Você pega o trem na estação paulistana do Brás e em menos de uma hora está em Franco da Rocha, cidadezinha aprazível, colorida, arejada, arborizada, diferente do "mar de prédios" paulistano. À direita, a meio quilômetro da estação, você chega ao museu (e atrás dele, as antigas instalações do complexo psiquiátrico). Você assiste a um vídeo que conta a história do Osório Cesar, marido da artista Tarsila do Amaral, pioneiro na humanização do tratamento psiquiátrico no Brasil, inspirador da doutora Nise da Silveira, e se surpreende com o altíssimo nível do acervo de obras de arte dos antigos internos. Bom passeio para uma tarde de sábado ou domingo.
Istvan Csibak, Museu Dr. Osório Cesar, 1989, acrílica, guache e óleo sobre papel |
Na exposição “Há luz atrás dos muros”, que (re)inaugura o Museu de Arte Osório Cesar (MAOC), apresentamos a rica criação de mais de 60 artistas que, em diferentes momentos da vida, tiveram suas trajetórias marcadas pela internação no Complexo Hospitalar do Juquery.
Em meio a um dia-a-dia de violações à dignidade humana, os artistas-internos aprenderam técnicas e conhecimentos em frequências e interesses tão diversos quanto suas trajetórias. Os suportes e seus modos de expressão são também variados, abarcando desenho, cerâmica, gravura, escultura e pintura. A fluência da produção e a espontaneidade alheia às questões que os artistas comuns se debatem são um fator distintivo. Recorrendo a memórias afetivas, extraindo do âmago experiências vividas ou relatando a imposta realidade, os artistas constituíram maneiras inventivas de (re)ver seus mundos, contorcendo o sentido do que é entendido como “normal”.
A mostra está organizada em dois blocos interligados. Uma seção agrupa os trabalhos por gêneros e temas transversais que compõem o acervo do MAOC, como registros da arquitetura e paisagem do Juquery; casas, animais e ambientes rurais; naturezas-mortas; construções geométricas abstratas; signos religiosos e do mundo extrassensível.
Uma seção monográfica destaca trabalhos de 14 artistas. Do período de funcionamento da Escola Livre de Artes Plásticas, estão Antônio Sérgio, Aurora Cursino, Farid Geber, Ioitiro Akaba, Masayo Seta, Caraíba, Rubens Neves Garcia e Valeriano; dos artistas que vivenciaram o Atelier de Arte do Museu, além de Masayo Seta (cuja estadia compreendeu os dois períodos), apresentamos obras de Almir D’Avila, Maria Aparecida Dias, Istvan Csibak, Otaviano, Ubirajara e Waldemar.
A apresentação desobedece a ordenamentos lineares. Antes, valorizamos os encontros fortuitos, a quebra de expectativa e caminhos labirínticos. As obras dos artistas do Juquery (artistas do mundo), testemunhos da força de vida de indivíduos que se sobrepuseram ao trauma da internação, são como luzes que, não só no fim, mas por detrás das paredes do túnel, dos muros reais ou imaginários, alargam frestas, alicerçam mundos.
Hélio Menezes
Pedro Quintanilha
Curadores
Ioitiro Akaba, Bandiza, óleo sobre papel, sem data |
Istvan Csibak, Freud, 1994, acrílica e óleo sobre tela |
José Otaviano Rangel, Casal Entrelaçado, 1994, óleo e tinta de tecido sobre tela |
Istvan Csibak, Espelho Mágico, 1994, óleo sobre tela: Espelho meu diga se existe homem mais feio do que eu |
Farid Geber, sem título, sem data, llnoleogravura |
Aurora Cursino dos Santos, Autorretrato, sem data, óleo sobre papel |
Quatro obras (década de 1950) de João Rubens Neves Garcia, todas sem título |
Waldemar Lúcio Raymond, sem título, 1990, giz de cera, hidrocor e pastel oleoso sobre papel |
Quatro obras de José Otaviano Rafael |
Istvan Csibak, Autorretrato, 1996, grafite e guache sobre papel: Sou natural da Ungria Capital de Budapest |
Almir D'Ávila, O sanhaço comendo goiaba, 1993, grafite e guache sobre papel |
Arte no Juquery
A história da arte produzida no Juquery é uma história das técnicas, das palavras e, sobretudo, do tempo e do encontro entre artistas, pesquisadores e profissionais da instituição que promoveram o fazer artístico e a preservação do acervo.
A data da primeira obra de arte é incerta, pois, entre 1920 e 1930, há produções artísticas nas oficinas de ergoterapia, nos desenhos em papéis descartados ou paredes do hospital e com o uso de suportes incomuns, como esculturas feitas de miolo de pão.
Em 1949 é criada a Seção de Artes Plásticas do Juquery, com direção do psiquiatra Mário Yahn. Na década de 1950 a seção foi transformada em Escola Livre de Artes Plásticas (ELAP) e Osório Cesar passa a ser o diretor, até 1964. A ELAP resistiu em suas atividades até a década de 1970, e por ela passaram artistas como Maria Leontina, Clélia Rocha e Moacyr Rocha, que orientaram os artistas do Juquery, procurando manter a liberdade de escolha de cada um/a na utilização de materiais e técnicas para as suas composições.
No ano de 1985 é inaugurado o Museu Osório Cesar, com objetivo de preservar a coleção da ELAP e abrir o Atelier de Arte. Nesta segunda fase, as obras produzidas são incorporadas ao museu, ampliando, assim, seu acervo. Em 2006, a instituição é fechada, após o incêndio que atingiu o prédio administrativo e a biblioteca do Juquery.
A exposição “Há luz atrás dos muros” apresenta obras que foram realizadas durante esse duradouro caminho, reabrindo com o Museu de Arte Osório Cesar.
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