ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

4.6.07

TREM DE SUBÚRBIO

TEXTO DE VICTOR JOSÉ FERREIRA


O trem que viaja no coração da gente é, quase sempre, aquele que transitou pela nossa infância. A velha Maria-Fumaça, o Maquinista, a pequena estação com seus Agentes uniformizados, o Guarda-Freios, o Chefe do Trem, o Manobrador e sua lanterna, são figuras míticas que nos ocupam pedaços da memória e dão toque poético ao mundo da Estrada de Ferro.

Dificilmente alguém se lembraria de incluir um trem de subúrbio, modernoso e eletrificado, entre os símbolos do lirismo ferroviário. Sua imagem é aquela do trem apinhado de gente, transportando desconfortavelmente a multidão que se desloca a cada dia nas grandes metrópoles, para garantir o pão amargo da sobrevivência.

Além da superfície das coisas, porém, existe sempre algo especial, que pode ser captado pela sensibilidade daqueles que se permitem ver com os olhos do coração.

Pude descobrir isso, em relação ao trem do subúrbio, em um momento especial.



Era sexta-feira, fim de tarde, momento em que o centro da cidade é sempre uma festa, os bares cheios, todo o mundo se confraternizando, a conversa alimentada com chope e descontração.

Estávamos eu e o amigo Ezequiel, ferroviários honorários, revendo-nos e matando a saudade de viagens que fizemos juntos, misturando trabalho e curtição. Lá pelas tantas juntou-se a nós outro amigo dele, arquiteto, poeta e boêmio, seu antigo companheiro de trabalho, à época em que andaram os dois pelo interior, construindo escolas e amando a vida.

Pouco tempo de conversa e o arquiteto-poeta-boêmio descobriu minha paixão pelo trem. Falei-lhe da ferrovia da infância, sua simbologia para o menino da cidadezinha do interior, todas as figuras que constituíram o mundo da Estrada de Ferro e se faziam personagens de meus sonhos, inclusive vocacionais.



Disse-me ele, então, que também tivera um caso de amor com o trem, declamando em voz alta, para olhares e ouvidos espantados dos vizinhos de bar, um poema em louvor do trem de subúrbio.

A poesia era sonora, bonita. Mais que tudo, porém, ela desvendava para a gente a magia que pode traduzir um trem de subúrbio. Falava do seu balançar cadenciado, a inclinação da entrada veloz nas curvas, o cantar das rodas na fricção com os trilhos. Dizia do seu deslocamento diário pela paisagem dos subúrbios, sua gente humilde, “casas simples, com cadeiras na calçada e na fachada escrito em cima que é um lar”. Lembrava a primeira viagem de cada dia, ainda quase madrugada, e o retorno a cada noite, o preparo para novo amanhecer.



Mas o poema recordava, acima de tudo, a generosa porção de humanidade contida em cada trem de subúrbio. São homens e mulheres que se deslocam diariamente para o seu trabalho; crianças que ganham seus trocados vendendo balas e amendoins; jornaleiros apregoando manchetes sensacionalistas, a tragédia de cada dia garantindo as grandes tiragens; as lavadeiras com suas trouxas pesadas, a roupa suja da granfinagem da Zona Sul se limpando nos tanques humildes da Zona Norte; o cego recebendo as moedas de gente quase tão pobre quanto ele; o sanfoneiro cantador tentando, com o som proletário, garantir também seu desjejum, o casal de namorados, trocando carinhos; o batedor de carteiras, à caça de um “balão apagado”, de um distraído qualquer; marmitas em sacolas humildes, os bóias-frias urbanos carregando o almoço preparado na véspera ou pela madrugada; enfim, uma multidão de ofendidos, humilhados e oprimidos que, com seu suor e seu trabalho, garantem o bem-estar da minoria privilegiada da burguesia que talvez nunca precise andar naquele trem.

Trem de subúrbio é isso, dizia-nos o poema. É gente, é povo, é vida.

Os aplausos e os brindes homenagearam o declamador e eu descobri, naquele instante, que o trem de subúrbio pode ser, também, incluído entre os personagens poéticos do universo mágico da ferrovia.



Crônica extraída de Victor José Ferreira, O trilho e a flor, Nau Editora, 1986. Fotos do editor do blog.

2 comentários:

Alexandre Core disse...

Justa lembrança. Andei muito de comboio carregando todos os meus trens. ;-) Fazia sempre o trecho entre Piedade e Mangueira (UERJ). O bairro [Piedade] tem também uma história interessante, principalmente a que conta a própria origem do nome (veja no link http://pt.wikipedia.org/wiki/Piedade_(Rio_de_Janeiro)

E por falar em trem, hoje mesmo saiu uma matéria sobre o trem-bala que poderá ligar Rio a São Paulo em pouco mais de uma hora. Não vejo a hora! Perdi todo o charme do Trem de Prata. Nunca tive a oportunidade de fazer essa viagem. Agora, espero que o projeto do Trem-bala saia do papel. A viagem pode não ser das mais agradáveis para se apreciar a paisagem, mas o tempo para matar a saudade do meu Rio será bem menor.

Segue link da notícia:
http://jbonline.terra.com.br/jb/papel/brasil/2006/02/06/jorbra20060206011.html

Unknown disse...

Que saudades do trem.Quando criança viajei muito pela antiga Mogiana,no interior paulista, andei até de bonde em Campinas, que em 1967, o prefeito O.Quércia acabou com o nosso bonde.
Lembro dos bondes de Santos e dos trolêibus de Araraquara!
Site maravilhoso esse de Ivo Korytowski, parodiando Drummond é apenas um retrato na parede mas como dói!
Paccini