ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

9.8.19

UMA SALA SEM LIVROS É COMO UMA CASA SEM JANELAS

ESTA POSTAGEM HOMENAGEIA LIVROS E BIBLIOTECAS. FOTOS TIRADAS NO REAL GABINETE PORTUGUÊS DE LEITURA (RIO DE JANEIRO), SEBO DO MESSIAS, CASA-MUSEU EMA KLABIN E FACULDADE DE DIREITO DO LARGO DE SÃO FRANCISCO (SÃO PAULO)


Se a escola é um templo, a biblioteca é seu santuário. Numa sala de aula, ensina-se, aprende-se, discute-se; numa biblioteca, você está em calma. Você lê, sozinho; você escuta, sozinho. E de repente você descobre que não está sozinho, que está na presença dos mestres e dos discípulos dos séculos passados...

Elie Wiesel, Sinais do Êxodo


A house without books is like a room without windows. No man has a right to bring up his children without surrounding them with books, if he has the means to buy them. It is a wrong to his family. He cheats them! Children learn to read by being in the presence of books. The love of knowledge comes with reading and grows upon it.

Tradução: Uma casa sem livros é como uma sala sem janelas. Nenhum homem tem o direito de educar seus filhos sem cercá-los de livros, caso tenha os recursos para comprá-los. É  uma injustiça com sua família. Ele a engana! Crianças aprendem a ler na presença de livros. O amor ao conhecimento advém  da leitura e cresce com base nela.  (A frase inicial é um aforismo talmúdico, que por sua vez evoca a frase atribuída ao romano Cícero: "Uma sala sem livros é como um corpo sem alma".)

Horace Mann, Life and Works of Horace Mann Volume 3 (às vezes erroneamente atribuído ao alemão Heinrich Mann)


Bücher sind Schokolade für die Seele. Sie machen nicht dick. Man muss nach dem Lesen nicht die Zähne putzen. Sie sind leise. Man kann sie überall mitnehmen, und das ohne Reisepass. Bücher haben aber auch einen Nachteil: Selbst das dickste Buch hat eine letzte Seite, und man braucht wieder ein neues.

Tradução: Livros são chocolate para a alma. Não engordam.  Depois de ler você não precisa escovar os dentes. São silenciosos. Podemos levá-los a toda parte, e sem passaporte. Os livros têm, porém, um defeito: mesmo o livro mais grosso tem uma última página, e é preciso obter um novo.

Antonie Schneider, Lea und König Wuff (às vezes erroneamente atribuído a outros autores)


Com dois, três ou quatro sentidos em alerta, agrada-me mais, ver a bibliofilia – a autêntica, a do colecionador sensível e inteligente que compra os livros para serem lidos, estudados e consultados – como foi definida por José Mindlin: uma loucura mansa. Ressaltando que loucura aqui se aproxima muito mais do sentido erasmiano do termo – a loucura como oposta à mediocridade dos excessos de sensatez – do que do desequilíbrio que leva o cidadão ao hospício. Se todos somos loucos, como ironizava Erasmo, a exceção seria o sujeito incapaz de despropósitos, ou seja, a súmula da mediocridade. Por provocar a loucura é que, paradoxalmente, o contato dos livros é salutar. E a loucura mansa costuma levar ao que o mundo mais precisa: tolerância, simplicidade de espírito, respeito pelo semelhante.

Ubiratan Machado, "Descaminhos do Colecionador"

Escritor Helio Brasil em sua biblioteca

O livro é esse amigo que acompanha os seres humanos há séculos, possibilitando o crescimento interior. [...] Um de seus milagres consiste em tornar leve todo o peso terrestre feito de solidões, angústias e perdas. Sua amizade não trilha os caminhos do interesse, transpira sinceridade. Com ele aprendemos que só talento não basta para quem quiser se tornar um filosofo, cientista ou poeta, faz-se necessário o hábito da leitura. Esse amigo está pronto para dizer que, vivendo na sua companhia, a vida fica mais fácil. Matamos até a morte.

Cyro de Mattos, "Uma Amizade Antiga " (para ler a íntegra desta crônica, clique aqui)


O MELHOR AMIGO DO HOMEM, de IVO KORYTOWSKI

Qual o melhor amigo do homem?

Antes de tentar responder à pergunta, uma digressão: amiga virtual contou que, passando certo feriadão em Búzios, terminou livro da Lya Luft antes do planejado e, querendo comprar outro livro da autora pra preencher os dias que ainda ficaria lá (chovia, imagino), teve a surpresa de descobrir que Búzios não possui livraria. Tem bistrô, tem borracharia, tem loja de artesanato... mas nenhuma livraria (contou a amiga).

Voltando à pergunta inicial. Quanto ao maior inimigo do homem, ninguém pode negar: é o próprio homem. Homo lupus homini. Já o maior amigo é objeto de controvérsia. Dizem que o cachorro é o maior amigo do homem. Mas o cachorro exige quase tanta atenção quanto uma criança, faz cocô onde não deve, precisa ser levado pra passear e quando no cio... sai de baixo! Alguns, boca aberta e língua pendente, exalam um hálito pestilento que só o dono não sente...

