D. Pedro II jovem, em foto de Harald Schultz |
Existem escritores que florescem na juventude (alguns para
viverem vidas breves, como os poetas românticos brasileiros), enquanto outros
despontam na maturidade – caso do lusitano Saramago e do genial memorialista
brasileiro Pedro Nava que publicou o primeiro volume de suas memórias aos 69
anos. E existem escritores que a gente gosta de ler na juventude, geralmente os
românticos, que abordam os sentimentos elevados – Victor Hugo é um bom exemplo,
aos 16, 17 anos cheguei a ler seu alentado Os
Miseráveis em coisa de uma semana: vagabundo, passava o dia na praia lendo – enquanto
outros escritores mais calcados na dura realidade requerem uma certa
“maturidade” do leitor. É o caso de Balzac, que só agora, na casa dos sessenta
anos, aprendi a realmente apreciar. Porque Balzac é um escritor por demais realista, e os jovens preferem sonhar.
Mais realista do que os demais escritores
ditos realistas, Tolstói, Dickens, o Machado da segunda fase. Não porque ele
explore as realidades cruas do sexo, como fazem os autores naturalistas, e sim
porque mostra a mesquinhez do espírito humano e a força do dinheiro. E se
existem duas coisas que movem o mundo, são elas sexo & dinheiro. Não à toa
Engels afirmou ter aprendido mais com Balzac sobre os pormenores econômicos do
que com todos os historiadores, economistas e estatísticos.
Tudo isto é narrado na biografia de Balzac escrita por Paulo Rónai que abre a edição por ele organizada da Comédia Humana, até hoje um marco da tradução literária no Brasil. Outra informação interessante fornecida por Rónai é a existência de um artigo de Balzac sobre o imperador brasileiro D. Pedro II, publicado na revista Caricature de 23 de junho de 1831 sob o pseudônimo de Henry B. Em 7 de abril daquele mesmo ano, D. Pedro I abdicara a favor de seu filho e no dia 13 embarcara para a Europa. Esse artigo, descoberto e traduzido para o vernáculo por Victor Wittkowski, foi publicado no jornal Correio da Manhã de 9 de julho de 1944, depois no suplemento Letras e Artes de A Manhã, em 14/3/1948, para então cair no esquecimento. Estamos resgatando-o. As fotos do imperador foram obtidas na Hemeroteca Digital.
D. Pedro II, D. Teresa Cristina e comitiva nas pirâmides do Egito, foto de J. Pascal Sébah de 1871 |
Há uma doença grave mais contagiosa do que a gripe e a
cólera-morbus e que se alastra caprichosamente: é a cólera popular que impele
as nações a derrubarem os reis, não porque os não queiram – como se há de viver
sem eles? – mas apenas pelo gosto de os mudar, de ver caras novas, de saber ao
certo quanto pesa uma majestade.
Um dia é o povo francês, original em tudo; depois o belga, o
polaco e outros, aqui e acolá. Hoje, é o brasileiro. O povo do Brasil preza,
venera o seu soberano que o lavou com o sabão da independência; não lhe quer,
pois, nenhum mal. Mas o rei reinou; logo, passe-se a outro.
Como o primeiro homem duma nação passa por ser coisa rara,
preciosa, o brasileiro escolheu acaso, para o reger, uma longa experiência, ou
cãs veneráveis? Não. O brasileiro gosta de rir; em consequência, toma para
imperador um cidadão de cinco anos: D. Pedro II d’Alcântara
(João-Carlos-Leopoldo-Salvador-Bibiano-Francisco Xavier de
Paula-Leocádio-Miguel-Gabriel-Rafael-Gonzaga.
O nome é um tanto extenso, em verdade. Nos dias dos “vivas”,
tornar-se-á estafante. Grita-se menos; e pronto! Se o novo monarca não teve
tempo de fazer bem ao seu povo, pelo menos ainda não mandou enforcar ninguém. É
já um antecedente mui gracioso da sua parte.
D. Pedro II em trajes gaúchos, foto de Luiz Terragno de 1865 |
Compreende-se facilmente que, até agora, a carreira política desse jovem soberano seja muito limitada; dos feitos do seu reino temos conhecimento de um só. Ei-lo:
No dia em que a nação proclamou o seu capricho, o preceptor
do jovem príncipe apressou-se a procurar o discípulo, para lhe anunciar a sua
nova profissão. Encontrou-o num palacete, distante algumas milhas do Rio de
Janeiro, no momento em que se dignara tomar ovos quentes e leite no seio da
risonha natureza brasileira onde todo galho de árvore embala um macaco à guisa
de pardal. Arrebatando o príncipe aos encantos da merenda e dos sajus [espécie de pequenos macacos], o preceptor comunicou-lhe que, desde duas horas, tudo
nele era majestade da cabeça aos pés, e levou-o ao paço.
No caminho, o pedagogo julgou-se autorizado a recitar ao soberano
máximas de moral e congratulações. Ia abrir a boca, quando um grosso pingo
d'água o advertiu de que chovia. Em lugar de eloquência, o nosso magister tratou então de procurar um
abrigo.
Dom Pedro II, mais lesto, chegou em breve a
uma choça, a cuja porta bateu energicamente, como convém a um monarca sem
guarda-chuva. Assomou então à janelinha uma velha brasileira de tez acobreada,
sulcada de rugas – verdadeira cara de mau tempo – que perguntou quem lhe
acordava assim o gato!
– Oh! Abra duma vez, bruxa! – respondeu cortesmente o
fedelho. – Eu sou João-Carlos-Leopoldo-Salvador-Bibiano-Francisco Xavier de
Paula-Leocádio-Miguel-Gabriel-Rafael-Gonzaga-Dom Ped...
– Misericórdia, Nossa Senhora! – atalhou a velha. – Então vá
pedir pousada a outra parte. Na minha cozinha não há lugar para tanta gente.
4 comentários:
Ambos são extraordinários, Ivo, cada um num estilo totalmente diverso, aliás a riqueza da literatura francesa é inacreditável. Victor Hugo visitou Balzac - que morreu com apenas 51 anos, de uma doença lamentável - em seu leito de morte, o que ele narra num texto impressionante que está no seu livro Choses vues. Pessoalmente, conheço poucos romances, em toda a literatura mundial, tão perfeitos e tão representativos do que seja um romance como Le Père Goriot, mas toda a sua imensa obra é admirável. (enviado por e-mail)
Fiquei encantado com os textos do Ivo, sobre D. Pedro II e suas considerações sobre os escritores românticos (preferido pelos jovens) e os realistas (preferência da nossa idade).
São Paulo roubou o nosso grande Ivo Korytowski. (enviado por e-mail)
Belo texto, bela reflexão. Saudades do seu amigo da Era Victorughiana. (enviado por e-mail)
Parabéns por revelar está Preciosidade.
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