ENSEADA DE BOTAFOGO

ENSEADA DE BOTAFOGO
"Andar pelo Rio, seja com chuva ou sol abrasador, é sempre um prazer. Observar os recantos quase que escondidos é uma experiência indescritível, principalmente se tratando de uma grande cidade. Conheço várias do Brasil, mas nenhuma tem tanta beleza e tantos segredos a se revelarem a cada esquina com tanta história pra contar através da poesia das ruas!" (Charles Stone)

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA

VISTA DO TERRAÇO ITÁLIA
São Paulo, até 1910 era uma província tocada a burros. Os barões do café tinham seus casarões e o resto era pouco mais que uma grande vila. Em pouco mais de 100 anos passou a ser a maior cidade da América Latina e uma das maiores do mundo. É pouco tempo. O século XX, para São Paulo, foi o mais veloz e o mais audaz.” (Jane Darckê Avelar)

27.12.05

RESOLUÇÕES DRÁSTICAS

Márcia Frazão


No ano que vem fecharei os olhos para o Belo e não mais procurarei estrelas em céu nublado. Queimarei todos os meus livros, principalmente os de filosofia e poesia. Não acreditarei mais nos utópicos e dos poetas manterei distância. Comprarei livros novos, especializados na "difícil" arte de vencer na vida sem fazer esforço ou de enganar os trouxas sem nenhum escrúpulo.

No ano que vem me filiarei a um partido e me tornarei capacho de algum político. Me especializarei na "nobre" arte da estupidez e engodo. Farei tudo que o mestre mandar e se ele disser que a Terra é quadrada, assinarei embaixo. Me tornarei exímia na "fabulosa" arte de escrever palavras vazias em discursos cheios de más intenções. Anularei de tal forma minha integridade e compostura que no final serei recompensada: virarei presidente de alguma estatal.

No ano que vem babarei o ovo de alguma estrelinha ou de algum galãzinho bonito que de arte só entendem a de revistas versadas em fuxicos e babados. Me esquecerei de Cacilda, Fernanda, Marília, Dina, Isabel, Natália, Ítalo, Walmor, Autran, Borghi, Petrin, Gracindo, Procópio e tantos outros, verdadeiramente abençoados por São Shakespeare. Por falar nele, o descanonizarei e o enviarei para o limbo, junto com o velho Lear.

No ano que vem desafinarei meus ouvidos e vibrarei com o máximo de lixo musical que conseguir ouvir. Quebrarei todos os meus discos de Jobim, João Gilberto, Maria Callas, Nara Leão, Elizeth Cardoso, Maysa, Ellis, Wanda Sá, Edu Lobo, Caetano, Mutantes, Gil, Maysa, Amália Rodrigues, Charlie Parker, Os Cariocas, Tom Waits, Marina Lima, Dorival, Nana, Ray Charles, Bessie Smith, Billie Holliday, Luis Melodia, Etta James, Jacques Brel, Edith Piaf, Beatles, Rolling Stones, Bob Dylan, Joan Baez, Clementina de Jesus, Cartola, Dr. John, Nina Simone, os Chicos (Buarque e Cesar)... e comprarei todas as éguinhas-pocotó que encontrar pela frente.

No ano que vem me tornarei guru de alguma estrelinha, astro do futebol ou de uma nova emergente e cobrarei fortunas por cada palavra (?) que eu vier a falar. Aliás, não falarei nada. Guru que é bom é aquele que olha, fica calado e mantém um ar distante, acima de qualquer mortal.

No ano que vem farei previsões para o ano seguinte e aparecerei em todos os canais de TV (de preferência com o telefone para consultas devidamente creditado na tela). Vaticinarei acidentes e mortes de celebridades (sem citar nomes, é claro!), seguidas por possíveis triunfos da seleção, casamentos e divórcios de artistas, gangorras financeiras e desilusões políticas (como se isso fosse novidade!).

No ano que vem esquecerei o meu curso de Filosofia e arrumarei um diploma em alguma universidade holística ou de marketing empresarial. Ministrarei palestras e darei workshops caríssimos, voltados para temas ardilosos tipo "Descobrindo o seu Eu Interior", "Os Anjos e os Negócios", "Torne-se Afrodite em Dois Dias" e "Os Deuses Empresariais". Estarei rica em pouco tempo e nunca mais ficarei no vermelho. Platão, Kant, Sartre, Descartes, Hegel, Hume... certamente entenderão minha completa falta de princípios e excesso de fins.

No ano que vem fundarei mais uma igreja evangélica e afirmarei que Jesus cura em suaves prestações e que o Paraíso pode ser financiado pela Caixa Econômica sem assinatura de qualquer avalista. Tirarei encostos, exorcizarei demônios e vícios, muito mais barato que qualquer outro concorrente. E se os meus sermões convencerem, me tornarei dona de uma estação de tevê e de um partido político.

