Aquele mundo de zinco que é Mangueira
Desperta com o apito do trem
Uma cabrocha, uma esteira
Um barracão de madeira
Qualquer malandro em mangueira tem."


Também de Wilson Batista, em parceria com Roberto Martins, a história do pedreiro Valdemar é a mesma de tantos trabalhadores que madrugam diariamente. A "Circular", citada na marchinha, é o bairro Penha Circular, perto da Avenida Brasil. A gravação original foi de Blecaute, cantor de muitos sucessos e pouco lembrado.

"Você conhece o pedreiro Valdemar?
Não conhece, mas eu vou lhe apresentar
De madrugada toma o trem na Circular
Faz tanta casa e não tem casa pra morar."


Outro grande sucesso de carnavais passados é a marchinha "Zé Marmita", de Luís Antônio e Brasinha, gravada por Marlene. A canção retrata o cotidiano de milhões de trabalhadores, como os camelôs que vemos nas ruas diariamente, almoçando junto às suas bancas, sem interromper o trabalho.

"Quatro horas da manhã
Sai de casa o Zé Marmita
Pendurado na porta do trem
Zé Marmita vai e vem."

ZAQUIA JORGE E O TREM DE LUXO

A atriz Zaquia Jorge, a Vedete do Subúrbio, em 1953 no Teatro Madureira (Foto: Arquivo Nacional)


Atualmente poucos lembram ou mesmo sabem quem foi Zaquia Jorge, atriz e empresária do ramo teatral, conhecida como "A vedete do subúrbio". Zaquia atuou no teatro de revista, também conhecido como teatro de rebolado, um gênero popular que misturava vedetes, humor, sátiras, sensualidade.

As revistas eram alvo de críticas dos conservadores. Para eles, aquele tipo de teatro não era arte. Além de preconceitos, as vedetes às vezes enfrentavam problemas com a censura. Ainda assim, o teatro de revista revelou talentos como Wilza Carla, as irmãs Carmen e Aurora Miranda, Dercy Gonçalves, Luz del Fuego, Virgínia Lane, Sônia Mamede, Elvira Pagã e tantas outras. Feministas desde sempre.

Luz del Fuego, adepta da prática do nudismo, criou o primeiro clube de naturismo do Brasil, em uma pequena ilha da Baía de Guanabara, a Ilha do Sol. Seu sonho de uma sociedade mais livre, sem ver pecado na nudez, acabou em 1967, quando foi assassinada na ilha por dois assaltantes, juntamente com seu caseiro.

Teatro Zaquia Jorge, antigo Teatro de Madureira (Foto: Divulgação)


Em abril de 1952, Zaquia Jorge criou o Teatro Madureira, primeiro e talvez único teatro de revista do subúrbio carioca, na Rua Carolina Machado, em frente à estação ferroviária. A peça de estreia foi "Trem de luxo", de Walter Pinto e Freire Júnior, que fez muito sucesso.

Cinco anos depois, em 1957, também num mês de abril, a carreira da atriz foi interrompida por uma tragédia. Aos 33 anos de idade, Zaquia morreu afogada quando tomava banho de mar com amigas na Barra da Tijuca. A notícia causou comoção na cidade e deu origem à música "Madureira chorou", de Carvalhinho e Júlio Monteiro, gravada por Joel de Almeida no Carnaval de 1958:



"Madureira chorou
Madureira chorou de dor
Quando a voz do destino
Obedecendo ao Divino
A sua estrela chamou."

Em homenagem à atriz, o teatro que ela criou passou a ter o nome de Zaquia Jorge, mas fechou poucos anos depois.

ESTRELA DE MADUREIRA


No Carnaval de 1975, o Império Serrano, escola de Madureira, homenageou a artista e ficou em terceiro lugar no desfile do Grupo 1. O samba-enredo escolhido pela escola foi "Zaquia Jorge, a vedete do subúrbio, estrela de Madureira", de autoria de Avarese, pseudônimo de Abimael Nascimento Álvares. O samba, interpretado por Roberto Ribeiro, começava com esse estribilho, que logo caiu no agrado do povo:

"Baleiro, bala
Grita o menino assim
Da Central a Madureira
É pregão até o fim".

Curiosamente, o samba-enredo que ficou em segundo lugar, de autoria de Roberto Ribeiro, Alcyr Pimentel e Cardoso, fez muito mais sucesso. Mais tarde, foi gravado por Roberto Ribeiro, que encurtou o título para "Estrela de Madureira". Passou, então, a ser tocado nas rádios e acabou tornando-se um clássico do samba.

"Brilhando, um imenso cenário
Num turbilhão de luz, de luz
Surge a imagem daquela
Que meu samba traduz
A estrela vai brilhando
Mil paetês salpicando
O chão de poesia
A vedete principal
Do subúrbio da Central
Foi a pioneira.
E um trem de luxo parte
Para exaltar a sua arte
Que encantou Madureira
Mesmo com o palco apagado
A apoteose é o infinito
Continua a estrela brilhando no céu.”

À noite, voltando de Niterói, a caminho de casa, passo novamente pela estrada de ferro de tantas histórias. Vou no ônibus pensando na Estrela de Madureira e em tantas outras atrizes que, em defesa de sua arte, da liberdade, dos direitos das mulheres, enfrentaram todo tipo de preconceitos e jamais desistiram.

Estação de Madureira em foto antiga, sem data (Foto: site Madureira: Ontem & Hoje)