Texto extraído do livro Rua dos Artistas e Arredores, publicado pela Codecri em 1978 e republicado pelo Círculo do Livro
A verdade é que o Tijucano vive num dilema desgraçado. Considerado semi-ipanemense pelos suburbanos e tido como meio suburbano pelos ipanemenses, o Tijucano passa momentos difíceis num bairro impreciso.
- Tu mora aonde?
- Tijuca.
O autor dessa resposta pode morar no Largo da Segunda-Feira, no Maracanã, no Andaraí,
Se vocês estão pensando que eu vou dizer "o Tijucano é um estado de espírito", aqui ó!
O Tijucano é um estado de sítio.
Premido pelo sagrado horror da acusação de suburbano e sonhando, secretamente, com as mordomias ipanemenses, o Tijucano adota uma atitude blasé em relação a seu controvertido bairro. Acha a Tijuca "devagar, careta, meio não sei como, sacou?"
Saquei, bestalhão. A Tijuca é exatamente isso: meio não sei como. Uma amostra magnífica do nosso querido Brasil.
O Tijucano não tem salvação. Pode fingir, fugir, mudar, inventar, mas será sempre tijucano. Mesmo que o corpo disfarce, a alma, como o criminoso, como filho pródigo, voltará sempre à Tijuca. Nenhum morador, nenhum bairro, padece tanto do tal conflito amor-ódio como o Tijucano. Ele fala mal dos bares da Tijuca, mas não sai deles. Detesta os cinemas do bairro, mas raramente vai a outros. Elogia o comércio da zona sul, mas não abandona as lojas da Tijuca. Venera as tangas, desde que não seja na mulher dele. É progressista, desde que o progresso não o afete. Esmera-se em sua descontração. Vigia sua esportividade. Obstina-se em sua espontaneidade. Por trás da indiferença com que trata o bairro, esconde-se o orgulho. O maldito orgulho de ser Tijucano.
O Tijucano-padrão é feito aquele amigo meu que pirou
- A Tijuca é uma merda! Tô farto disso aqui! Num guento mais a Tijuca! É uma merda! Uma verdadeira merda!
Quando a ambulância chegou e meu amigo leu o que estava escrito nela, o escarcéu aumentou. Do alto da árvore, nu, mas em pose de senador, bradava:
- Pro Pinel, jamais! Nós, tijucanos, temos nosso próprio sanatório!
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