ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

19.7.19

RARIDADE: TEXTO DE BALZAC SOBRE D. PEDRO II


D. Pedro II jovem, em foto de Harald Schultz

Existem escritores que florescem na juventude (alguns para viverem vidas breves, como os poetas românticos brasileiros), enquanto outros despontam na maturidade – caso do lusitano Saramago e do genial memorialista brasileiro Pedro Nava que publicou o primeiro volume de suas memórias aos 69 anos. E existem escritores que a gente gosta de ler na juventude, geralmente os românticos, que abordam os sentimentos elevados – Victor Hugo é um bom exemplo, aos 16, 17 anos cheguei a ler seu alentado Os Miseráveis em coisa de uma semana: vagabundo, passava o dia na praia lendo – enquanto outros escritores mais calcados na dura realidade requerem uma certa “maturidade” do leitor. É o caso de Balzac, que só agora, na casa dos sessenta anos, aprendi a realmente apreciar. Porque Balzac é um escritor por demais realista, e os jovens preferem sonhar. 

Mais realista do que os demais escritores ditos realistas, Tolstói, Dickens, o Machado da segunda fase. Não porque ele explore as realidades cruas do sexo, como fazem os autores naturalistas, e sim porque mostra a mesquinhez do espírito humano e a força do dinheiro. E se existem duas coisas que movem o mundo, são elas sexo & dinheiro. Não à toa Engels afirmou ter aprendido mais com Balzac sobre os pormenores econômicos do que com todos os historiadores, economistas e estatísticos.

Um fato sobre Balzac que muita gente ignora é que, conquanto imerso na Europa do século XIX, tinha uma ideia da existência do nosso Brasil. A palavra Brasil (pesquisei no meu ebook) é citada 22 vezes em sua Comédia Humana. É o país de origem do barão Montès de Montejanos em A prima Bete (J’aime le Brésil, c’est un pays chaud.), e foi lá que Maximiliano de Longueville enriqueceu, como lemos em O baile de Sceaux. Num momento de crise, Balzac chegou a cogitar em emigrar para cá, tanto é que escreveu para sua amada a condessa Hanska: “Creio que deixarei a França e irei levar meus ossos ao Brasil, num empreendimento louco e que escolhi justamente por causa da sua loucura.” 

Tudo isto é narrado na biografia de Balzac escrita por Paulo Rónai que abre a edição por ele organizada da Comédia Humana, até hoje um marco da tradução literária no Brasil. Outra informação interessante fornecida por Rónai é a existência de um artigo de Balzac sobre o imperador brasileiro D. Pedro II, publicado na revista Caricature de 23 de junho de 1831 sob o pseudônimo de Henry B. Em 7 de abril daquele mesmo ano, D. Pedro I abdicara a favor de seu filho e no dia 13 embarcara para a Europa. Esse artigo, descoberto e traduzido para o vernáculo por Victor Wittkowski, foi publicado no jornal Correio da Manhã de 9 de julho de 1944, depois no suplemento Letras e Artes de A Manhã, em 14/3/1948, para então cair no esquecimento. Estamos resgatando-o. As fotos do imperador foram obtidas na Hemeroteca Digital.

D. Pedro II, D. Teresa Cristina e comitiva nas pirâmides do Egito, foto de J. Pascal Sébah de 1871

DOM PEDRO II, por HONORÉ DE BALZAC

Há uma doença grave mais contagiosa do que a gripe e a cólera-morbus e que se alastra caprichosamente: é a cólera popular que impele as nações a derrubarem os reis, não porque os não queiram – como se há de viver sem eles? – mas apenas pelo gosto de os mudar, de ver caras novas, de saber ao certo quanto pesa uma majestade.

Um dia é o povo francês, original em tudo; depois o belga, o polaco e outros, aqui e acolá. Hoje, é o brasileiro. O povo do Brasil preza, venera o seu soberano que o lavou com o sabão da independência; não lhe quer, pois, nenhum mal. Mas o rei reinou; logo, passe-se a outro.

