A poesia de Manuel Bandeira, das mais presentes na alma de todos nós brasileiros, tem dois pólos geográficos e biográficos, o Recife e o Rio de Janeiro, a cidade onde abriu os olhos ao mundo e aquela em que viveu a parte mais vasta de sua vida. Entre a infância e a morte, esses dois temas tão centrais do lirismo do poeta de Pasárgada, a sua poesia oscila, como um pêndulo, entre o Recife da Rua da União, da casa de seu avô, dos personagens de “Profundamente”, e o Rio de Janeiro da “Última canção do beco”, da Lapa do Desterro, da “Louvação” [ver abaixo] em que tão amorosamente a cantou.
(Marcos Vinícios Vilaça, Presidente da Academia Brasileira de Letras)
Louvação à Cidade do Rio de Janeiro
Louvo o Padre, louvo o Filho
E louvo o Espírito Santo.
Louvado Deus, louvo o santo
De quem este Rio é filho.
Louvo o santo padroeiro
- Bravo São Sebastião -
Que num dia de janeiro
Lhe deu santa defensão.
Louvo a Cidade nascida
No morro Cara de Cão,
Logo depois transferida
Para o Castelo, e de então
Descendo as faldas do outeiro,
Avultando em arredores,
Subindo a morros maiores
— Grande Rio de Janeiro!
Rio de Janeiro, agora
De quatrocentos janeiros...
Ó Rio de meus primeiros
Sonhos! (A última hora
De minha vida oxalá
Venha sob teus céus serenos,
Porque assim sentirei menos
O meu despejo de cá!)
Cidade de sol e bruma,
Se não és mais capital
Desta nação, não faz mal:
Jamais capital nenhuma,
Rio, empanará teu brilho,
Igualará teu encanto.
Louvo o Padre, louvo o Filho
E louvo o Espírito Santo.
Última Canção do Beco
Beco que cantei num dístico
Cheio de elipses mentais,
Beco das minhas tristezas,
Das minhas perplexidades
(Mas também dos meus amores,
Dos meus beijos, dos meus sonhos),
Adeus para nunca mais!
Vão demolir esta casa.
Mas meu quarto vai ficar,
Não como forma imperfeita
Neste mundo de aparências:
Vai ficar na eternidade,
Com seus livros, com seus quadros,
Intacto, suspenso no ar!
Beco de sarças de fogo,
De paixões sem amanhãs,
Quanta luz mediterrânea
No esplendor da adolescência
Não recolheu nestas pedras
O orvalho das madrugadas,
A pureza das manhãs!
Beco das minhas tristezas.
Não me envergonhei de ti!
Foste rua de mulheres?
Todas são filhas de Deus!
Dantes foram carmelitas...
E eras só de pobres quando,
Pobre, vim morar aqui.
Lapa - Lapa do Desterro -,
Lapa que tanto pecais!
(Mas quando bate seis horas,
Na primeira voz dos sinos,
Como na voz que anunciava
A conceição de Maria,
Que graças angelicais!)
Nossa Senhora do Carmo,
De lá de cima do altar,
Pede esmolas para os pobres,
Para mulheres tão tristes,
Para mulheres tão negras,
Que vêm nas portas do templo
De noite se agasalhar.
Beco que nasceste à sombra
De paredes conventuais,
És como a vida, que é santa
Pesar de todas as quedas.
Por isso te amei constante
E canto para dizer-te
Beco que cantei num dístico
Cheio de elipses mentais,
Beco das minhas tristezas,
Das minhas perplexidades
(Mas também dos meus amores,
Dos meus beijos, dos meus sonhos),
Adeus para nunca mais!
Vão demolir esta casa.
Mas meu quarto vai ficar,
Não como forma imperfeita
Neste mundo de aparências:
Vai ficar na eternidade,
Com seus livros, com seus quadros,
Intacto, suspenso no ar!
Beco de sarças de fogo,
De paixões sem amanhãs,
Quanta luz mediterrânea
No esplendor da adolescência
Não recolheu nestas pedras
O orvalho das madrugadas,
A pureza das manhãs!
Beco das minhas tristezas.
Não me envergonhei de ti!
Foste rua de mulheres?
Todas são filhas de Deus!
Dantes foram carmelitas...
E eras só de pobres quando,
Pobre, vim morar aqui.
Lapa - Lapa do Desterro -,
Lapa que tanto pecais!
(Mas quando bate seis horas,
Na primeira voz dos sinos,
Como na voz que anunciava
A conceição de Maria,
Que graças angelicais!)
Nossa Senhora do Carmo,
De lá de cima do altar,
Pede esmolas para os pobres,
Para mulheres tão tristes,
Para mulheres tão negras,
Que vêm nas portas do templo
De noite se agasalhar.
Beco que nasceste à sombra
De paredes conventuais,
És como a vida, que é santa
Pesar de todas as quedas.
Por isso te amei constante
E canto para dizer-te
Adeus para nunca mais!
Manuel Bandeira, desenganado como tuberculoso ainda no final da adolescência, conseguiu salvar-se graças a uma exemplar disciplina e a uma renúncia cruel a vastas possibilidades vitais de um homem saudável. Surgia o poeta, que, em 1917, publicava A cinza das horas, livro diretamente ligado ao último Simbolismo, em que as influências portuguesas e francesas se uniam a uma sensibilidade muito pessoal e a um ouvido dos mais agudos e, sobretudo, dos mais sutis da poesia brasileira. Depois de Carnaval, converte-se definitivamente ao verso livre em Ritmo dissoluto, ao qual se seguiram Libertinagem e o admirável Estrela da manhã, talvez o momento fulcral de sua obra. Bandeira, dono de imensa cultura literária e infalível bom gosto, aproveitou do Modernisno tudo o que esse lhe podia dar, sem cair jamais nos maneirismos da escola.
(Alexei Bueno, curador da exposição "Bandeira o Tempo Inteiro")
(Alexei Bueno, curador da exposição "Bandeira o Tempo Inteiro")
Fotos da estátua de Manuel Bandeira defronte à Academia Brasileira de Letras tiradas pelo editor deste blog. Textos sobre Bandeira extraídos do folheto da exposição "Bandeira O Tempo Inteiro".
3 comentários:
Bom dia Ivo!
Maravilhoso este blog, riquíssimo em conteúdo- Parabéns! Obrigada por compartilhar tantas coisas lindas sobre o Rio de Janeiro com os outros.
Um abraço
Beatriz Kappke-Medianeira-PR
Prezado Ivo!É muito prazeroso visitar o seu blog!
Que maravilha,essa homenagem ao MANUEL BANDEIRA!!!
Sucesso!!!
Siomara de Cássia Miranda
Olá Ivo! Belíssimo enfoque ao nosso grande Poeta.
... A saudade bateu, ao lembra-me do grande homem que,duas ou tres vezes ao dia, fazia sua rotineira caminhada, para vir bater um papo com seu amigo FRED, gerente do escritório, onde,lá pelos meus dezoito anos, trabalhava. Ali, tive a honra de conhecê-lo; sem, no entanto, avaliar, aquela estrela de primeira grandeza!!!
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