Disputado por dois times, o futebol tem
como objetivo fazer entrar a bola no gol defendido pelo adversário.
Como arte nascida do pé na bola descreve linhas e curvas incríveis
no decorrer da partida. Nos dois tempos com intervalo, ora faz parte
do jogo a ginga e o toque sutil, ora o passe preciso e o tiro
certeiro. As cenas que causam espanto aos que estão no estádio
resultam do empenho e suor gasto no esforço de cada lance. A bola
rola macia no tapete verde ou salta na grama maltratada do campo de
várzea. Uma das proezas do futebol consiste em impulsionar o coração
para as zonas em que uma gente apaixonada transpira pulsações
alegres e dramáticas.
Provoca uma febre que lateja
em sua brasa verdejante e se expande por toda a extensão dos meses
no ano. Como gosta de criar apreensões, ritmos frenéticos quando se
trata de uma Copa do Mundo, até mesmo se for uma disputa de
dimensão nacional, estadual ou municipal. Tremores, clamores,
rancores. Vaias da galera formada de todas as gradações sociais.
Surpreende quando irrompe das gargantas no
grito de gol, pura curtição da felicidade. Tamanha é uma flor
nesse grito ferindo e atordoando que ela se torna mais bela quanto
mais sonora. O grito de gol irrompido com tanta força tremula nas
bandeiras com o escudo do clube ou a cara do ídolo. Ele é carregado
até as nuvens com gritos e ovações. De repente, lá do alto,
derrama uma água que molha de amor o mundo fero e solitário aqui
embaixo. Esse mesmo mundo que nós os humanos teimamos em forjar
com lances de tristeza, rasteiras e carrinhos impiedosos, todos os
dias, no duro embate dos dias. Assim levado pelas nuvens, lá vai o
futebol em seu percurso de paixão do qual faz descer uma chuva que
alaga de emoção a vida, cheia de explicações duvidosas, mas feita
também de poesia, inexplicável, tão dela.
Nos textos de alguns de nossos craques
das letras, aqui vestindo as cores de um timaço das letras, vemos
como o futebol seduz com suas artimanhas, feitiços e sustos
esplêndidos. O quanto é amoroso e imprevisível. Cria situações
inusitadas, tornando as coisas relativas, escreve Luís Fernando
Veríssimo. Maltrata com a mesma mão que afaga. Renuncia às
necessidades materiais do cotidiano. Fica radiante de beleza no lado
onde se alojou a vitória, faça sol ou chuva. No lado dos pesares,
a turma deixa o estádio inconformada, não querendo acreditar no
que viu e sentiu. Nessa romaria de frustrações lá vai o futebol em
silêncio, mastigando as amarguras da derrota.
Nesse jogo que tantas vezes imita a vida,
cheia de calor e pressentimentos, é que o futebol imprime em todos
nós suas marcas de encantamento, entre o alegre e o triste. Assim
o vemos agora, de crônica em crônica. Com Armando Nogueira, por
exemplo, um pouco da história de nosso futebol sai dos bastidores
para que se conheça o heroísmo de Vavá, o Leão da Copa de 58,
nos gramados da Suécia. Em Carlos Drummond de Andrade, de repente o
ódio faz-se alegria, o futebol afugenta mazelas, não quer saber da
morte. O coração do poeta está feliz no México e com o dele o de
milhões de brasileiros, que sente do lado de cá como é bom chover
papéis picados pelas ruas e explodir fogos de artifício loucos no
céu quando se ganha uma copa do mundo. Melhor ainda se o feito é
creditado a uma seleção inigualável de craques, comandados por
Pelé, o “sempre rei republicano”.
O futebol chega a ter sabor de obra-prima
quando é descrito por Fernando Sabino em Iniciada
a Peleja. Se impõe nesse
momento de reunião importante dos executivos para tratar de assunto
sério. Fala mais alto em cada lance vibrante, chegando ao ouvido
do torcedor atento e nervoso, através de um pequeno rádio de pilha.
Já Carlos Heitor Cony mostra como o futebol é muito perigoso. Tem
dessas coisas que ultrapassam o óbvio ululante de qualquer criatura
sensata quando se trata de salvar a pele. Abala uma nação inteira
que quer ver o diabo em sua frente do que o bandeirinha brasileiro
que marcou um impedimento dos mais graves e tirou o título de
campeão sul-americano dos nossos “hermanos”, em território
argentino, favorecendo os arquirrivais uruguaios, no último minuto.
Na trama que prende do princípio ao fim,
aqui está, nestas referências de alguns cronistas bons de bola,
nossa maior paixão popular. Esses craques das letras brasileiras
mostram, em breves passagens, como o futebol é tão íntimo da
vida. Se possui seus imprevistos sob os instantes do sol ou da chuva,
depende do carinho para sobreviver naquele espaço verde que
encanta. Com frequência está a dizer que vencer torna a vida
leve. Quando se perde, meu Deus, como machuca.
De qualquer maneira, com sorte ou azar, seu
refrão diz que vale como paixão e diversão.
Cyro
de Mattos é
contista, poeta, cronista, ensaísta, romancista, organizador de
antologia, autor de livros para crianças e jovens. Membro efetivo
da Academia de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa pela
Universidade Estadual de Santa Cruz. Premiado no Brasil, Portugal,
Itália e México. Tem livro publicado em Portugal, Itália, França,
Alemanha, Espanha e Dinamarca
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