Como o primeiro homem duma nação passa por ser coisa rara, preciosa, o brasileiro escolheu acaso, para o reger, uma longa experiência, ou cãs veneráveis? Não. O brasileiro gosta de rir; em consequência, toma para imperador um cidadão de cinco anos: D. Pedro II d’Alcântara (João-Carlos-Leopoldo-Salvador-Bibiano-Francisco Xavier de Paula-Leocádio-Miguel-Gabriel-Rafael-Gonzaga.

O nome é um tanto extenso, em verdade. Nos dias dos “vivas”, tornar-se-á estafante. Grita-se menos; e pronto! Se o novo monarca não teve tempo de fazer bem ao seu povo, pelo menos ainda não mandou enforcar ninguém. É já um antecedente mui gracioso da sua parte.

D. Pedro II em trajes gaúchos, foto de Luiz Terragno de 1865

Compreende-se facilmente que, até agora, a carreira política desse jovem soberano seja muito limitada; dos feitos do seu reino temos conhecimento de um só. Ei-lo:

No dia em que a nação proclamou o seu capricho, o preceptor do jovem príncipe apressou-se a procurar o discípulo, para lhe anunciar a sua nova profissão. Encontrou-o num palacete, distante algumas milhas do Rio de Janeiro, no momento em que se dignara tomar ovos quentes e leite no seio da risonha natureza brasileira onde todo galho de árvore embala um macaco à guisa de pardal. Arrebatando o príncipe aos encantos da merenda e dos sajus [espécie de pequenos macacos], o preceptor comunicou-lhe que, desde duas horas, tudo nele era majestade da cabeça aos pés, e levou-o ao paço.

No caminho, o pedagogo julgou-se autorizado a recitar ao soberano máximas de moral e congratulações. Ia abrir a boca, quando um grosso pingo d'água o advertiu de que chovia. Em lugar de eloquência, o nosso magister tratou então de procurar um abrigo.

Dom Pedro II, mais lesto, chegou em breve a uma choça, a cuja porta bateu energicamente, como convém a um monarca sem guarda-chuva. Assomou então à janelinha uma velha brasileira de tez acobreada, sulcada de rugas – verdadeira cara de mau tempo – que perguntou quem lhe acordava assim o gato!

– Oh! Abra duma vez, bruxa! – respondeu cortesmente o fedelho. – Eu sou João-Carlos-Leopoldo-Salvador-Bibiano-Francisco Xavier de Paula-Leocádio-Miguel-Gabriel-Rafael-Gonzaga-Dom Ped...

– Misericórdia, Nossa Senhora! – atalhou a velha. – Então vá pedir pousada a outra parte. Na minha cozinha não há lugar para tanta gente.

E fechou a janela.


D. Pedro II em 1883. Foto de Joaquim Insley Pacheco


4 comentários:

Alexei Bueno disse...

Ambos são extraordinários, Ivo, cada um num estilo totalmente diverso, aliás a riqueza da literatura francesa é inacreditável. Victor Hugo visitou Balzac - que morreu com apenas 51 anos, de uma doença lamentável - em seu leito de morte, o que ele narra num texto impressionante que está no seu livro Choses vues. Pessoalmente, conheço poucos romances, em toda a literatura mundial, tão perfeitos e tão representativos do que seja um romance como Le Père Goriot, mas toda a sua imensa obra é admirável. (enviado por e-mail)

Nireu Cavalcanti disse...

Fiquei encantado com os textos do Ivo, sobre D. Pedro II e suas considerações sobre os escritores românticos (preferido pelos jovens) e os realistas (preferência da nossa idade).

São Paulo roubou o nosso grande Ivo Korytowski. (enviado por e-mail)

Silvio Tendler disse...

Belo texto, bela reflexão. Saudades do seu amigo da Era Victorughiana. (enviado por e-mail)

Unknown disse...

Parabéns por revelar está Preciosidade.