No ano que vem terei me tornado tão medíocre, tão abjeta, que se eu morrer nem o Diabo aceitará minha alma.

Márcia Frazão é autora de Revelações de Uma Bruxa, A Panela de Afrodite, Manual Mágico do Amor e vários outros livros. Clique em seu nome para conhecer seu site.

6 comentários:

Jôka P. disse...

Esse conto é muito legal, Ivo.
Já fui ver o site da moça.
Gostei.
Principalmente das ilustrações.
Abçs!
Jôka P.
:D

Anônimo disse...

Estamos precisando mesmo de resoluções drásticas.
Bjos, Ivo, e ótimo 2006.

Anônimo disse...

Muito bem escrito.
Só espero que seja só prá instigar, pessoalmente ficaria muito triste com tal "anulação de valores pessoais" descrita. Só nos falta agora no Brasil, o país do "macaco tá certo" olharmos pra tudo isso que nos rodeia PT no poder, Governadora Rosadinha e dizermos que tá certo também!

Wilton Chaves disse...

Olá!
Meu Caro Ivo, obrigado pela mensagem,gostei muito de ler esse texto. Vou fazer uma visita no site da escritora.Valeu! Um grande abraço.

Jôka P. disse...

IVO e Mi,
um Feliz 2006 pra vocês !
abraço do amigo
JÔKA P.
:D

Anônimo disse...

Oi,
a resolução de endurecer sem ternura (para amargor do velho Che) já estava quase me tomando quando Ana Durães, minha irmã de trauma, me falou de uma flor que só ela conhecia a existência. "Como, uma flor que ninguém mais conhece?", perguntei aguçada pela curiosidade que só os agricultores conhecem. "Pois é, não é que a flor nasceu da noite pro dia, um pouco acolá do mais ali adiante", Ana respondeu com a mineirice lógica de Guimarães.
A conversa desviou para as mundanices da vida e vez por outra a flor desabrochava entre vírgulas, letras, exclamações e pontos, acenando de um acolá carente de geografia. "Tua flor tá parecendo com as rosas do Diego", eu disse, já me preparando para o acolhimento de um milagre. "Pois é, acho que é flor de Maria", Ana respondeu, agarrando um escapulário de Santa Bárbara.
Se a flor pertencia a Maria ou se era de Guadalupe, de Santa Bárbara ou de algum botânico que a criara por vias híbridas, não interessa. A verdade é que se anunciou o milagre: as resoluções drásticas que eu semeara no solo fértil da alma, voaram com as últimas folhas de um calendário que tenho grudado na porta da geladeira. Bem verdade que eu preferia um pinguim, daqueles de louça, vestidos a rigor e com biquinho amarelo, mas pinguins andam em falta e, na falta deles , um calendário da "Panificação Flor de Olaria" cumpre o mesmo papel. Mas deixando a estética de A. Moles de lado e voltando as resoluções, ao terminar a conversa alguma coisa havia mudado...
Olhei para os lados e dei de cara com a minha horta, os meus livros, os meus discos e a matutice de minha rua. "Bão dia", disse Dona Isaura, minha vizinha, conduzindo o seu vira-lata por uma cordinha. Não deu tempo para responder, pois ao passar Isaura deixou cair uma flor. "A flor de Ana!!!!", exclamei eufórica.
Despetalada como a boca sem dentes de Isaura, tímida como um discreto bão dia, inocente como um vira-lata conduzido por uma corda, ali estava a tal flor. Verde, amarela, rajada de azuis e com perfume de extrato barato. Lembrei-me do colo de minha babá e afundei o nariz no odor de talco cashemire bouquet, coloquei-a na boca e senti o gosto de tapioca, angu e arroz com ovo. Sacudi-a no ouvido e ouvi os tambores do bumba meu boi, as cuicas da mangueira e as ladainhas das procissões.
Dona Isaura estranhou quando me viu agarrada a uma flor despetalada e murcha. Mas não disse nada. Seguiu o seu rumo em direção à venda, com uns poucos trocados para comprar a linguiça da ceia do ano novo.
E foi assim que a ternura de Che me inundou a alma e decidi anular as resoluções. No ano que vem continuarei (e sei que muitos assim o farão) a ver beleza num povo que de tão belo ofusca qualquer ouro. E... afinal, por mais ouro que possam ter os corruptos, nada se compara a glória de ter amigos que enxergam flores um pouco acolá do mais ali adiante!

mil luas
Marcia Frazão

Obs: um 2006 cheio de flores!