ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

21.5.07

O MOSTEIRO

TEXTO DE ANTONIO CARLOS VILLAÇA


Igreja de N.S. de Monserrate do Mosteiro de S. Bento

O mosteiro...

Fica numa colina entre o mar e a cidade. É um casarão de largas paredes, meio escondido no seu monte. Confunde-se com o panorama geral da cidade. Nem mesmo do mar, chegamos a vê-lo com nitidez gritante. Parece uma velha fortaleza meio abandonada, triste, lúgubre, corredores kafkianos. É hoje uma insignificante fortaleza entre os fundos de um ministério barulhento e os arranha-céus, anônimos e iguais. Os novos edifícios, monótonos na sua fidelidade ao picassismo, ao cubismo, foram envolvendo a colina dos monges, perto do mar, circundando-a, escondendo-a — muros de clausura que a cidade trepidante, frenética, ou distraída ofereceu, sem querer, aos seus desconhecidos cantores.

Porque os monges são cantores. Cantam. [...] No canto coral, se ocupam.



Grades em ferro alemão da Igreja

O sino batia. Fomos para o Ofício de Vésperas na Igreja Abacial [a Igreja das fotos]. Por ali começara a história. [...]

A noite envolveu-nos. Do Ofício fomos para o refeitório da comunidade. Fomos jantar. Nuas paredes brancas. Toalhas só na mesa dos hóspedes. Mesas nuas. Silêncio. Um leitor no púlpito lê em voz alta, a refeição inteira. Os monges em silêncio. A comida boa. O Abade na sua mesa presidencial.




Galilé com piso de mármore da Igreja

Na cela, apenas a cama, a mesinha de cabeceira, uma cadeira, um crucifixo, uns cabides na parede. Solidão da cela. Primeira noite fora do conforto. O bem-estar longe, longe, como se tudo fosse de pelo menos cem anos atrás, como se há cem anos eu estivesse no mosteiro, como se há cem anos é que tivesse andado pelo outro mundo, o mundo dos homens.

Não dormi a noite toda.

Parecia que eu era o cadáver de mim mesmo.

No mosteiro, dorme-se muito cedo. Nove horas da noite é completa madrugada. Não consegui dormir. Ninguém me perturbou. Bastava eu para me perturbar. Noite longa, noite arrastada, noite tensa.




Órgão e coro da Igreja

O Ofício prossegue. O grande problema do mosteiro é apenas prosseguir. É preciso prosseguir, não parar, varar o tempo, escapar do tempo, driblar o tempo, ainda que seja pela morte dos homens. [...]

Vi que tudo aquilo não tinha sentido, era vago, vazio, flatus vocis. [...]

Vi que éramos afinal uns pobres, uns diabos, uma coisa pífia, ronronante, ventres sentados, ajoelhados, ventres de pé — falando latim com Deus. Deus mudo, silêncio enigmático, senhor de nenhuma intimidade, lá do outro lado de não sei quê, imenso, onipotente, onipresente, onisciente, encarnado num rapaz oriental, que faleceu numa cruz aos trinta anos pouco mais ou menos e há dois mil anos quase etc.

Eu achava aquilo cada vez mais esquisito.





Detalhe da talha barroca da Igreja de N.S. de Monserrate do Mosteiro de S. Bento

O almoço é triste. O jantar é triste. Os monges são tristes. O refeitório, frio. Austeridade mais ou menos difusa. [...]

Agora, a sesta, no meio-dia monacal. Durante uma hora, o noviço repousa. Recolhido à cela, cochila, dorme ou pensa. Em que pensa? Por que entrou para o mosteiro? Que veio fazer aqui? Que o prende a estas paredes? Que o prende a esta vida? Que interesse é o seu? Qual o ideal verdadeiro de seu coração? Que quer afinal? Quer Deus? Só Deus? [...]

O noviço vira de lado na cama para dormir... A cela é nua e velha. Paredes encardidas. Chão encardido. Moveis muito velhos. Calor. Não há água, não há pia na cela. O banheiro é longe. A água de beber é longe. Tudo é longe... Vale a pena ser monge? Tudo longe, tudo longe. Eu quero ser monge? Monge, longe, monge, longe.



Vista do Morro de São Bento

Texto do livro O nariz do morto, a obra-prima memorialista do escritor Antonio Carlos Villaça. Fotos de Ivo & Mi. A Igreja do Mosteiro de São Bento - um tesouro da arte barroca - fica aberta para visitação praticamente o dia inteiro. Sobe-se por uma ladeira na Rua Dom Gerardo, quase esquina da Rio Branco (altura da Praça Mauá). Em certos horários, funciona um elevador para a Igreja no número 68 dessa rua. Todo dia em torno das 17:40 entoa-se o ofício de Vésperas com órgão e canto gregoriano - lindo. São famosas as missas em latim às dez da manhã dos domingos, com canto gregoriano. Telefone para informações: 2291-7122. Rio de Janeiro é muito mais do que praia, montanhas, samba e futebol!

7 comentários:

Anônimo disse...

Oi, Ivo !
É uma construção que nos acende a curiosidade. Soube de um ávido historiador que foi pra lá, quando decidiu terminar suas pesquisas. Ele dizia que somos várias encarnações, em vida. E converteu-se. Hélio Silva foi materialista e monge. De muita fé!
Bjcs, e parabéns pela lembrança do lugar e do texto!

Anônimo disse...

Caramba, amigão, está maneríssimo.

Você realmente foi muito feliz na escolha do TEMA do blog.

Nossa querida cidade realmente tem muita história prá contar ainda em cima tem muita imagem bonita prá mostrar. (enviado por e-mail)

Ivo Korytowski disse...

Obrigado. O recente evento Igrejas de Portas Abertas me despertou para a beleza das igrejas aqui do Rio de Janeiro. Cada vez me convenço mais de que, mesmo que não tivéssemos as praias, as montanhas, a decantada beleza natural, só a parte histórica da cidade já valeria uma visita aqui. Aos poucos pretendo colocar no blog mais material sobre as nossas belas igrejas.

Anônimo disse...

Prezado Ivo!Que bela matéria sobre o MOSTEIRO DE SÃO BENTO!
Parabéns!!!
Siomara de Cássia Miranda

Anônimo disse...

Ivo, fui hj lá no Mosteiro e cliquei algumas fotos. Sabe, há muito queria conhecer o lugar e o seu post me inspirou. Senti uma paz enorme lá, vou mais e mais vezes.
Abç,

Alexandre Core disse...

Ivo,

Há alguns anos assisti a uma missa no mosteiro. Era Domingo de Pascóa. Igreja lotada e tirando-se um ou outro cidadão descuidado com o volume e toque do celular, o canto dos monges parece elevar os alicerces da igreja para além do topo do morro.

Minha opinião é que muito do que poderia ser visto está escondido pelo elevado da perimetral. Parece haver alguma coisa sobre remover o elevado e construir um mergulhão por toda a área portuária. Uma forma de valorizar essa área. Não sei se isso vai em frente. Talvez os custos não compensem. Talvez o projeto não seja viável.

Tais Luso de Carvalho disse...

Olá, Ivo: linda a matéria! Vou esperar outras matérias sobre igrejas e santos, já que trabalho com arte sacra.
Abraço,
Taís Luso