Por exemplo — acredite se quiser — estive na fatídica final da Copa de 1950, aqui no Maracanã. É bem verdade que, oficialmente, eu sequer havia nascido (nem se trata de regressão a vida passada), mas minha mãe já carregava a sementinha no ventre quando foram, ela e meu pai, assistir à partida. A vitória brasileira, tão certa como o fato de que no dia seguinte o sol se levantaria. Mas o sol não se levantou! Quantas vezes ouvi meu pai narrando o silêncio, a desolação de enterro que se abateu sobre aqueles quase 200 mil espectadores: todos saíram do estádio cabisbaixos, depressão coletiva, ninguém ousando puxar conversa com ninguém. Meu pai me contou.
Da Copa de 58 guardo vagas lembranças: todos ao pé do rádio, vibrando, brado de guerra, “aleguá” (se vocês consultarem o termo no Aulete Digital vão ver que a abonação foi retirada do meu livro Marcos, o Iluminado). E a canção:
A Taça do Mundo é nossa,
Com brasileiro não há quem possa!
Na Copa de 62 o rei se contundiu logo nos primeiros jogos e a estrela foi “Seu Mané”: assim os locutores esportivos se referiam a Mané Garrincha, a Alegria do Povo. Alegria de pobre dura pouco.
Quatro anos depois (1966), só um cético empedernido duvidaria de que traríamos o tri. O dia em que Brasil perdeu de Portugal, ainda na primeira fase, de grupos, viu-me em São Paulo, em visita à vovó. Aliás, o apartamento de minha avó, na Avenida Angélica, dava para o Pacaembu: a gente conseguia ver os jogos. Pois foi da janela do apartamento de vovó que, certa feita, vi (com auxílio do binóculo de corridas de cavalo do vovô) Pelé jogando pelo Santos. Teria sido contra o Vasco?
A Taça do Mundo é nossa,
Com brasileiro não há quem possa!
1970. Ditadura militar. Noventa milhões em ação, pra frente Brasil, salve a seleção! Saldanha quis barrar Pelé da Seleção: acabou barrado do cargo de técnico (ao resistir à pressão de Médici pela convocação de Dario). A seleção ia mal das pernas, só mesmo um otimista empedernido acreditava na possibilidade do tri. Foi a primeira Copa televisionada: a imaginação, que antes transformara a descrição radiofônica em imagens do jogo, agora transformaria o preto-e-branco em vistosas cores. A turma se reunia no Castelinho (bar na Vieira Souto em forma de castelo medieval, já demolido), que instalou uma televisão do lado de fora — acho que foi pioneiro nesse hábito hoje generalizado de instalar televisões em locais públicos. Ganhamos o tri!
A Taça do Mundo é nossa,
Com brasileiro não há quem possa!
Levamos longos 24 anos pra repetir a proeza. E muita água rolou sob a ponte: o Brasil se redemocratizou e a Copa de 94 me viu casado, pai de um encantador menino, bem-sucedido tradutor. Meu grande sonho ainda irrealizado: o sucesso como escritor. Sozinho: filho e esposa passavam as férias em Minas. Meio de porre. O tri de 1970 veio à lembrança: folheei antigos diários em busca de alguma referência à velha Copa. Encontrei umas filosofias de botequim que escrevinhei naquela ocasião, embalado pela euforia geral. Euforia que agora se repetia.
A Taça do Mundo é nossa,
Com brasileiro não há quem possa!
E eis que o pentacampeonato, na Copa de 2002, me viu descasado, escritor enfim. Da Copa de 2002 lembro ainda que foi disputada do outro lado do mundo, as partidas travadas de madrugada pelo horário daqui, deu pra ver quase nada.
Desencalhei, voltei a casar. A Copa de 2006 na Alemanha curti a dois (a Alemanha foi a terra pela qual meus dois avôs, materno e paterno, arriscaram a vida na Grande Guerra para depois serem escorraçados por serem judeus). A Copa de 2010 do outro lado do oceano foi bem animada por aqui, a gente se identificou com os irmãos africanos... Vuvuzela, jabulani...
Em 2014, quando enfim a Copa voltou às nossas plagas e tivemos a chance de nos exibirmos ao mundo e alavancarmos nossa indústria do turismo, nosso velho complexo de vira-lata e uma “Santa Aliança” de black blocs fascistas, ultraesquerda, políticos de passado suspeito, sindicalistas radicais, movimentos sociais de sem-isto-e-sem-aquilo afagados pelo desgastado PT e os ranzinzas-chatos-de-galocha-mal-humorados-cricris de sempre... essa “Santa Aliança”, dizia eu, tentou gorar tudo, pôr água no nosso chope, com a campanha do “NÃO VAI TER COPA” (só no Brasil uma campanha ridícula dessas, coisa de esquerda subdesenvolvida!). Mas quando a bola começou a rolar, a verdadeira natureza lúdica e alegre e descontraída do brasileiro veio à tona, e vibramos, vibramos... até o fatídico 7 a 1! Esconjura!
A Copa do Mundo de 2018 até agora vem sendo a Copa dos azarões, das surpresas! A nossa seleção tem tudo para acrescentar a sexta estrelinha à camisa da gloriosa seleção! Haja coração! E que possamos mais uma vez entoar:
A Taça do Mundo é nossa,
Com brasileiro não há quem possa!
Se é que alguém ainda se lembra desta velha musiquinha! Aleguá!
PS. Não foi desta vez... Contra a Bélgica, desperdiçamos o primeiro tempo e quando fomos pra cima com nossa raça e superioridade, já não dava mais tempo. Deixamos pra última hora e nos ferramos. Os europeus investem, os europeus colhem. A semifinal virou um torneio europeu. Mas outras Copas virão... Ainda hei de registrar neste blog a nossa sexta estrelinha. Quem viver verá!
PS. Não foi desta vez... Contra a Bélgica, desperdiçamos o primeiro tempo e quando fomos pra cima com nossa raça e superioridade, já não dava mais tempo. Deixamos pra última hora e nos ferramos. Os europeus investem, os europeus colhem. A semifinal virou um torneio europeu. Mas outras Copas virão... Ainda hei de registrar neste blog a nossa sexta estrelinha. Quem viver verá!
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