“O bom livro é o melhor amigo”, lia-se nos marcadores de página de antigamente (hoje os marcadores trazem alguma propaganda). Ao contrário do cachorro, é o livro que nos leva pra passear, transpondo as fronteiras do espaço — do centro da Terra (Viagem ao centro da Terra) aos astros distantes (Viagem ao céu) — e do tempo (o livro é a máquina do tempo).

As pessoas costumam julgar as outras pelas posses: ano do carro, cartões de crédito recheando a carteira (a alegria dos assaltantes), grife da roupa, da bolsa, da caneta — as pessoas realmente reparam nesses detalhes. Já eu, julgo as pessoas pela biblioteca. Neste ponto, discordo em número, gênero e grau do poema do Pessoa que dizia que “livros são papéis pintados com tinta”.

Quando vou da primeira vez à casa de alguém, o que logo observo: se existem livros. Não me impressiona uma casa repleta de engenhocas — televisores de porrilhões de polegadas, aparelho de som com potência pra infernizar a vida de todo o quarteirão — se lá não habitam os escritores. Pra mim, casa sem livros, está faltando algo essencial — como se faltasse o reboco das paredes, o piso no banheiro. Confesso que daria muito mais valor a um humilde favelado em cujo barraco encontrasse estante com um ou outro livro de Machado, Lima Barreto, Paulo Coelho, do que a um ricaço em cuja mansão sobejassem pratarias e baixelas e móveis da época mas.. não se visse nenhum sinal de livro.

Dizem que o sexo é a melhor coisa da vida: sei lá, passar a noite devorando (o termo é este) um livro não fica muito atrás...

Última observação: assalta-se de tudo — da joalheria ao botequim. Até quem está rezando na igreja pode ter a bolsa furtada. Mas dos livros emana aura de sacralidade: alguém já ouviu falar de assalto a livraria?

Fui contar esta história pro gerente de vendas da minha Editora e ele foi logo derrubando o mito: “Nossa livraria lá da Tijuca já foi arrombada mais de uma vez. Donde você acha que vêm esses livros vendidos nas ruas?”


Texto extraído do meu ebook A arte da escrita: Trinta dicas para você aprender a escrever como os grandes mestres. A Dica 26 é: "Aprenda com os mestres: leia regularmente (e, se possível, convença-se de que o livro é o melhor amigo do homem)." Procure na Amazon. E não deixe de assistir aos meus vídeos no YouTube sobre literatura, como por exemplo este sobre Machado de Assis. Mas tem muitos outros (ver aqui). Inscreva-se no meu canal.




Agora uma declaração de amor de Alexei Bueno à sua vasta biblioteca, extraída de seu livro As Desaparições (G. Ermakoff, 2009):

ODE AMATÓRIA

Meus livros amados,
Como trepadeiras
Sobem, apinhados,
Paredes inteiras.

Alargam seus flancos
Por cômodos, quinas,
E erguem-se em barrancos
Fabricando esquinas.

Lombadas, brochuras
Me olham das estantes,
Marroquins, nervuras,
Discretos, berrantes,

E neles me espiam
Gregos e sumérios,
Almas que extasiam,
Monstros deletérios.

Quinze mil amantes,
Bem embaixo, em cima,
Livro, o agora e o antes,
Palavra sem rima.

Que vida haveria,
Reles, pouca, porca,
Sem tal companhia,
Taça que se emborca.

Fólios, incunábulos,
Línguas e cidades,
Semblantes, vocábulos,
Desastres, vaidades,

Bulas, manuscritos,
Toda a espécie humana
Em grilhões escritos
Numa caravana

Que cruza o deserto
Nosso, soledade,
O longínquo, o perto,
O agora, a saudade,

De mãos dadas, nisto,
Filho, pai e avô,
Juntos Jesus Cristo
E o Doutor Petiot.

Sarabanda estática,
Vertical loucura,
Viagens, numismática,
Budismo, pintura,

E os autores todos,
Vivíssimos, mortos,
Ancestrais rapsodos,
Místicos absortos,

E entre os que pisaram
Nas poentas paragens
Os que em almas aram,
Tipos, personagens,

Todos, todos juntos,
E os florões, e espelhos,
Colofões defuntos,
Frontispícios velhos...

Que teria eu sido
Sem tal ebriedade,
Meu portão fendido
Para a eternidade,

Para o imenso, a viagem
Da alegria humana,
Sem mais dor, voragem
Que nos unge e irmana?



E encerramos a postagem com este magnífico SONETO DA BIBLIOTECA, do poeta baiano Ruy Espinheira Filho, extraído do livro Uma história do paraíso & Outros poemas:


São todos estes livros. Vasta vida
pulsando forte aqui, era após era
de pensamento nítido, quimera,
certezas, corvos de ilusão perdida.

Sim, esta é a sala nunca anoitecida.
Nada adormece. Tudo freme e gera
luzes e trevas do santo e da fera
que é o homem, sempre, de alma dolorida.

São todos estes livros que se falam,
singrando o tempo, em alegria ou pranto,
de tudo o que se criou ou se perdeu.

E em seu silêncio eles jamais se calam
De Beleza e Verdade. E ornam de espanto
o sonho de uma sombra que sou eu.



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